A tentativa de interferência de Lula nas eleições da Argentina: entenda o caso
Lula, o fundador do Foro de São Paulo, parece estar muito preocupado com a vantagem de Milei nas pesquisas
O presidente empossado Luiz Inácio Lula da Silva (PT) autorizou uma operação que resultaria em um empréstimo de US$ 1 bilhão concedido pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) à Argentina, conforme revelado por Vera Rosa, colunista do Estadão. Segundo eles, Lula estaria financiando a obstrução das eleições do país vizinho, em desfavor de Javier Milei, o candidato liberal.
"Era uma sexta-feira do fim de agosto quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que tinha urgência em falar com Simone Tebet. A ministra do Planejamento não estava em Brasília, mas foi logo contatada por telefone. A pressa de Lula não era à toa: o Brasil precisava autorizar, ainda naquele mês, uma operação para que o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) concedesse empréstimo de US$ 1 bilhão à Argentina", destacou o jornal.
O “empréstimo” foi intermediado por Lula em um momento que o governo havia retirado cerca de 2,9 milhões de pessoas do Bolsa Família. De acordo com um documento do Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), "foram canceladas 2.870.743 famílias entre janeiro e setembro de 2023" – isso equivale a quase R$ 2 bilhões.
É importante ressaltar que essa ação ocorreu às vésperas da visita do ministro da Economia argentino, Sergio Massa, ao Brasil. Com o apoio explícito do presidente argentino Alberto Fernández, comunista, para sucedê-lo no cargo, Massa realizou encontros estratégicos tanto no Ministério da Fazenda quanto no Palácio do Planalto, intensificando ainda mais a relevância desse episódio.
Conforme apontado pela matéria, segundo informações apuradas, os argentinos dependiam consideravelmente desse empréstimo-ponte para abrir as portas ao desembolso substancial de US$ 7,5 bilhões por parte do Fundo Monetário Internacional (FMI). Vale a pena destacar que a Argentina estava enfrentando restrições de acesso aos recursos do FMI, uma vez que já havia esgotado seu limite de crédito.
Para muitos, o cenário parece, no mínimo, estranho: acusado de corrupção por mais de década, por que ele contataria diretamente a ministra?
No entanto, novas informações vieram à tona em uma nova matéria do jornal, esclarecendo que a chamada telefônica em questão foi originada no gabinete do ex-chanceler Celso Amorim, que hoje atua como assessor especial para assuntos internacionais da Presidência. Foi necessário realizar múltiplas tentativas de contato com a ministra Tebet, que, naquele momento, estava ausente de Brasília, cumprindo um compromisso particular, e só pôde retornar posteriormente.
Vale ressaltar que Tebet é a representante do Brasil no CAF, tornando seu aval indispensável para o desenrolar dessa operação de socorro. Como anteriormente mencionado, a Argentina estava em uma situação delicada, à beira de não ter mais acesso aos recursos do CAF devido ao esgotamento de seu limite de crédito.
Com uma participação significativa de 37,3% no capital do CAF, que em seu nascimento foi denominado como Comunidade Andina de Fomento, o Brasil mantém uma influência preponderante e detém o maior peso nas decisões estratégicas deste banco.
Além disso, como esclarecido na nova publicação, o empréstimo-ponte concedido pelo CAF não apresenta irregularidades e passou pelo escrutínio de 21 países-membros desta instituição – de maioria filiada ao Foro de São Paulo. Vale ressaltar que apenas o Peru manifestou seu voto contrário. Após a ratificação desse passo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) deu luz verde para um novo acordo e liberou a soma de US$ 7,5 bilhões destinados à Argentina.
Transcorreu um mês desde o fato, e atualmente nos encontramos a menos de três semanas das eleições que determinarão o sucessor de Alberto Fernández na Casa Rosada. A possibilidade de vitória de Javier Milei, um político frequentemente comparado à figura de Jair Bolsonaro (PL), tem gerado crescente apreensão no Palácio do Planalto.
A data das eleições na Argentina está marcada para o próximo dia 22, e tudo indica que um segundo turno será inevitável. Diante desse cenário repleto de incertezas, o presidente Lula optou por adotar uma abordagem de "tudo ou nada", em uma tentativa desesperada de evitar um possível colapso iminente.
Segundo nosso colunista Lucas Ribeiro, no jornal “La Gaceta”, disse:
“A política externa brasileira, historicamente baseada na não intervenção nos assuntos internos de outras nações (pelo menos em teoria), parece ter sido relegada a segundo plano neste cenário. A incursão na política argentina, em que o Brasil – por meio da intervenção direta de Lula – ajuda no resgate financeiro e, portanto, potencialmente influencia o cenário eleitoral argentino, pinta o quadro de uma diplomacia voltada a ajudar os parceiros da esquerda de Lula da Silva na região. Ignorando assim os princípios mais básicos da administração pública em favor de uma articulação política.”
Diante da polêmica gerada pela matéria, o empossado foi formalmente denunciado no Ministério Público Federal (MPF). A denúncia apresentada alega suspeitas de que recursos públicos brasileiros tenham sido utilizados para financiar campanhas eleitorais presidenciais em outros países, mais especificamente na Argentina. O pedido de investigação foi protocolado no último dia 4 pelo deputado federal Gustavo Gayer, representante do PL-GO.
O deputado, autor da denúncia, utilizou suas redes sociais para comunicar a ação, escrevendo: "Acabo de denunciar Lula ao Ministério Público Federal por suspeita de utilização de dinheiro público brasileiro para possível financiamento de campanhas eleitorais na Argentina".
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Repercussão
Após a divulgação da notícia, começaram a surgir nas redes sociais mensagens contendo a hashtag #impeachment, relacionadas à atuação do petista em supostamente auxiliar a candidatura dos comunistas. Essas postagens inflamaram ainda mais o desgosto político entre os opositores do atual governo.
O colunista do BSM levanta as seguintes questões:
“A situação traz à luz diversas reflexões. A ação de Lula da Silva seria uma intervenção contra a soberania argentina? Seria justo que interesses político-partidários norteassem a inserção internacional do Brasil? Qual seria o limite ético, moral e legal para esse tipo de atuação no Brasil e na Argentina? Vale ressaltar que os esforços de Lula para viabilizar o empréstimo e, portanto, dar apoio ao governo argentino em dificuldades, podem ter implicações para a política interna brasileira.”
Apesar das controvérsias que cercam a matéria original do Estadão, que inclusive foi corrigida em outra matéria, os defensores do governo petista demonstram estar notavelmente satisfeitos com a notícia:
O jornalista Guga Noblat expressou sua opinião em seu perfil no Twitter, afirmando:
"Quer dizer então que Lula está operando para derrotar o Bozoloide [sic] da Argentina? Queriam que ele ficasse assistindo de camarote a eleição de um desequilibrado que promete cortar relações com o governo brasileiro? Se Lula ajudar a derrotar Javier Milei, aí é que ele vira herói da América Latina e ainda salva o Brasil de uma dor de cabeça já que Argentina é nosso terceiro maior parceiro comercial."
Por outro lado, algumas figuras da oposição ao governo alegam que a suposta intervenção de Lula é motivo suficiente para um processo de impeachment – a interferência direta nas eleições de outra nação. Dessa forma, eles acusam Noblat e outros apoiadores de estarem defendendo ou minimizando um possível crime de responsabilidade.
Ainda na tentativa de desmentir a matéria do Estadão, o assessor da Secretaria de Comunicação (Secom) fez a seguinte publicação: "ATENÇÃO: A decisão de empréstimo de US$ 1 bi do CAF à Argentina foi tomada pela diretoria do banco, composta por países membros, e NÃO teve interferência do presidente Lula. Verifique os fatos e espalhe a verdade."
Em uma postagem subsequente, ele declarou: "Daqui por diante vai ser assim: publicou mentira e fake news nós responderemos com apuração de verdade. Bateu, levou." Acontece que, em resposta às postagens, a Editora-executiva do Estadão, Andreza Matais, provocou ao mencionar "11.306,90", referindo-se à remuneração mensal recebida pelo assessor em seu cargo. Isso desencadeou um aumento nas hostilidades dirigidas a Andreza Matais por parte de apoiadores do governo.
A pressão decorrente desse episódio levou a editora-executiva a apagar seu perfil na plataforma do Twitter (X). Contudo, o desenrolar dos acontecimentos tomou um rumo ainda mais preocupante: foi revelado que a conta de Matais no site do governo foi invadida por hackers. Eles alteraram a senha de acesso da jornalista e, de forma ameaçadora, exigiram dinheiro para não divulgar informações relativas ao Imposto de Renda dela.
A advogada e comentarista Stefanny Papaiano comentou o caso em seu perfil:
— Steh Papaiano (@Steh_Papaiano) October 5, 2023
Ainda após essa situação, o assessor da Secom publicou o seguinte:
“É moçada. A extrema-direita e o Gabinete do Ódio estão aí vivíssimos, anabolizados com setores da grande imprensa brasileira. São irmãos siameses. Apenas com organização, diálogo e colaboração verídica essa rede de desinformação será desbaratada. Ou isso ou seremos engolidos.”
— George Marques (@GeorgMarques) October 4, 2023
O jornalista Paulo Cappelli, em um artigo publicado no Metrópoles, expressou sua opinião sobre o assunto, destacando que:
“O assessor da Presidência tem o direito, e até mesmo o dever funcional, de usar as redes sociais para contestar reportagens e esclarecer pontos que julgue pertinentes. Mas associar o veículo de imprensa à “extrema-direita” e ao “gabinete do ódio” para tentar desqualificá-lo parece, no mínimo, imprudência.”
Milei se manifestou
O candidato de direita, Javier Milei, recorreu ao seu perfil no Twitter (X) para expressar suas críticas em relação ao petista Lula. Em suas palavras, ele rotulou Lula como um "comunista furioso" e alegou que o ex-presidente brasileiro estava empenhado em obstruir sua candidata na Argentina.
Em uma mensagem veemente publicada em seu perfil no início de outubro (3), Milei afirmou: "A casta vermelha treme. Muitos comunistas furiosos e com ações diretas contra mim e meu espaço. A liberdade avança! Viva a liberdade, caralho!" Esse episódio reflete a intensidade da disputa política na Argentina e o tom acalorado que a campanha eleitoral pode assumir em algumas circunstâncias.
— Javier Milei (@JMilei) October 4, 2023
O que diz o governo
Em uma nota divulgada na quarta-feira (4), a Secom esclareceu que, ao contrário do que tem sido veiculado pela imprensa, o empréstimo concedido à Argentina não teve a intervenção direta do presidente Lula. O comunicado também enfatiza que não houve qualquer conversa entre Lula e a ministra Tebet sobre o empréstimo em questão.
Durante uma audiência realizada na Comissão Mista de Orçamento do Congresso no dia anterior, a ministra do Planejamento, Tebet, foi indagada a respeito do empréstimo destinado à Argentina. Ela declarou que não chegou a consultar diretamente o presidente Lula sobre esse assunto.
"Não é que eu não fui consultada, eu que não consultei o presidente Lula. O presidente Lula não me ligou, não entrou em contato comigo, porque é natural: eu sou governadora desse banco", respondeu a ministra.
Ela acrescentou: "Minha secretária, por minha determinação, foi autorizada a votar favoravelmente, como 20 de 21 países votaram favoravelmente", disse. "Esse banco que não é nosso, não tem dinheiro federal, e foi aprovado". A ministra também esclareceu que a Argentina já quitou o empréstimo concedido. Esse esclarecimento da Secom e os detalhes fornecidos pela ministra Tebet buscam esclarecer o papel do presidente e a natureza do empréstimo.
CAF
A Corporação Andina de Fomento, conhecida em espanhol como Corporación Andina de Fomento (CAF), autodenomina-se Banco de Desenvolvimento da América Latina desde 2010. Esta instituição multilateral internacional tem como objetivo principal impulsionar o desenvolvimento sustentável e a “integração regional” na América Latina.
A CAF alcança esses objetivos por meio do financiamento de projetos nos setores público e privado, além de fornecer cooperação técnica e outros serviços especializados. É uma organização que desempenha um papel crucial na promoção do desenvolvimento econômico e social na região latino-americana.
Vale mencionar que entre os países membros da CAF, mais da metade também são membros do Foro de São Paulo, uma organização política e de cooperação criada em 1990 por partidos e grupos de esquerda na América Latina e no Caribe. Essa conexão pode ter implicações políticas na missão e nas atividades da CAF.
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