TEMPUS VERITATIS

Entenda a operação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados

Rhuan C. Soletti · 8 de Fevereiro de 2024 às 18:33 ·

A Operação Tempus Veritatis foi batizada dessa maneira em razão das narrativas de que uma fraude nas eleições de 2022 teria suscitado uma intervenção militar para manter Bolsonaro no poder

A Polícia Federal (PF) deu início à Operação Tempus Veritatis, tendo como alvo a alegada organização criminosa que supostamente tramou um “golpe” para manter Jair Bolsonaro (PL) na Presidência. Traduzida do latim como "hora da verdade", a operação desencadeou uma ação coordenada em diversos estados brasileiros e no Distrito Federal. Bolsonaro está entre os investigados, e agentes foram à sua residência em Angra dos Reis (RJ) para apreender apenas seu passaporte, por enquanto. O início das apreensões se deu nesta quinta-feira (8).

A Operação Tempus Veritatis foi batizada dessa maneira em razão das narrativas de que uma fraude nas eleições de 2022 teria suscitado uma intervenção militar para manter Bolsonaro no poder – e foi chegada a hora de responsabilizar os “culpados” pelo golpe. As supostas conspirações, disseminadas pelo próprio Bolsonaro e seus aliados, serviram de motivação para a ação coordenada da Polícia Federal em nove estados brasileiros e no Distrito Federal.

Funcionários próximos ao ex-presidente foram alvos da PF: os ex-assessores coronel Marcelo Costa Câmara e Filipe Martins e o major do Exército Rafael Martins de Oliveira estão presos. Valdemar Costa Neto, presidente do Partido Liberal (PL), é outro alvo na investigação, tendo sido preso em flagrante por posse ilegal de arma de fogo

No caso de Bolsonaro, após não encontrarem o passaporte do ex-presidente no local, foi estipulado um prazo de 24 horas para a entrega, sendo o documento finalmente apreendido em Brasília no início da tarde, conforme confirmado por Paulo Bueno, advogado do ex-presidente. O ex-assessor de Bolsonaro Tércio Arnaud Thomaz teve apreendido o celular.

Reprodução: Agência Brasil

Com mandados assinados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a operação foi desencadeada com base na delação do tenente-coronel Mauro Cid e outras supostas evidências coletadas pela PF ao longo da investigação. De acordo com a delação do ex-ajudante de ordens, alega-se que Bolsonaro teria tido acesso a uma minuta de decreto com o propósito de subverter os resultados da eleição, na qual foi derrotado pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva. A informação foi compartilhada durante a investigação conduzida pela PF.

A minuta em questão teria sido apresentada ao ex-presidente em novembro de 2022 por Filipe Martins, conforme relato do delator. O documento, alegado como falso ou ineficaz pelos acusados, previa a prisão de autoridades, incluindo os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do STF, justificando-se com as interferências arbitrárias do Judiciário.

Cid denunciou que supostamente Bolsonaro solicitou ao Filipe Martins alterações na minuta, concordando, posteriormente, com os termos ajustados. Além disso, teria convocado uma reunião com os comandantes das Forças Armadas para apresentar o documento, buscando “apoio e adesão à iniciativa”. Contudo, em diversas ocasiões, ele negou ter conhecimento dessa minuta.

Mais pessoas ligadas a Bolsonaro caíram na rede: ex-ministros, como Braga Netto, Augusto Heleno, Anderson Torres e Paulo Sérgio Nogueira, são alvos de busca e apreensão. Anderson Torres já responde no STF por suspeita de conivência e omissão em relação aos eventos de 8 de janeiro, tendo ficado preso por quase quatro meses. O Exército está atuando em conjunto na execução de alguns mandados, incluindo ao menos três generais de quatro estrelas


Detalhes da decisão

Reprodução: Agência Brasil

A representação da PF aborda, detalhadamente, fatos relacionados ao eixo de atuação na suposta "tentativa de Golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito", com operação de núcleos e, segundo eles, cujos desdobramentos se voltavam a disseminar a narrativa de ocorrência de fraude nas eleições presidenciais, antes mesmo da realização do pleito.

A suposta disseminação de mentiras teria como objetivo disseminar e, eventualmente, legitimar uma “intervenção das Forças Armadas”, com a tal de “abolição violenta” do “Estado Democrático de Direito”, em uma dinâmica de verdadeira milícia digital. Na petição, os acusadores relacionam essa “milícia digital” com o procedimento já adotado pelo gabinete do ódio (assim nomeado pelos opositores de Bolsonaro), investigado no INQ 4781

A PF alegou que, por meio de ”milícias digitais”, a oposição reverberou e amplificou “por multicanais a ideia de que as eleições presidenciais foram fraudadas, estimulando seus seguidores a "resistirem" na frente de quartéis e instalações das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para uma intervenção federal comandada pelas forças militares, sob o pretexto de aturarem como uma espécie de Poder Moderador

“...O grupo ora investigado, desde o ano de 2019, utilizava o modus operandi desenvolvido pelo autointitulado GDO ("gabinete do ódio") para propagar a ideia de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do país”, conclui.

Segundo a PF, os apoiadores de Bolsonaro planejavam a prisão de Moraes e a realização de novas eleições. Diz o texto: “Era relevante para os investigados monitorarem o ministro Alexandre de Moraes para executarem a pretendida ordem de prisão, em caso de consumação do Golpe de Estado.” 

“A equipe de investigação comparou os voos realizados pelo Ministro no período de 14/12/2022 até 31/12/2022, com os dados de acompanhamento realizados pelos investigados. A análise dos dados confirmou que o Ministro ALEXANDRE DE MORAES foi monitorado pelos investigados, demonstrando que os atos relacionados a tentativa de Golpe de Estado e Abolição do Estado Democrático de Direito, estavam em execução”, diz a PF.

Reprodução: Agência Brasil

A instituição aponta que a investigação está relacionada com a atuação de organização criminosa com cinco eixos de atuação: 

  1. Ataques virtuais a opositores; 
  2. Ataques às instituições (STF, TSE), ao sistema eletrônico de votação e à higidez do processo eleitoral; 
  3. Tentativa de Golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; 
  4. Ataques às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias na pandemia e;
  5. Uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens, o qual se subdivide em: 

a) Uso de suprimentos de fundos (cartões corporativos) para pagamento de despesas pessoais;
b) Inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde para falsificação de cartões de vacina e;
c) Desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao ex-presidente ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação com o fim de enriquecimento ilícito.


Núcleos investigados

Reprodução: Agência Brasil

Segundo a PF, a organização criminosa atuou em 6 núcleos distintos, visando “disseminar informações falsas” sobre a suposta fraude nas eleições de 2022, entre outros. A ação teria ocorrido antes do pleito, com o intuito de "viabilizar e legitimar uma intervenção militar, em dinâmica de milícia digital". Parte dos investigados são adequados a um núcleo, conforme a suposta forma de atuação na “tentativa de golpe”. Bolsonaro não está em nenhum deles. Veja abaixo cada núcleo: 


1. Núcleo de Desinformação 

Forma de atuação: "Produção, divulgação e amplificação de “notícias falsas” quanto a lisura das eleições presidenciais de 2022 com a finalidade de “estimular seguidores a permanecerem na frente de quartéis e instalações, das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para o Golpe de Estado”, conforme exposto no tópico "Das Medidas para Desacreditar o Processo Eleitoral" da decisão de Moraes." 

Integrantes: Mauro Cesar Barbosa Cid, Anderson Torres, Angelo Martins Denicoli, Fernando Cerimedo, Eder Lindsay Magalhães Balbino, Hélio Ferreira Lima, Guilherme Marques Almeida, Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros e Tércio Arnaud Tomaz. 


2. Núcleo Militar

Forma de atuação: "Eleição de alvos para amplificação de ataques pessoais contra militares em posição de comando que resistiam às investidas golpistas. Os ataques eram realizados a partir da difusão em múltiplos canais e através de influenciadores em posição de autoridade perante a "audiência" militar."

Integrantes: Walter Souza Braga Netto, Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, Ailton Gonçalves Moraes Barros, Bernardo Romão Correa Neto e Mauro Cesar Barbosa Cid. 


3. Núcleo Jurídico

Forma de atuação: "Assessoramento e elaboração de minutas de decretos com fundamentação jurídica e doutrinária que atendessem aos interesses golpistas do grupo investigado." 

Integrantes: Filipe Garcia Martins Pereira, Anderson Gustavo Torres, Amauri Feres Saad, Jose Eduardo De Oliveira e Silva e Mauro Cesar Barbosa Cid. 


4. Núcleo Operacional

Forma de atuação: "A partir da coordenação e interlocução com o então Ajudante de Ordens do Presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cesar Cid, atuavam em reuniões de planejamento e execução de medidas no sentido de manter as manifestações em frente aos quartéis militares, incluindo a mobilização, logística e financiamento de militares das forças especiais em Brasília." 

Integrantes: Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, Bernardo Romão Correa Neto, Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Alex de Araújo Rodrigues e Cleverson Ney Magalhães.


5. Núcleo de Inteligência Paralela

Forma de atuação: "Coleta de dados e informações que pudessem auxiliar a tomada de decisões do então presidente Bolsonaro na consumação do Golpe de Estado. Monitoramento do itinerário, deslocamento e localização do ministro do STF Alexandre de Moraes e de possíveis outras autoridades da República com objetivo de captura e detenção quando da assinatura do decreto de Golpe de Estado."

Integrantes: Augusto Heleno Ribeiro Pereira, Marcelo Costa Camara e Mauro Cesar Barbosa Cid. 


6. Núcleo de Oficiais de Alta Patente

Forma de atuação: "Utilizando-se da alta patente militar que detinham, agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do Golpe de Estado."

Integrantes: Walter Souza Braga Netto, Almir Garnier Santos, Mario Fernandes, Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, Laércio Vergílio e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.

Segue abaixo a lista de todos os alvos na Operação:

  1. Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente da República;
  2. Valdemar Costa Neto, presidente do PL;
  3. Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022;
  4. Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
  5. Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública;
  6. General Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército;
  7. Almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha;
  8. General Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
  9. Tércio Arnaud Thomaz, ex-assessor de Bolsonaro;
  10. Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão reformado do Exército;
  11. Amauri Feres Saad, advogado citado na CPI dos 8 de Janeiro como “mentor intelectual” da minuta do decreto sobre o suposto golpe;
  12. Angelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército;
  13. Cleverson Ney Magalhães, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres;
  14. Eder Lindsay Magalhães Balbino, empresário que teria ajudado a “montar falso dossiê” apontando fraude nas urnas eletrônicas;
  15. Guilherme Marques Almeida, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres;
  16. Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel do Exército.

Mandados de Prisão:

  1. Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro;
  2. Marcelo Câmara, coronel do Exército citado em investigações (a dos presentes vendidos pela gestão Bolsonaro e a das supostas fraudes nos cartões de vacina);
  3. Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército;
  4. Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército.

“Na espécie, teriam sido coordenados ataques pessoais a militares indecisos sobre a adesão ao plano de golpe de Estado. A organização de reuniões de planejamento e de execução de medidas seria intermediada por determinados investigados. Um grupo de pessoas é apontado como responsável pelo constante assessoramento jurídico e pela elaboração de minutas de decretos, com os fins de consumar um golpe de Estado e de subverter a ordem democrática”, é o parecer da Procuradoria-Geral da República. 


Reação da oposição:

Reação dos governistas:

Íntegra da decisão:


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