DIÁRIO DE UM CRONISTA

O dia em que Filipe ganhou a liberdade

Paulo Briguet · 12 de Julho de 2024 às 16:34 ·

Um final feliz imaginário para um caso que parece saído da Stasi, da Securitate, da Gestapo e da KGB

“A verdade não é apenas uma virtude entre outras, mas a virtude fundamental que dá sentido a todas as outras.”
(Louis Lavelle, filósofo francês)

“Quando a verdade é substituída pelo silêncio, o silêncio é uma mentira.”
(Yevgeny Yevtushenko, poeta russo)


Um dos fatos mais perturbadores das sociedades modernas é que os indivíduos são acompanhados pelo Estado em praticamente todos os seus passos. Deixamos marcas de nossa presença nos mais variados lugares, por meio de cartões, celulares, câmeras de segurança e transações comerciais. O governo é o Grande Irmão: ele sempre pode descobrir onde você está, com a maior facilidade.

A partir de 30 de dezembro de 2022, no entanto, o cidadão Filipe Garcia Martins Pereira inexplicavelmente deixou de ser acompanhado pelo governo. O que poderia ter sido apenas uma falha na Matrix — um bug no sistema de vigilância estatal — ganharia outros contornos em 8 de fevereiro de 2024.

Filipe G. Martins foi preso na manhã daquela quinta-feira em Ponta Grossa, cidade em que vivia desde que encerrou suas atividades no governo Bolsonaro. A acusação era duplamente absurda: fuga do país para escapar da lei penal. Duplamente porque 1) Filipe estava morando no endereço que ele mesmo fornecera ao governo; e 2) Filipe nunca havia feito a viagem que estava sendo acusado de fazer.

Ex-assessor para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins foi preso injustamente, vítima de uma narrativa construída com base em fatos distorcidos e provas ignoradas. Há cinco meses, o responsável por sua prisão recusa-se a admitir que não há mais motivos para mantê-lo recluso no Complexo Médico Penal de Pinhais.

Filipe nunca imaginou que sua vida dedicada às atividades intelectuais e ao serviço público o colocaria em tal situação. No dia 30 de dezembro de 2022, quando a Polícia Federal alegava que ele havia embarcado no avião presidencial rumo a Orlando, Filipe estava em Brasília, preparando-se para passar o réveillon com a família da esposa no Paraná. As provas são abundantes: passagens de avião, registros de bagagem despachada, recibos de viagens de Uber e, mais recentemente, dados de geolocalização fornecidos pela operadora de celulares Tim. No entanto, todas essas evidências foram negligenciadas por aqueles que o encarceraram. O Grande Irmão se negou a reconhecê-las. Um pedido de habeas corpus de 144 páginas foi rejeitado por um ministro que nem sequer se deu ao trabalho de lê-lo!

Mesmo diante dos ouvidos moucos da Suprema Corte, os advogados de Filipe incansavelmente lutam pela sua liberdade. A cada nova prova juntada aos autos, a narrativa que ensejou sua prisão se revela um delírio policialesco, comparável aos mais sombrios episódios da Stasi, da Securitate, da Gestapo e da KGB.

No dia 5 de junho de 2024, a defesa apresentou novos documentos. Entre eles, os comprovantes de viagens de Uber, que mostravam Filipe circulando por Brasília enquanto o avião presidencial sobrevoava o Caribe. Naquela tarde, Filipe tinha ido comer um hambúrguer, alheio às acusações que se desenrolariam nos meses seguintes. A prova era clara, mas a justiça parecia ter fechado os olhos para ela.

Mais provas foram juntadas aos autos. O Formulário I-94, documento fornecido pelas autoridades americanas, comprovava que a última entrada de Filipe nos Estados Unidos havia sido em setembro de 2022. O agravo regimental foi protocolado, e mesmo diante da admissão pela relatoria de que Filipe não havia viajado em dezembro, a prisão preventiva foi mantida. Era como se a verdade não tivesse peso no tribunal.

A cada novo dado de geolocalização que surgia, a inocência de Filipe se tornava mais evidente. A TIM, operadora de telefonia celular, forneceu registros detalhados que confirmavam a permanência de Filipe em Brasília nos dias 30 e 31 de dezembro de 2022. Nos dias seguintes, ele estava em Ponta Grossa, onde fixara residência. A defesa estava diante de uma coleção de provas que desmantelavam a acusação de fuga, mas a prisão continuava.

Na mente de Filipe, os dias de prisão se arrastavam em um turbilhão de pensamentos e emoções. A injustiça doía em seu peito, mas ele se recusava a perder a esperança. Citando um dos livros que leu na prisão — o diálogo “Górgias”, de Platão —, Filipe escreveu em um bilhete aos advogados: “Prefiro sofrer uma injustiça a cometer uma injustiça”.  Sabia que a verdade estava ao seu lado e que, eventualmente, a justiça prevaleceria. O apoio da família, dos amigos e dos colegas de trabalho era seu alicerce, sua força para continuar lutando.

Neste ponto, o autor desta crônica se permite um exercício de imaginação.

Certo dia, a notícia que todos esperavam chegou. Filipe seria libertado. A decisão judicial reconheceu a falha nas investigações e a injustiça cometida. A prisão preventiva foi revogada, e Filipe pôde, finalmente, respirar o ar da liberdade.

Ao deixar o Complexo Médico Penal de Pinhais, Filipe sentiu o calor do sol em seu rosto, um sinal de renascimento. Abraçou sua família, agradeceu aos seus advogados e prometeu lutar para que nenhuma outra pessoa passasse pelo que ele passou. Sua história tornou-se um símbolo de resistência e esperança, um lembrete de que a verdade sempre encontra um caminho para prevalecer.

Filipe Garcia Martins Pereira retomou sua vida, marcado pela experiência, mas fortalecido pela certeza de que a justiça, ainda que tardia, pode ser alcançada.

Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM.

 


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