CRÔNICA

Quem tem medo da direita na Europa?

Renan Rovaris · 15 de Junho de 2024 às 13:11 ·

Reflexões de um passageiro rodoviário sobre a vitória da ultra-extrema-excessiva-máxima-suprema-direita radical nas eleições da Comunidade Europeia

As rodoviárias não têm pudor. Não falo dos banheiros, que, no fim das contas, são até mais limpinhos e presenciam menos obscenidades do que alguns departamentos das universidades federais. Não, falo mesmo dos tipos que passam por ali. É um velho arqueado com cara de quem foi abandonado pela família, um coitado equilibrando-se nas muletas, um jovem de pés sujos vendendo paçoquinhas a dois reais...

Dois reais uma paçoca! Um roubo! — eu disse de mim para mim.

— Aceita um Pix?

— Não. É só no dinheiro mesmo, amigo.

— E quem anda com dinheiro no bolso hoje em dia?

Outro me pede uma moeda para inteirar a marmita:

— Não tenho moedas. Aceita Pix? — Também não.

O Pix matou e enterrou as esmolas, eu penso. E sigo para o ônibus sentindo-me justificado diante de Deus por não precisar ajudar aquele rapaz. O controle estatal absoluto do dinheiro é uma graça divina para os mãos de vaca do país.

Chego à fila. Na rodoviária, tem uma fila de hospital público para tudo. Fila para comprar o bilhete, fila para despachar a mala, fila para subir no ônibus, fila para descer...

Antes de subir no ônibus, a senhora falou grosso com o motorista:

— Eu tenho direito — por lei! — de pagar menos por esta poltrona. Comprei a janela, e agora querem me colocar aprisionada no corredor. Este país está cheio de comunistas querendo arrancar o meu dinheiro!

A empresa de viagens decidira juntar os passageiros de dois carros num só...

Eu, que lia A Cabra Vadia no meu Kindle… ou era O Óbvio Ululante? Não, não. Era a Cabra Vadia mesmo — eu fui pego por aquela palavra. Não foi tanto a reclamação, foi o "comunistas" que me pegou. O brasileiro agora deu para usar “comunista” como xingamento. E logo pensei: a direita venceu!

E o leitor há de me perguntar:

— Venceu onde? No Brasil?

— Não, não — respondo eu. — Venceu na Europa.

Por lá, como vocês já devem estar sabendo pela grande mídia, a ultra-extrema-excessiva-máxima-suprema-direita radical venceu as eleições. O mapa da França, disse uma autoridade midiática brasileira, está todo marrom, a cor dos ultraconservadores! Só se pode ver uns salpicos de cor aqui e ali quando inspeciona-se o território mais de perto. Na Itália, os “pós-fascistas” obtiveram o maior número de votos nas eleições europeias, e, na Alemanha, ninguém ganhou tantos votos no parlamento europeu quanto a sigla classificada pelos serviços internos de inteligência como “suspeita de extremismo de direita” em todo o país e até mesmo “confirmadamente extremista de direita” em três estados do Leste. Leram bem? São direitistas confirmados, esses canalhas.

E não pensem que são só os jornalistas brasileiros que estão arrancando os cabelos de preocupação. Não, o presidente do Conselho Central dos Muçulmanos na Alemanha, por exemplo, afirmou que o resultado das eleições não é um problema apenas para os imigrantes muçulmanos, mas também para a democracia. Decerto, vencer eleições democráticas pelo voto é um ato terrorista contra a democracia, especialmente para quem quer obrigar as alemãs a usarem o Hijab democraticamente.

No fim, eu percebo que todo esse chilique jornalístico com a ascensão da direita nas eleições europeias não se dá pelo europeu — se dá mesmo pelo imigrante, que terá seus direitos de implantar a Sharia na Europa prejudicados por extremistas radicais de direita, que insistem em querer manter a cultura e as tradições dos países em que nasceram, e recusam-se a aceitar o caminho da diversidade cultural apontado pelos profetas de um futuro onde não existirá extremismo cristão na Europa, onde tudo ficará bem.

— E no Brasil, quando vence a direita? — questionará novamente o leitor.

— No Brasil? No Brasil eu não sei, amigo. Mas a sorte daquela senhora que subia no ônibus é que ela estava na rodoviária, onde existe gente esquisita de tudo quanto é jeito, e não em Brasília.

Renan Rovaris é escritor, designer e colaborador do BSM.

 


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