DIÁRIO DE UM CRONISTA

Reflexões sobre o 25 de fevereiro

Paulo Briguet · 26 de Fevereiro de 2024 às 17:27 ·

Uma conversa sobre as possíveis consequências da primeira manifestação contra a ditadura brasileira

No final dos anos 70, a esquerda brasileira iniciou a campanha pela anistia, cujo slogan eu me lembro de ver em outdoors e adesivos de carros:

ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA

Com esse mote, a oposição à ditadura militar conseguiu trazer de volta todos os líderes políticos exilados — entre eles Leonel Brizola, Miguel Arraes, Fernando Gabeira, Luís Carlos Prestes e vários outros.  A anistia beneficiou até mesmo os que pegaram em armas, lançaram bombas, sequestraram, assaltaram e mataram — ainda que, com raríssimas exceções, os militantes de esquerda jamais tenham admitido o cometimento de crimes.

A anistia que Jair Bolsonaro pediu ontem na Avenida Paulista refere-se aos presos de 8 de janeiro. Brasileiros e brasileiros comuns, desarmados e desorganizados, que estavam na hora errada e no lugar errado durante uma baderna na Praça dos Três Poderes. Os únicos crimes que realmente foram cometidos ali foram de vandalismo. Por ser um domingo, nem mesmo a vida dos funcionários públicos foi colocada em risco. Não havia a mínima condição para a tomada do poder. Eram, nas palavras do ex-ministro Arthur Virgilio, pessoas que estavam ali “desabafando” — expressando sua revolta pelo resultado de um processo eleitoral altamente questionável.

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Nada do que foi aconteceu no dia 8 de janeiro tem qualquer relação com a tal “minuta do golpe” — um documento não assinado e jamais colocado em prática que tão somente fazia suposições sobre a aplicabilidade de um artigo da Constituição Federal. Não havia nenhum plano secreto ali; prender alguém por “cogitar” um ato dessa natureza equivale a retroceder à jurisprudência da Alemanha nacional-socialista nos anos 30. Voltamos à noção jurídica defendida e aplicada pelo juiz alemão Roland Freisler, secretário de Estado do Ministério da Justiça de Hitler. Em vários artigos artigos, Freisler defendeu “um direito penal baseado na vontade, segundo o qual não é o ato que é digno de punição, mas sim a vontade de cometer um ato”.

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Conversei com Arthur Virgílio, que esteve presente na manifestação deste domingo, e ele me disse que o ato na Paulista lhe fez lembrar os comícios da campanha das Diretas Já, há exatos 40 anos.

“Os comícios das diretas já começaram com 500 mil pessoas no Anhangabaú, convocadas pelo então governador Franco Montoro. Depois houve um comício no Rio de Janeiro, chamado por Leonel Brizola, com 1 milhão de pessoas. O movimento se espalhou por outras cidades e ganhou o Brasil. A emenda das diretas não foi aprovada, mas fortaleceu a campanha para a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.”

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“Esses que estão no governo hoje se esquecem de que são poderosos interinos”, diz o ex-ministro do governo FHC. “Esse poder não vai durar a vida inteira. A interinidade do poderoso um dia chega ao fim, e aí ele costuma pagar pelos erros que cometeu.”

Para Virgílio, o que aconteceu neste domingo foi uma advertência aos poderosos interinos do Brasil. “É possível que o Moraes queira prender Bolsonaro. E possível que ele o faça. Mas uma coisa é prender alguém que não tem ninguém na sua retaguarda; outra bem diferente é prender um líder que mobiliza multidões com o seu chamado. Hoje os poderosos interinos têm duas hipóteses: ou aumentar a repressão ou fazer um recuo. Creio que a primeira seria muito ruim para o governo.”


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Uma coisa é certa. Todas as atrocidades que o regime vier a cometer serão seguidas pela sombra do que aconteceu no dia 25 de janeiro de 2024.

Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM.

 


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