O FUTURO DA AMÉRICA

Estados Unidos: Quando a Corte é mesmo Suprema

Braulia Ribeiro · 3 de Julho de 2024 às 18:34 ·

Com suas últimas decisões, Suprema Corte nos dá boas razões para acreditar que a América sairá do pântano em que se encontram

Existem, é claro, grandes diferenças entre a Suprema Corte dos Estados Unidos e a do Brasil. Eu já escrevi um artigo delineando alguns desses contrastes. O maior deles é o fato de que a corte americana não é ideológica. Alguns comentaristas a caracterizam erroneamente dessa forma, dizendo que são quatro juízes à esquerda e cinco à direita. Apesar de Sonia Sotomayor, a latina, Ketanji Brown Jackson, a novata negra, e Elena Kagan, ex-funcionária de Clinton, terem um histórico extremamente ideológico, em alguns pareceres recentes mesmo elas demonstram que também podem votar a favor do senso comum, protegendo a integridade do sistema judiciário e da república americana. Os juízes dos quais se espera decisões que favoreçam o ponto de vista da direita, três deles indicados durante o mandato de Trump, têm sido consistentes em surpreender. Isso ocorre porque, como constitucionalistas que são, acreditam que seu trabalho é observar detalhadamente o que a constituição pretende, e não votar de acordo com suas opiniões e ideologias pessoais. O legendário Antonin Scalia dizia: “O juiz que sempre gosta de seus pareceres é um juiz ruim”.

Por essas e outras razões, a SCOTUS garante que o progressismo desenfreado de algumas cortes inferiores não transforme rapidamente a estrutura judicial e burocrática americana. Graças a essa corte, podemos ter esperança de que a América se mantenha livre, valorizando a livre iniciativa e a independência por algum tempo. Três decisões, duas divulgadas na sexta-feira e uma na segunda, foram boas notícias para os conservadores que amam essa América livre.

 

Doutrina Chevron

Nessa decisão, a SCOTUS desferiu mais um golpe contra o estado burocrático que assume atribuições que constitucionalmente seriam das cortes ou das assembleias legislativas. Um exemplo do abuso do poder das agências de estado foi o mandato de obrigatoriedade da vacinação anti-covid emitido pela OSHA (Occupational Safety and Health Administration) em 2021. Na época, já pós-pandemia, os burocratas da OSHA se arrogaram a emitir uma ordem nacional obrigando empregados do país inteiro, mesmo em estados livres, à vacinação forçada. A decisão de sexta-feira acaba de vez com essa prerrogativa das agências federais.

A origem do amplo escopo regulativo dado às empresas vem de uma deferência legislativa chamada Doutrina Chevron, que esteve em vigor durante os últimos 40 anos. A doutrina delegava poderes legislativos para agências administrativas sobre questões que não eram explícitas na lei. Quando a lei silenciava ou era ambígua em relação a questões específicas, as agências legislavam sob a permissibilidade da Doutrina Chevron. Quando o problema da ambiguidade era levado à corte, esta podia deferir a interpretação para a agência, permitindo por implicação que a agência legislasse.

A SCOTUS derrubou a Doutrina Chevron no caso Loper Bright Enterprises v. Raimondo, afirmando: “O Ato de Procedimento Administrativo exige que os tribunais exerçam seu julgamento independentemente da agência, e os tribunais não podem deferir à interpretação da lei feita pela agência simplesmente porque um estatuto é ambíguo”.

Parece pouca coisa, mas não é. Muitos red tapes ou impedimentos regulatórios colocados em operação pelas agências, principalmente as controladas pelos xiitas do clima, cairão. A decisão vai soltar amarras na economia de maneira significativa. Foi uma vitória para o estado de direito e uma derrota para o deep state.

 

Caso Fischer

Esse caso também é uma vitória significativa para o estado de direito. Diz respeito às perseguições criminais dos participantes da pseudoinsurreição do 6 de Janeiro (qualquer semelhança com nosso 8 de Janeiro não é coincidência).

O parecer de sexta-feira anulou as acusações contra um ex-policial da Pensilvânia que entrou no Capitólio no dia 6. Por uma votação de seis a três, os juízes decidiram que a lei que Joseph Fischer foi acusado de violar, que proíbe a obstrução de um procedimento oficial, se aplica apenas à adulteração de provas concretas, como destruição de registros ou documentos, em procedimentos oficiais. A lei originalmente foi criada para impedir criminosos de colarinho branco de queimarem documentos ou picá-los antes de sua apreensão oficial. Mas, no caso do 6 de Janeiro, foi usada para condenar os invasores do Capitólio. Os promotores federais usaram o caso Fischer para prender e perseguir criminalmente mais de 300 pessoas, simplesmente porque precisavam de um ângulo legal para perseguir os “trumpistas fanáticos”. Entrar no Capitólio e tirar selfies não é crime. Portanto, que crime os MAGA loucos cometeram? Segundo os promotores federais de Washington DC, foi o crime de “obstruir um procedimento oficial” — o rito final que oficializaria a eleição de Biden. Com essa decisão, mais de 300 réus, que não fizeram absolutamente nada, não depredaram nada, não violaram nenhuma barricada oficial, porque elas não existiam, ficarão livres do inferno jurídico que enfrentam nos últimos três anos e meio. A mesma lei também está no centro de duas das quatro acusações feitas pelo Conselheiro Especial Jack Smith contra o ex-presidente Donald Trump em Washington, e provavelmente vai livrá-lo de algumas das citações oficiais.

 

Caso Trump

Finalmente, chegamos ao caso que foi decidido nesta segunda-feira, e novamente eu tenho que pedir ao leitor do BSM que não perca seu tempo lendo o site Metrópolis ou ouvindo a Globo sobre o caso. Eles não vão te informar corretamente. A decisão não teve nada de radical ou antidemocrático, e ela não dá, como a mídia está divulgando, imunidade total ao presidente. Pelo contrário, ela só torna explícito o entendimento que durante mais de 200 anos assegurou que nenhum presidente americano fosse levado a julgamento após o seu mandato. Ela afirma que o presidente tem imunidade nas decisões que toma em seus atos considerados oficiais, e que não teria o mesmo privilégio para os atos não-oficiais. Por exemplo, quando John Kennedy deflorava moçoilas virgens dentro da Casa Branca, o fazia na condição de Kennedy, o cafajeste, e não na condição de presidente. Se ele vivesse hoje e o crime não tivesse caducado, poderia ser julgado pelo crime que o cafajeste cometeu. O mesmo para Bill Clinton. Mas quando Obama mandou um drone para eliminar um cidadão americano que estava envolvido nos atos terroristas do ISIS, o fez na condição de presidente. Está imune, portanto. Ninguém, por mais pacifista que seja, pode depois querer reavaliar a ação e processar Obama criminalmente pelo que fez. Sem essa imunidade, se tornaria quase impossível governar um país como os EUA.

O que a decisão significa para Trump? Na prática, a decisão devolve o caso de Trump para a corte de DC e pede que a corte faça o trabalho de separar, entre as várias acusações enumeradas contra o ex-presidente, as que são pertinentes à sua função presidencial e as que dizem respeito a seus interesses pessoais. Mesmo que a decisão não o isente completamente, algumas das acusações certamente cairão, mas não todas; ela vai atrasar significativamente o tropel da carruagem legal que queria conduzir o homem laranja ao cadafalso antes das eleições de novembro.

Acontece que, após a divulgação do parecer da maioria, escrita pelo moderado juiz Roberts, a radicalíssima juíza Sotomayor escreveu uma opinião dissidente onde acusa o presidente Trump de treason (traição), ato que pela constituição americana deve ser punido com a morte, e a própria corte de antidemocrática. Sotomayor não é a mais brilhante dos juízes da SCOTUS; alguns comentaristas brincam que ela tem um QI de dois dígitos e que, sem dúvida, veste em cima do robe a camisa da ala radical do partido democrata. Normalmente, sua dissidência, populada por inverdades e acusações, não teria tido dois minutos de repercussão, só que ela chegou em um momento estratégico para a campanha de Biden. Após o debate da última quinta-feira — leia minha análise aqui — a campanha que luta para reeleger o velho senil está em total reboliço. Todos sabem que remover Biden não será possível sem o seu consentimento pessoal, e parece que a ficha do velhinho ainda não caiu. Durante o final de semana, em reunião com a família, mesmo diante do fracasso, ele reiterou sua intenção de se candidatar. O Partido Democrata continua fazendo todo tipo de pressão possível, principalmente através da mídia, mas não tem muitos recursos de manobra, porque, apesar de ser um candidato não oficial, já que a aclamação oficial só acontece na convenção do partido em agosto, Biden já vinha garantindo a confirmação da maioria dos superdelegados. Em outras palavras, por ter um mecanismo de escolha de candidatos bem antidemocrático — de cima para baixo, que permite a quem está no poder amealhar compromissos de apoio fora da convenção do partido — o Partido Democrata (extrema ironia) cometeu um haraquiri. Além disso, as centenas de milhões de dólares que a chapa Biden-Harris arrecadou não são transferíveis ao próximo candidato. Biden só é mais palatável que Kamala Harris, que consegue ser mais impopular do que ele.


A reação de Biden

Diante do caos da campanha e dos ataques do partido, resta a Biden inventar mentiras que pintam o candidato republicano como “uma ameaça à democracia”. Biden foi à TV na segunda-feira, após a decisão da SCOTUS ser publicada, e baseando-se inteiramente na opinião dissidente da juíza Sotomayor, fez um discurso raivoso, chamando Trump de traidor da nação. Assumindo abertamente que as cortes estão trabalhando para impedir o candidato republicano de concorrer, coisa que antes Biden tinha o cuidado de não dizer, porque isso o incrimina diretamente, ele afirma que a decisão imunizaria seu concorrente “tirano” de todos os crimes. A única saída para a América, segundo ele, é eleger a ele, o velhinho bonzinho e “democrático”. que não assusta nem ameaça ninguém. Quem não te conhece que te compre.

Está aí, meus amigos, mais uma razão para continuar tendo fé de que a América vai conseguir sair do pântano em que se encontra.

 


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