ENSAIOS DE UM CAIPIRA

O que é uma família?

Lucas de Oliveira Fófano · 29 de Maio de 2024 às 17:15 ·

Querem inventar uma relação familiar sem família. Querem falar em reforma quando não sabem o que é forma. Querem uma janela sem ter uma parede. Querem uma cena sem ter o filme. Querem transformar a realidade sem aceitar a realidade
 

É estritamente baldado falar em algum tipo de reforma quando não se tem a mínima idéia do que é forma. Assim como é estritamente baldado mudar as falas de uma certa cena sem saber qual é o filme. Isso não faz o menor sentido, assim como não faz sentido desejar uma janela que me traga o frescor da liberdade sem antes refletir se eu desejo uma parede. A mudança numa cena ou a destruição de uma parede são tão inúteis quanto um conselho de buscar um motosserra quando se quer apenas cortar um pequeno bife. Aliás, esse é o comportamento típico dos ratos, que destroem tudo o que veem pela frente ainda que, no caso dos homens, essa destruição seja a de uma pilastra que sustenta o teto em que ele vive.

Não é de hoje que sabemos que as histórias possuem um poder avassalador de formação das pessoas. É sabido que os gregos as usavam para formar valentia, coragem e a vontade de um heroísmo patriótico em seus pequenos. Sabemos também que foram os mitos que mantiveram uma certa ordem no nosso sertão brasileiro e que é o mito midiático quem vem favorecendo uma monstruosa agenda global nas últimas décadas como nos confirmou uma antiga pesquisa do Banco Internacional de Desenvolvimento mostrando uma extensa ligação entre novelas de uma certa emissora e o espantoso aumento no número de divórcios do país (cena que não contrasta com as 115 novelas transmitidas entre 1965 e 1999 em que 62% das principais personagens femininas não tinham filhos e 26% eram infiéis aos parceiros o que, obviamente, mudou no quadro midiático, hoje, afinal, temos a taxa de 1 divórcio para cada 2 casamentos em 2022).

De uma forma geral, o que tem sido dado ao povo é uma perspectiva nova, um reino novo e maravilhoso de possibilidades e de liberdade onde substituímos o sol pela luz da lua sem nem ao menos considerar qualquer relação entre os dois astros e crendo com a mais firme convicção que este novo astro irá trazer uma nova forma de iluminação. É assim que, por exemplo, a mídia noticia a agamia, um termo não tão novo, que celebra qualquer tipo de relacionamento como sendo “uma alternativa que amplia a compreensão da construção do amor, da família e do afeto”. Assim, estariam os jovens mais preocupados com outras coisas do que com a formação de uma família, como “questões mais atuais e sérias, tais como a preservação do planeta, aquecimento global, sustentabilidade, entre outras questões de vanguarda”.

Claro, se preocupar com questões mais sérias e atuais como a preservação do planeta à família é tão viável quanto se preocupar com virar o corte de carne para o churrasco quando nem mesmo possuímos o fogo, tão viável quanto macacos se reocuparem com prendedores de roupa, tão viável quanto tomar banho antes de trabalhar numa mina de carvão, tão viável quanto ensinar para crianças fundamento de física quântica enquanto elas estão na transição das fraldas. O que se vê nesse tipo de comentário são argumentos tão racionais quanto o daquele cidadão que ao comprar um cachorro diz: “Me dê 30 centímetros de cachorro, por favor”, e não se preocupa com o fato de, talvez, o vendedor ter de cortar o cão ao meio. Não sabem onde fica a cabeça e onde ficam as patas. O que se pode dizer desses pretensos reformadores é que não entendem patavina do que seja o casamento. Não fazem idéia do que ele seja, ou do que deveria ser, ou do que seus defensores consideram que seja.

Assim, por exemplo, os defensores da pretensa reforma podem dizer que a oposição seja apenas de cunho “teológico” e que se funda em “certos textos da Bíblia” relativos ao matrimônio. Isso seria o mesmo que dizer que a crença na fraternidade humana se funda em certo texto bíblico onde se diz que todos são filhos de Adão e Eva. Mas é preciso lembrar que os grandes homens do Brasil, aqueles que lavraram esse solo e que pouca ou nenhuma instrução tiveram consideravam o casamento algo sagrado nem nunca ter posto os olhos em qualquer texto. E que no fim, se algo mantém o espírito de fraternidade no mundo é justamente por parte daqueles que acreditam no texto sobre Adão e Eva  e para confirmar isso basta pesquisar de onde surgiram os hospitais, leprosários e orfanatos.

A questão é que não se reconhece mais a família como algo concreto. Hoje a pretensão é de que as grandiosas mulheres não sejam mais mães, mas pessoas que pariram ou indivíduos que amamentam. Imaginem Chico Buarque recitando: “Minha pessoa que pariu sempre diz: Não há dor que dure para sempre!”.  Mas o interessante é que os lugares onde as mães ainda são algo mais que apenas o indivíduo que pariu é o mesmo lugar onde ainda existem seres humanos saudáveis, e saudáveis o bastante para desferir um soco na cara se alguém as chamasse de indivíduo que o pariu.

Mas, eu me pergunto, para onde essas pessoas estão olhando quando dizem que a preocupação com o mundo vem em primeiro lugar e na frase seguinte abraçam um conceito de família que envolve não apenas não se casar mas até mesmo não ter filhos? Ora, então para quê cuidar do mundo? Para quem ficará o mundo?

É um pouco engraçado imaginar que o demônio ainda nos pega com a primeira tentação. Ainda insiste na superstição de sermos como deuses. Ainda insistimos em esperar um fim natural de uma ação antinatural. Ainda insistimos na superação de algo que sequer sabemos o que seja e que na mais otimista das visões é apenas um senso comum, diriam. Todo o tom dessa grotesca propaganda parece pintar a família nuclear como algo sobrenatural, inalcançável ao propor modelos mais fáceis, acessíveis, aceitáveis.

A família tem se tornado um mito, poeira de um pensamentocomum, resquício de um senso comum. Mas é sabido que em todas as épocas o senso comum, sempre que expulso de algum lugar onde não deveria estar, refugiou-se na excelsa sanidade de um sacramento.

Lucas Fófano é católico, pai de família, caipira, professor e editor literário.

 


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