DIÁRIO DE UM CRONISTA

A alma de Londrina: 95 anos da primeira caravana

Paulo Briguet · 21 de Agosto de 2024 às 08:25 ·

Em 21 de agosto de 1929, um grupo de homens iniciava a jornada épica da colonização de Londrina e do Norte do Paraná

Há alguns anos levei o Pedro, ainda pequeno, para conhecer o Museu Histórico de Londrina. A certa altura, ele perguntou:

Papai, de quem são essas botas?

Expliquei a ele que as botas pretas de cano alto pertenceram ao pioneiro George Craig Smith (1909-1992). Brasileiro descendente de escoceses e funcionário da Companhia de Terras Norte do Paraná, George tinha apenas 20 anos quando liderou aquela que passou à história como a primeira caravana de Londrina. Isso aconteceu na tarde de 21 de agosto de 1929. Na simbologia clássica, os pés representam a alma. Assim, as botas de Georg Craig Smith representam todo o caminho percorrido para constituir a identidade de Londrina.

As cidades nascem muitas vezes. Londrina nasceu oficialmente no dia 10 de dezembro de 1934, quando foi elevada à condição de município; nasceu espiritualmente em 11 de março de 1934, quando foi celebrada a primeira missa na cidade; nasceu culturalmente em 3 de março de 1936, quando foi fundado o Colégio Mãe de Deus; nasceu politicamente no dia 5 de junho de 1937, quando foi fundada a Associação Comercial; nasceu heroicamente na noite de 17 de julho de 1975, quando sobreviveu à geada negra. Mas, se fosse preciso escolher uma certidão de nascimento para Londrina, este cronista de sete leitores não hesitaria em escolher aquela tardezinha de quarta-feira, quando George e mais dez homens abriram uma pequena clareira na mata e iniciaram a história da nossa cidade.

Portanto, meus amigos, hoje Londrina está fazendo 95 anos.

O homem que estabeleceu o Marco Zero de Londrina onde se colocou a primeira estaca da cidade foi um russo exilado pelos comunistas, o engenheiro-agrimensor Aleksandr Razgulaeff. Ele é descrito pelos colegas como um homem plenamente adaptado ao ambiente do Sertão. “Razgulaeff compreendia tão bem os nossos caboclos que parecia um autêntico brasileiro, relata o cozinheiro do grupo, Erwin Fröhlich. Também faziam parte do grupo o empreiteiro português Alberto Loureiro descrito por Fröhlich como um “marimbondo de braveza” , seu sócio Joaquim B. Barbosa, o agrimensor auxiliar Spartaco Bambi, filho de italianos, o auxiliar de serviços gerais Geraldo Pereira Maia e mais alguns heróis anônimos de nossa história.

A primeira caravana partiu de Ourinhos no dia 20 de agosto, utilizando um caminhão Ford até Jataizinho. A partir de lá, foram 22 quilômetros no lombo de burros e mulas, passando pelo Picadão Três Bocas, e incluindo uma travessia do Tibagi a nado, enquanto os mosquitos atormentavam homens e animais.

Sim, houve expedições anteriores que percorreram a região. Sim, houve caboclos indígenas que habitaram aqueles lugares. Mas na chegada da caravana iniciou-se um processo de colonização que consistiu no maior projeto de reforma agrária já promovido pela iniciativa privada em todo o planeta. Londrina nasceu como empresa e mais do que isso: como uma empresa que semeou prosperidade e justiça. A cidade que tanto amamos nasceu graças ao sonho daquele pequeno grupo de pioneiros. A eles que hoje vivem na história e na memória nosso mais profundo respeito e reconhecimento.

Os herdeiros desses homens somos nós, Pedro.

Paulo Briguet é escritor e editor-chefe de BSM.

 


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