Pesquisa coreana coloca em xeque as políticas de lockdown
Rastreamento de 60 mil pessoas na Coreia do Sul revela maior transmissão da Covid-19 dentro de casa
VÍRUS CHINÊS
Pesquisa coreana coloca em xeque as políticas de lockdown
Rastreamento de 60 mil pessoas na Coreia do Sul revela maior transmissão da Covid-19 dentro de casa
Peterson Dayan
Dr. Young Joon Park, médico de medicina preventiva, e sua equipe de epidemiologia e gerenciamento de casos do Centro Nacional de Resposta de Emergência COVID-19, da Coreia do Sul, divulgaram uma pesquisa [1], publicada no CDC – Centers for Disease Control and Prevention, órgão do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (U.S. Department of Health and Human Services).
A equipe de epidemiologia do Dr. Park fez o rastreamento de 59.073 pessoas que tiveram contato com 5.706 pacientes com Covid-19, na Coreia do Sul, entre 20 de janeiro e 27 de março de 2020. Em resposta, identificaram que 10.592 dessas pessoas tiveram apenas contatos domiciliares, totalizando 11,8% que manifestaram Covid-19. Ao passo que os outros 48.481, que tiveram contatos não domésticos, apresentaram apenas 1,9% de contaminação por Covid-19.
A Coreia do Sul adotou um rigoroso programa de rastreamento de contatos, incluindo a epidemiologia tradicional, conhecida pelo termo “shoe-leather epidemiology”. Além disso, utilizaram novos métodos para rastrear contatos, vinculando grandes bancos de dados (sistema de posicionamento global, transações com cartão de crédito e televisão em circuito fechado). Eles adotaram esse rastreamento do contato de forma bastante rígida e eficaz. Com isso, conseguiram monitorar e controlar a disseminação da doença por coronavírus (Covid-19) na Coreia do Sul. A medida serviu de subsídio para a orientação das políticas baseadas em evidências e mitigação da pandemia naquele país[2].
O primeiro caso de Covid-19 na Coréia do Sul
O primeiro caso de Covid-19 na Coreia do Sul foi identificado em 20 de janeiro de 2020. Até 13 de maio, foram registrado 10.962 casos. Todos os pacientes com Covid-19 registrados foram testados usando RT-PCR, e as informações de cada caso foram enviadas para os Centros de Controle e Prevenção de Doenças da Coreia. O sistema de saúde pública da Coreia do Sul possui um alto nível de governança nacional, com a presença dos seus Centros de Controle e Prevenção de Doenças nos 17 governos regionais e nos 254 centros de saúde pública locais.
No estudo de rastreamento dos contatos, na Coréia do Sul, foram monitorados 59.073 contatos, de 5.706 pacientes com COVID-19. Observe a tabela 1 com os dados do grupo estudado.
Tabela 1. Contatos rastreados por faixa etária dos pacientes com doença de COVID-19, Coréia do Sul, 20 de janeiro a 27 de março de 2020 (PARK, et al, 2020).
Das 10.592 pessoas que tiveram apenas contatos domiciliares, o maior índice de contaminação foi entre os que se encontravam na faixa de 20 e 29 anos de idade, com um total de 3.417 (32,3%) casos positivos. Em seguida, os mais afetados foram os da faixa de 50 a 59 anos (19,3%) e os de 40 a 49 anos (16,5%). Das pessoas que tiveram apenas contatos com pacientes de Covid-19 dentro de casa, os casos domiciliares, 11,8% foram contaminadas; sendo que, em domicílios com pacientes na faixa de 10 a 19 anos, 18,6% dos contatos apresentaram Covid-19. Para as outras 48.481 pessoas que tiveram contatos com pessoas contaminadas fora de casa, os casos não domésticos, a taxa de detecção foi de apenas 1,9%. Veja a tabela 2, que apresenta esses valores.
Tabela 2. Taxas de doença por coronavírus entre contatos domiciliares e não domésticos, Coréia do Sul, 20 de janeiro a 27 de março de 2020 (PARK, et al, 2020).
A detecção de contatos que se contaminaram em ambientes não domésticos por Covid-19, foi significativamente maior nos pacientes acima de 40 anos de idade. No entanto, para todas as faixas etárias, a Covid-19 foi significativamente mais detectada nos contatos domiciliares do que em contatos não familiares, é o que nos mostra a Tabela 2. Portanto, essa pesquisa demonstra como o lockdown não funciona. Ao manter as pessoas isoladas em casa, elas estarão sujeitas a um maior risco de contaminação.
Taxas de contaminação em crianças e adultos
Os pesquisadores concluíram que, ao detectar a Covid-19 em 11,8% dos contatos domiciliares, as taxas foram maiores entre as crianças do que em adultos. A causa disso, segundo esses cientistas, se refletiu pela ampla transmissão ocorrida pela tentativa de mitigação da doença. Portanto, julgam que pode ter sido pela dinâmica da transmissão durante o fechamento das escolas [3].
“A maior contaminação encontrada entre os contatos familiares em relação aos contatos não familiares pode ser um reflexo, em parte, da transmissão durante o distanciamento social, quando os membros da família geralmente ficavam em casa, exceto para realizar tarefas essenciais, criando essa disseminação dentro da família” disseram os cientistas.
Os especialistas acreditam que o esclarecimento da dinâmica da transmissão de SARS-CoV-2 ajudará a determinar as estratégias de controle nos níveis individual e populacional. Além deste, outros estudos também identificaram a presença, cada vez maior, de transmissão dentro das famílias. Estudos anteriores sobre a taxa de infecção por contatos domiciliares sintomáticos nos Estados Unidos relataram 10,5% significativamente maior do que nos contatos não domiciliares [4].
Outros estudos sobre a transmissão da COVID-19
Relatórios recentes sobre a transmissão da COVID-19 estimaram taxas de contaminações secundárias mais altas entre os domicílios do que os contatos não domésticos. Dentre eles, estão os relatórios compilados da China, França e Hong Kong que estimaram as taxas de contaminações secundárias para contatos familiares em 35% [5].
A diferença nas taxas de contaminação dos contatos das famílias em diferentes partes do mundo pode refletir a variação das famílias e as estratégias específicas de cada país quanto à contenção e mitigação da COVID-19. Dada a alta taxa de infecção nas famílias, os pesquisadores recomendam que medidas de proteção individual devem ser usadas em casa para reduzir o risco de transmissão [6].
Implementações que necessitam maior investigação
Para gerenciar a transmissão doméstica, o grupo de pesquisadores sugerem um possível isolamento de coorte fora dos hospitais, como em um Centro de Tratamento Comunitário, como sendo uma opção viável [7]. Caberá uma avaliação da viabilidade de implementação de tal medida. A investigação da equipe da Coréia do Sul mostrou também que o padrão de transmissão da COVID-19 foi semelhante ao de outros vírus respiratórios, considerando os dados de larga escala apresentados [8].
Embora a taxa de detecção de contatos de crianças em idade pré-escolar tenha sido menor, as crianças pequenas podem apresentar taxas de contaminação mais altas quando o fechamento da escola terminar, contribuindo para a transmissão da Covid-19 entre a comunidade.
A equipe do CDC coreano, ressalta a necessidade de um estudo epidemiológico sensível ao tempo, diante da transmissão domiciliar de SARS-CoV-2 em meio à reabertura de escolas e à diminuição do distanciamento social, para orientar as políticas de saúde pública. Vale lembrar que é fundamental a compreensão do papel das medidas de higiene e controle de infecção para reduzir a disseminação dentro das famílias. Já o papel da máscara dentro de casa, especialmente se algum membro da família estiver em alto risco, precisa ser estudado, ressaltam os pesquisadores.
De qualquer forma, a implementação de recomendações de saúde pública, incluindo higiene respiratória e das mãos, deve ser incentivada para reduzir a transmissão do SARS-CoV-2 nos domicílios afetados.
Sobre os responsáveis pela pesquisa
O Dr. Young Joon Park é o médico de medicina preventiva que lidera a Equipe de Epidemiologia e Gerenciamento de Casos do Centro Nacional de Resposta de Emergência Covid-19, Centros da Coréia para Controle e Prevenção de Doenças. Seus principais interesses de pesquisa incluem investigação epidemiológica de surtos de doenças infecciosas. O Dr. Choe é professor assistente da Faculdade de Medicina da Universidade Hallym. Sua pesquisa se concentra na epidemiologia de doenças infecciosas.
— Prof. Peterson Dayan é Engenheiro Civil (UnB), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UnB), na área de Projeto de Planejamento, Doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela UnB – Universidade de Brasília, e Especialista com MBA em Gerenciamento de Projetos pela FGV. Desenvolve sua pesquisa em Planejamento Urbano, examinando os efeitos da Configuração Espacial das Cidades na vida das pessoas. Atualmente é o Diretor de Finanças e Patrimônio do DPL – Docentes Pela Liberdade.
Referências
- ↑ Park YJ, Choe YJ, Park O, Park SY, Kim YM, Kim J, et al. “Contact tracing during coronavirus disease outbreak, South Korea, 2020”. Emerg Infect Dis. 2020 Oct. DOI
- ↑ World Health Organization. “Contact tracing in the context of COVID-19”. 2020. WHO
- ↑ COVID-19 National Emergency Response Center. Epidemiology & Case Management Team, Korea Centers for Disease Control & Prevention. Contact transmission of COVID-19 in South Korea: novel investigation techniques for tracing contacts. Osong Public Health Res Perspect. 2020;11:60–3. DOI
- ↑ Choe YJ, Choi EH. Are we ready for coronavirus disease 2019 arriving at schools? J Korean Med Sci. 2020;35:e127. DOI PubMed
- ↑ Burke RM, Midgley CM, Dratch A, Fenstersheib M, Haupt T, Holshue M, et al. Active monitoring of persons exposed to patients with confirmed COVID-19 - United States, January–February 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2020;69:245–6. DOI PubMed
- ↑ Liu Y, Eggo RM, Kucharski AJ. Secondary attack rate and superspreading events for SARS-CoV-2. Lancet. 2020;395:e47. DOI PubMed
- ↑ Jefferson T, Del Mar C, Dooley L, Ferroni E, Al-Ansary LA, Bawazeer GA, et al. Physical interventions to interrupt or reduce the spread of respiratory viruses: systematic review. BMJ. 2009;339(sep21 1):b3675.
- ↑ Choe YJ, Smit MA, Mermel LA. Comparison of common respiratory virus peak incidence among varying age groups in Rhode Island, 2012–2016. JAMA Netw Open. 2020;3:e207041. DOI PubMed