BRASIL

Executivo sugeriu encontro entre Felipe Neto e chefe de segurança para discutir políticas de moderação no Twitter

Luís Batistela · 11 de Abril de 2024 às 11:31 ·

Funcionários do Twitter cogitaram um encontro com Felipe Neto, mas o influenciador não é completamente confiável, disseram. 

A Gazeta do Povo, em parceria com os jornalistas Michael Shellenberger e David Ágape, revelou nesta quarta-feira (10) que o influenciador Felipe Neto tinha acesso às informações restritas do Twitter. De acordo com a reportagem, sua imagem era significativa a ponto de um funcionário sênior da plataforma propor um encontro entre Neto e o então chefe de segurança da rede social, Yoel Roth, para discutir o envolvimento do influenciador no contexto das sanções aplicadas ao jornalista Allan dos Santos. Neto ganhou visibilidade no começo da década de 2010, quando utilizava o YouTube para produzir conteúdos de humor, entretenimento e críticas a filmes, músicas e séries. Na ocasião, o influenciador também ficou conhecido por rechaçar Lula e o Partido dos Trabalhadores.

O influenciador Felipe Neto Rodrigues Vieira alinhou-se ao governo Lula após sofrer uma metamorfose ideológica. Em fevereiro de 2023, Lula o convidou para integrar o grupo de trabalho do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, popularmente denominado “Ministério da Verdade”, pautado no “combate ao discurso de ódio e ao extremismo”, visando a regulamentação das redes sociais. Neto ainda é fundador do Instituto Vero, parceiro do Programa de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também patrocinador oficial de eventos realizados pela referida Corte.

Pouco mais de um ano antes do empresário Elon Musk concluir a aquisição do Twitter (atual X), o então chefe de políticas públicas da rede social, Fernando Gallo, em junho de 2021, solicitou que Yoel Roth investigasse pessoalmente, e de forma “holística”, a conta do jornalista Allan dos Santos. Para Gallo, o jornalista “tem sido muito problemático para nós no Brasil”, pois “insiste em postar coisas muito controversas sobre a Covid e outros conteúdos abusivos”. Gallo almejava que Roth banisse permanentemente a conta de Santos.

O então chefe de políticas públicas também queria que Roth mudasse seu posicionamento de manter um tweet em que Allan “especulava a respeito do estado de saúde de alguém, fazendo uma conexão entre uma vacina e problemas de saúde, portando criando dúvidas a respeito da segurança da vacina”. No entanto, Roth manteve a publicação no ar. Isso irritou severamente Felipe Neto, que na época defendia os lockdowns e outras medidas sanitárias impostas pelas entidades médicas. Na mesma solicitação enviada a Roth, Gallo ainda destacava que o influenciador “tem sido um antagonista e oponente do atual governo [Bolsonaro]” e “um forte crítico do Twitter pelo que ele considera leniência da nossa parte em aplicar regras sobre Covid”.

Neto desejava que o Twitter adotasse uma abordagem mais rigorosa em relação ao tema. Percebendo os anseios do influenciador, Gallo informou que ele estava “ficando cada vez mais barulhento, ao ponto de começar a tuitar a respeito de conversas dele conosco”. De acordo com a Gazeta, esta afirmativa sugere que Neto teria acesso privilegiado à plataforma e que haveria riscos iminentes de que suas reuniões com Gallo fossem expostas. Adiante, Gallo sugeriu que Roth se encontrasse com o influenciador: “embora haja alguns riscos, nós e a equipe de comunicações queríamos ver se você estaria aberto a uma conversa em off com ele, para que ele sinta que foi ouvido” e “tomara, que as tensões se atenuem um pouco”.

Enviando uma cópia para a diretora jurídica Vijaya Gadde, Roth respondeu da seguinte forma: “A resposta fácil primeiro: ficaria contente em conversar com o Felipe Neto. Vamos seguir em um fio [de mensagens] separado a respeito da logística disso, mas se você me disser que esta é uma conversa de alto valor para eu participar, faço com prazer”, respondeu, adicionando um símbolo de ‘sorriso’. O caso estava uma “bagunça”, alegou o então chefe de segurança da rede social, pois o grupo de moderação de conteúdo havia se equivocado ao contar o número de violações de Allan na plataforma.

De acordo com Roth, o tweet em questão – publicado por Santos e que causou irritações em Felipe Neto – referia-se ao jogador dinamarquês Christian Eriksen, que sofreu uma parada cardíaca durante uma partida de futebol em 12 de junho de 2021. “Por um lado, as nossas políticas não cobrem a especulação a respeito do estado de saúde de indivíduos ou efeitos colaterais individuais em potencial da vacinação”, por outro lado, Eriksen “não foi vacinado, então o tweet é enganoso a respeito de se há uma possibilidade de que a vacinação poderia ter contribuído para o problema”, argumento Roth.

Roth ainda explicou que a publicação do jornalista caiu numa “área cinzenta”, pois “o autor especula a respeito de coágulos sanguíneos e a miocardite (ambas narrativas associadas às vacinas da Covid), mas nota explicitamente que não há uma conexão direta à vacina. Não atende ao critério estrito que temos para a incitação ao medo com base em uma alegação falsa explícita”. Na ocasião, Roth determinou a suspensão e a aplicação de um rótulo à conta de Allan, bem como a análise de sua publicação. Ele também destacou que a vitória judicial temporária obtida por Allan na época poderia entrar em conflito com a decisão tomada pelo Twitter.

“Eu me preocupo que a desordem inerente desse problema poderia tornar um desafio explicar a base de uma ação de suspensão, se o fizéssemos agora”, disse.

Logo após este episódio, os consultores jurídicos sêniores Rafael Batista e Diego de Lima Gualda emitiram um parecer sobre o encontro com o influenciador e o caso envolvendo Allan dos Santos. Para os especialistas, o sistema de contagem de violações deveria “seguir seu curso, especialmente porque temos preocupações no Brasil no que toca o litígio questionando suspensões de contas, dado o foco amigável aos consumidores das cortes locais”. A fala, segundo a Gazeta, refere-se aos tribunais de instância inferior, que imporiam “o ônus de apresentar em juízo cópias de conteúdo infringente”, beneficiando os reclamantes e não a plataforma.

Os consultores acusaram Allan de manipular o sistema do Twitter para o compartilhamento de desinformação, “mas em um contexto no qual, por alguma razão, falhamos em aplicar de forma estrita as políticas relevantes de maneira apropriada”. “[O jornalista] inclui em seus tweets mais controversos frases com um ar de especulação, quando de fato são divulgadas de propósito para enganar”, afirmaram. Batista e Gualda entenderam que a plataforma poderia “tirar vantagem” das decisões do STF pela suspensão global de uma das contas de Allan, aproveitando dos “materiais midiáticos” que sustentavam seu suposto “perfil de teórico da conspiração”.

De acordo com o veículo, os especialistas ainda fizeram menção indireta em tirar proveito da CPI da Covid contra Santos, desconfiando de que ele fora aos Estados Unidos por “turismo e difamação” (libel tourism), isto é, para escapar das normativas do governo brasileiro. Os jornalistas relatam que uma advogada do Twitter, mantida em anonimato, revelou que a rede social conseguiu tirar vantagem das decisões da Suprema Corte em momentos posteriores. A advogada informou que o ministro Alexandre de Moraes ordenou a suspensão de seis contas de Allan, assim como a coleta de dados associados a elas.

Segundo a advogada, o magistrado ainda solicitou o monitoramento para que Allan não criasse novas contas. “Vamos informar que, se identificarmos quaisquer novas contas relacionadas, vamos denunciá-las para o Supremo Tribunal Federal”, respondeu a Moraes. Apesar de Elon Musk ter prometido reverter as ordens do ministro, as contas do jornalista permanecem suspensas no Brasil.

Batista e Gualda recomendaram que Roth não se encontrasse com Felipe Neto, pois apresentaria “riscos adicionais na nossa estratégia”, considerando que o influenciador “é alguém em quem não podemos confiar completamente para manter uma conversa off”. Caso o encontro fosse realizado, disseram os consultores, criaria “uma oportunidade para qualquer narrativa que alegue que o Twitter é enviesado por abrir um canal específico de comunicação com Felipe Neto que não está aberto ‘para o outro lado’, que o Twitter não está seguindo seus próprios procedimentos/políticas de maneira consistente”. Os arquivos do Twitter não revelam se o encontro foi realizado.

“Então, na nossa opinião, os riscos de ter essa conversa com ele [Neto] ultrapassam os benefícios em potencial”, concluíram.

Gallo deixou o Twitter e assumiu o cargo de diretor de políticas públicas do TikTok. Em fevereiro de 2022, o blog da plataforma publicou um artigo anunciando uma parceria com TSE “para combater a desinformação”. Entre os dias 8 e 15 de janeiro de 2023, no contexto das invasões aos edifícios dos Três Poderes, a plataforma removeu mais de 10 mil “conteúdos golpistas”, noticiou a Reuters. Administrado pela empresa chinesa ByteDance, o TikTok vem sofrendo um escrutínio dos parlamentares americanos. Os conservadores esperam que a plataforma saia das ‘mãos’ da ditadura comunista da China.

A resposta de Allan dos Santos

Procurado pela Gazeta, Allan diz ser “o único jornalista brasileiro que Trump retuitou. Não duvido que essa perseguição tenha aumentado após isso”. A respeito das sanções experimentadas na plataforma, o jornalista explicou que sabe “bem quando uso um discurso retórico, dialético, apodíctico ou apenas faço uma piada. Não me arrependo do que digo, pois sei bem como usar a linguagem, mesmo ciente de que os jornalistas hoje em dia não sabem diferenciar qualquer dos quatro discursos humanos. Não há com o que me arrepender”.

 


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