DIÁRIO DE UM CRONISTA

Prima, amiga, irmã

Paulo Briguet · 7 de Junho de 2024 às 11:26 ·

Adeus à neta mais nova de um herói chamado Antônio Costa

Gosto sempre de relembrar a história de Antônio Costa, meu bisavô, que aos sete anos de idade foi deixado no Brasil, em Belém do Pará, tendo por companhia apenas o irmão mais velho, de dez anos. Isso aconteceu no longínquo ano de 1896. Antônio foi para o Rio de Janeiro, tornou-se cobrador e motorneiro de bonde, aprendeu sozinho a ler e escrever, conseguiu um emprego de maquinista de trem na Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, migrou para o interior do Estado de São Paulo, casou-se com Ambrosina, que todos na família chamavam de Mãe Mulata, e criou 11 filhos, um dos quais era Maria, minha avó materna. Para todos da família, Antônio é um herói, um modelo existencial, um exemplo de vida e resistência a quem recorremos nos momentos mais difíceis. No ano passado, nos despedimos de meu tio-avô Álvaro Costa, o último remanescente entre os filhos de Antônio. Na última quarta-feira, foi a vez de Flávia Cristina Costa Mitjans, minha querida prima e amiga de infância. Ela morreu aos 57 anos, em Maringá, deixando a mãe, Athenea, os irmãos Paulo César, Márcia e Alvinho e o marido, o médico cubano Luis Mitjans.

Na última vez que conversei com Flávia, em abril, ela me pediu que escrevesse uma pequena homenagem ao seu pai e meu padrinho, Álvaro Costa, falecido em agosto de 2023. Enviei para ela o seguinte texto:

“Mais do que um pai, mais do que um marido, mais do que um irmão, mais do que um amigo, você foi o nosso herói. Não é por acaso que o seu nome quer dizer ‘guardião de todos’. Obrigado, Álvaro, por mostrar que o amor é mais forte que a morte.”

Jamais poderia imaginar que, menos de dois meses depois, estaríamos dando adeus à neta mais nova de Antônio Costa. Você nos pegou a todos de surpresa, Flávia. Na família, você era a mais alegre, a mais simpática, a mais carinhosa. A mais atenciosa e dedicada filha, irmã, prima, sobrinha e amiga. Nunca me esquecerei das festas de Natal na Ruas Castro Alves e Bernardino de Campos, em Araçatuba, e na Rua Brigadeiro Galvão, em São Paulo. Castro Alves, número 15 era o endereço da Vó Maria — a casa em que Antônio Costa morou a maior parte da vida — uma vitrolinha em que tocávamos o disco com a trilha sonora da novela Dancin’ Days, um LP do Daniel Azulay (“Algodão doce pra você!”) e um compacto do harpista Luis Bordon, A Harpa e a Cristandade. No quintal, havia um pé de abacate, um de goiaba e um de carambola. Um dia a sua cachorrinha Piquitita ficou prenha e teve três filhotinhos — um deles eu e Fernanda levamos para casa e chamamos de Ace. Ele parecia uma bolinha branca.

Durante o período em que você morou em Portugal, fez questão de visitar a aldeia em que o Pai Costa nasceu, cujo nome me escapa agora, talvez a Márcia lembre. Nunca me esquecerei desse seu amor pela família e por nossas origens, que se manifestava na atenção com que você cuidou de seus pais, de sua tia Iris e de todos aqueles que um dia passaram pelo seu caminho. Agradecemos também, Flávia, por você nos ter apresentado o Luis, que passou a fazer parte da família com sua simpatia e sua coragem. Lembra como ficamos felizes no dia em que ele conseguiu ser aprovado no difícil exame para médicos no Brasil?

Acredito que você agora está na presença de Deus, ao lado dos nossos queridos Pai Costa, Mãe Mulata, Álvaro, Maria, Oreste, Aracy, Paulo e tantos outros. A cada um deles, mande o nosso abraço e diga que estamos com saudade — a mesma saudade que começamos a sentir de você. Um dia nos reuniremos todos numa grande festa de Natal, não na Rua Castro Alves, mas no Céu.

Vá em paz, minha prima, minha amiga, minha irmã.

Paulo Briguet é escritor, editor-chefe do BSM e bisneto de Antônio Costa.

 


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