SUPREMO

STF libera juízes e ministros para julgar clientes de escritórios de cônjuges ou parentes

Rhuan C. Soletti · 21 de Agosto de 2023 às 17:34 ·

O STF determinou que é inconstitucional o artigo 144, inciso 8, do Código de Processo Civil (CPC), que determinava o impedimento do juiz nos processos em que a parte for cliente de escritório de advocacia de marido ou mulher, companheiro ou parente consanguíneo

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, por 7 votos a 4, regra que impedia juizes de julgarem processos de partes que sejam clientes de escritórios de parentes e cônjuges dos magistrados. A ação foi ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e foi julgada em sessão virtual encerrada às 23h59 de segunda-feira (21). 

O STF determinou que é inconstitucional o artigo 144, inciso 8, do Código de Processo Civil (CPC), que determinava o impedimento do juiz nos processos em que a parte for cliente de escritório de advocacia de marido ou mulher, companheiro ou parente consanguíneo, em linha reta ou colateral, até o 3º grau.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), autora da ação que levou a essa análise, alega que o juiz muitas vezes não tem condições de verificar se uma das partes possui vínculo contratual com o escritório de um parente, especialmente quando outro grupo de advogados está atuando na defesa da parte.

O entendimento da Corte

O ministro Edson Fachin, relator da ação, votou contra, mas foi vencido. O voto dele foi acompanhado pela presidente do STF, Rosa Weber, e pelos ministros Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia. 

"É justa e razoável a presunção legalmente estabelecida de ganho, econômico ou não, nas causas em que o cliente do escritório de advocacia de parente do magistrado atue", argumentou Fachin em seu voto.

Barroso enfatizou que a manutenção dessa regra é fundamental para garantir uma "administração da justiça íntegra, imparcial e independente" por parte dos juízes e advogados. No entanto, ele ressaltou que, em recursos que envolvem questões constitucionais com impacto amplo sobre diversas pessoas, não apenas as partes diretas, o juiz poderia julgar esses casos, mesmo que seus parentes atuem como advogados. Esse tipo de processo engloba algumas das deliberações mais cruciais realizadas pelo STF.

Na visão de Barroso, o juiz não estaria autorizado a julgar um caso específico envolvendo a parte que é representada pelo escritório do parente, mas ele teria a capacidade de estabelecer uma tese que teria aplicação universal para casos semelhantes.

O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, abriu uma divergência e foi acompanhado pela maior parte da Corte: Luiz Fux, Kassio Nunes Marques, André Mendonça, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin.

Ele argumentou que o artigo questionado era "excessivamente abrangente" e que já está previsto em lei que juízes, membros do Ministério Público e ministros fiquem impedidos de atuar em casos nos quais seus cônjuges e parentes sejam advogados. 

O fato é que a lei simplesmente previu a causa de impedimento, sem dar ao juiz o poder ou os meios para pesquisar a carteira de clientes do escritório de seu familiar”, assinalou Mendes. Segundo o ministro, essa previsão viola os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Os processos da esposa de Zanin

A advogada Valeska Martins, esposa de Zanin, atua em 14 ações no STF, onde ambos atuaram como sócios no mesmo escritório e apresentaram esses processos nos últimos anos. A dúvida é se, agora, Zanin poderá julgar esses processos, caso ele mesmo não se declare impedido.

Recentemente, Zanin optou por se afastar das ações no STF que haviam sido iniciadas por ele e sua esposa, logo após sua confirmação como ministro pela aprovação no Senado. Nesse contexto, Zanin formalmente comunicou sua renúncia aos poderes concedidos nos processos, mantendo outros advogados do antigo escritório para representar os interesses dos clientes. 

Dentre os casos em questão, estão processos envolvendo o presidente empossado Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de figuras políticas e empresários que enfrentaram ou ainda enfrentam acusações de corrupção. Notavelmente, Valeska permanece como a defensora legal de Paulo Dantas, ex-governador de Alagoas, que foi temporariamente afastado do cargo por suspeitas de desvio de verbas da Assembleia Legislativa, durante seu mandato como deputado.


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Zanin ganhou destaque como advogado ao anular condenações de Lula no STF, abrindo um precedente para outros réus arquivarem casos similares. Sua esposa também teve participação nesses processos criminais, e embora possa continuar trabalhando em novos casos, a partir de agora o fará sem a associação direta com seu marido.

Os 14 processos de Zanin

Confira abaixo a lista de processos de Valeska em andamento no STF – em todos eles, Zanin não poderá decidir, uma vez que também assinou as peças iniciais.

1 – Zanin x Rudolfo Lago

O ministro Cristiano Zanin acusa o jornalista Rudolfo Lago de injúria e difamação por um artigo publicado na revista Isto É. Valeska representa Zanin após sua saída do caso.

2 – Fabio Luís Lula da Silva x Editora Abril S.A.

Valeska também representa Fabio Luís, filho de Lula, em uma ação contra a revista Veja. O processo envolve acusações de difamação.

3 – Deltan Dallagnol x Lula

A advogada assume a defesa de Lula em um caso onde o ex-procurador Deltan Dallagnol foi condenado a indenizar o petista por acusações feitas na Lava Jato.

4 – Bolsonaro x Federação Brasil da Esperança

Valeska representa a coligação de Lula em um processo em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) recorre de uma multa aplicada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

5 – Lula x Merval Pereira

Valeska representa Lula em uma ação contra o jornal O Globo e o jornalista Merval Pereira por danos morais relacionados a artigos sobre o petista.

6 – Lula x Globo

A advogada atua em nome de Lula em um processo em que o comunista busca um direito de resposta no programa Fantástico, da TV Globo.

7 – Paulo Dantas x STJ

Valeska assume a defesa do governador de Alagoas, Paulo Dantas, em um processo que busca anular uma investigação sobre desvio de verbas.

8 – Jose Eliton x Delegacia de Repressão a Corrupção

A advogada representa o ex-vice-governador de Goiás, José Eliton, em uma ação para anular provas de uma investigação.

9 – Rede/PT x Bolsonaro: indulto a Daniel Silveira

Valeska continua a atuar em nome do PT no processo em que o STF anulou o decreto de Bolsonaro que perdoava a pena do ex-deputado Daniel Silveira.

10 – Antonio de Lucca Junior x Estado de São Paulo

A advogada defende uma família que busca indenização do estado de São Paulo por desapropriação.

11 – Luiz Carlos Casante x STJ

Valeska atua em defesa de um economista condenado na Lava Jato por lavagem de dinheiro.

12 – Lula x 13ª Vara Federal de Curitiba

Valeska e Zanin atuam em uma ação que contesta a validade de provas envolvendo a Odebrecht.

13 –Lula x STJ

Valeska figura como advogada em uma ação que aponta parcialidade de Sergio Moro nos processos contra Lula.

14 – Lula x CNMP

A advogada representa Lula em uma ação contra o Conselho Nacional do Ministério Público.


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