Filipe Martins e a morte do habeas corpus
Decisão do ministro comunista Flávio Dino sepulta o instituto do habeas corpus no Brasil e prova que estamos em uma ditadura. Quando se trata de inimigos do regime, o instituto não existe mais
“Já percorri o mundo para conferências e reuniões, agora estou recluso numa cela estreita, sem janela.”
(Cardeal François-Xavier Van Thuan)
O arcebispo vietnamita François Van Thuan foi detido em 15 de agosto de 1975, Dia da Assunção da Virgem Maria, acusado de um complô para derrubar o regime comunista. Van Thuan passou 13 anos na prisão, nove deles em uma solitária. Jamais foi apresentada qualquer tipo de prova contra ele; e comunistas não aceitam habeas corpus.
A história do instituto do habeas corpus remonta à Magna Carta, assinada pelo rei João Sem Terra e um grupo de representantes da nobreza britânica no ano de 1215. Embora não houvesse na Magna Carta referência direta ao habeas corpus tal como o conhecemos hoje, esse documento tornou-se um marco na história dos direitos fundamentais e das liberdades civis, pois apresentava cláusulas que limitavam o poder do governante e ofereciam proteção contra prisões arbitrárias. A cláusula 39, por exemplo, declarava que nenhum homem pode ser preso ou punido sem um julgamento legal. Estamos falando de 800 anos atrás!
Quatro séculos depois, também na Inglaterra, o rei Carlos II promulgou o Habeas Corpus, estabelecendo garantias contra prisões arbitrárias e abusos de poder. A lei, que até hoje continua em vigor no Reino Unido, inspirou os Pais Fundadores dos Estados Unidos a incluírem o habeas corpus na Constituição americana. O habeas corpus também é um direito consolidado pela Constituição brasileira, conforme estabelece o artigo 5°, inciso LXVIII:
“Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Em outras palavras: diante de qualquer ato de prisão ou detenção ilegal, o cidadão brasileiro tem o direito de recorrer ao Judiciário para garantir sua liberdade.
Ou pelo menos era assim até a última quarta-feira. Nesse dia, o ministro Flávio Dino, do STF, negou-se a analisar o pedido de habeas corpus do ex-assessor presidencial Filipe G. Martins, preso há 150 dias por uma viagem que ele não fez, já provou que não fez e, ainda que a tivesse feito, não estaria cometendo crime algum.
Note-se bem: Flávio Dino nem sequer analisou o habeas corpus, que tem 114 páginas abundantemente detalhadas e documentadas, das quais 25 versam sobre a cabimento da petição. Por uma interpretação esdrúxula da lei, os supremos senhores do país inventaram que todas as decisões judiciais no Brasil podem ser revistas, exceto aquelas que foram tomadas monocraticamente... pelos supremos senhores do país.
Com essa decisão, o assumido comunista Flávio Dino está sepultando o instituto do habeas corpus no Brasil. Criou-se, portanto, uma espécie de campo de força, um limbo jurídico dentro do qual as decisões mais arbitrárias e teratológicas, quando tomadas por um juiz da Suprema Corte, encontram-se imunes a qualquer questionamento. É o império da vontade dos capas-pretas. É a morte do habeas corpus. É mais uma prova definitiva de que estamos numa ditadura.
A expressão habeas corpus tem raízes na língua latina, sendo habeas a segunda pessoa do presente subjuntivo do verbo habere, significando “ter” ou “possuir”. Corpus é a forma acusativa singular do substantivo corpo. Combinadas, as duas palavras podem ser traduzidas como “tenha o corpo”. A frase completa de que se extraiu o termo é “Habeas corpus ad subjiciendum”, que em português pode ser traduzida como “Que você tenha o corpo para apresentar”. Trata-se de uma ordem judicial para que uma pessoa seja trazida perante o tribunal e assim se determine se a sua prisão foi legal.
O habeas corpus elaborado pela equipe do Dr. Sebastião Coelho, esse Heráclito Sobral Pinto do nosso tempo, cumpriu exatamente essa missão: apresentou, de maneira integral, a injustiça que se está fazendo com um dos mais proeminentes intelectuais conservadores do Brasil. Eis aqui o corpo.
Mas Flávio Dino, no mesmo espírito de seus companheiros comunistas do Vietnã, nem sequer dignou-se a analisar o pedido.
Quando o Cardeal Van Thuan saiu da prisão, em 1989, não se deixou levar pelo ressentimento, nem pelo espírito de vingança. Disse apenas a verdade no seu livro “Cinco pães e dois peixes”. Quando esse pesadelo terminar e Filipe Martins finalmente por libertado, espero que ele também publique um livro.
Será que o Flávio Dino vai lê-lo? Acho difícil.
— Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM.
"Por apenas R$ 12/mês você acessa o conteúdo exclusivo do Brasil Sem Medo e financia o jornalismo sério, independente e alinhado com os seus valores. Torne-se membro assinante agora mesmo!"