O que fizeste dos filhos que te dei?
O aborto é a negação da natureza, a negação da criação. É o nosso grito de recusa ao amor de Deus
Coisa curiosa que um professor possa usar de uma pergunta velha e batida para ensinar filosofia aristotélica. Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? É com essa pergunta que sempre dou início à Metafísica de Aristóteles. Mas, um pouco mais intrigante é que ninguém duvida que seja necessária uma galinha para botar um ovo, ainda que todas as galinhas venham de ovos, mas nem todos os ovos se tornem galinhas.
Claro, é preciso explicar. Na relação entre a mudança dos seres há sempre uma atualização, algo que não era e passa a ser. No caso da galinha e do ovo, o ovo está para a galinha assim como o antigo cheque para o dinheiro. Não que o ovo possa ser sustado, mas ambos precisam passar por uma atualização, o que faria com que aquela potência se atualizasse em uma outra coisa, perfeita e atual, o ato. Assim, ovos se atualizam quando são chocados e cheques se atualizam quando são compensados. Mas, coisa extraordinária, cheques não se tornam borboletas quando compensados e ovos não se tornam livros quando chocados. Ambos, enquanto potência, estão condicionados aos seus atos — ou seja, uma vez atualizados, só podem se tornar aquilo para o qual nasceram para se tornar, e por isso nunca vimos o relato de um médico dizendo que um bebê que era uma menina com 14 semanas tenha se tornado um jacaré com 32.
Ainda que se chame o cheque de “pedacinho de papel templário”, o ovo de “proteína” ou um bebê de “feto” ou “amontoado de células”, nenhum deles possui a capacidade anormal de se tornar um boleto. Não importa o quanto queiramos torcer a realidade em favor de uma argumentação, a verdade sempre irá se impor. Seja no fundo de nossas consciências, seja no arrependimento da mãe que matou — ou vocês não conhecem a história de Adela Alonso, a mãe que ouviu o ruído de seu filho sofrendo enquanto o trituravam? Pois é, são palavras dela: “Não consigo lidar com isso. Não consigo esquecer”, confessou ela. “Me sinto uma assassina”.
Não importa muito o que façamos. Não importa se mudamos as palavras, não importa se vão impor uma língua inteiramente nova e maluca. A verdade reside no ser das coisas. Ninguém pode convencer um outro de que uma pessoa é mulher se sou eu a ver que essa mulher está mijando de pé. Não importa se chamem de “interrupção” aquilo que é o assassinato escancarado de uma pessoa. A verdade irá se impor e por mais que possamos adiar isso aqui e agora, um dia seremos cobrados pelo Divino Juiz e ali não haverá novilíngua ou decisão judicial que nos baste.
— O que fizeste dos filhos que te dei?
— Eu os manipulei, Senhor. Manipulei toda a natureza. Não só a natureza criada, mas a natureza humana. Eu manipulei. Torci a verdade achando que poderia escapar do teu julgamento. Quis fazer o que bem entendia da minha vida, mas não escapei da própria realidade. Eu, hoje, no século mais avançado da história humana, não soube ver que havia vida dentro de mim. Eu, hoje, no século da fartura material descobri que vivo no século do nada, do vazio. Eu, Senhor, hoje, caí na primeira tentação da serpente, pois ela disse que eu poderia ser como o Senhor e eu acreditei. Eu acreditei na mentira, meu Deus, ainda quando o Senhor e toda a sua criação me mostravam a Verdade. Eu acreditei nas palavras de alguém que acabara de chegar em minha vida ainda que o Senhor estivesse nela desde o início, me mostrando seu Amor e sua Benevolência. Eu achava que essa história da tolice de Adão fosse um folclore, algo criado para nos fazer aceitar a pobreza... Pobre de mim, eu fui tão tola quanto Adão. Não há manipulação que te escape, Senhor. Eu posso ter matado um santo, meu Pai. Eu te neguei, Senhor.
O aborto é a negação da natureza, a negação da criação. É o nosso grito de recusa ao amor de Deus. Nosso grito de recusa em sermos sua imagem e semelhança, em sermos cocriadores. É o grito de aceitação à tentação do diabo que nos oferece uma mentira. É a nossa colaboração imediata na obra de destruição que o demônio empreendeu há séculos contra Deus. Mas existe um grande paradoxo, aqui. Assim como o cristianismo triunfou tantas vezes quando tudo parecia perdido, assim como o próprio Deus venceu a morte se entregando a ela, assim a maior de todas as tragédias provocadas pelas mãos humanas é também a maior de todas as produções em massa de algo que enche os braços de Nossa Senhora e lhe tira tantas e tantas lágrimas.
— Vinde todos a mim, meus pequenos. Eu serei a mãe de todos vocês, meus pequenos Santos Inocentes.
— Lucas Fófano é professor de filosofia e editor literário.
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