TERRA SANTA

O bem-sucedido ataque do Irã a Israel – Uma análise exclusiva do BSM

Ricardo Gancz · 17 de Abril de 2024 às 15:01 ·

Em artigo especial para o BSM, o professor Ricardo Gancz analisa as perspectivas do conflito entre Israel e os seus inimigos a partir do ataque de drones e mísseis realizado no último fim de semana

Não, o título deste artigo não é irônico. Eu estou convicto que o ataque que o Irã lançou contra Israel foi verdadeiramente muito bem-sucedido e quem não percebeu isso simplesmente não entende o que se passa no Oriente Médio. Este meu artigo tem três propósitos. O primeiro, esclarecer a situação política. O segundo, apontar erros crassos na análise dessa questão e seus motivos na esperança de uma vez sendo realçados, tenham uma chance menor de se repetirem. O último, servir como exemplo da aplicação do método de análise que aprendi com o professor Olavo, de quem tenho orgulho de ter sido aluno por mais de 20 anos.
  

1 – Três premissas necessárias

Anuncio de modo claro algumas premissas que estão presentes nessa análise:

  1. Os iranianos possuem uma cultura riquíssima, ainda se inspiram na grandeza do Império Persa de outrora, e possuem uma dimensão temporal bastante ampla, tanto com relação ao passado como com relação ao futuro.
  2. As ações dos iranianos são calculadas e planejadas por homens de estratégia e não por ignorantes que reagem por impulso.
  3. Discurso, ação, intenção e poder são sempre elementos distintos e sempre devem ser analisados separadamente.

 

2 – Três elementos estratégicos

O célebre espadachim Miyamoto Musashi (1584-1645) escreve em seu livro Go Rin no Sho (quarto pergaminho, Fu no Maki), que atacar primeiro é preferível à defesa pois possibilita a escolha do local, momento e posicionamento das tropas de modo mais vantajoso. Aproximadamente 2 mil anos antes de Musashi nascer, Sun Tzu já havia dito algo similar, no início do capítulo 6 dos Métodos Militares do Mestre Sun (Sunzi Bingfa, conhecido popularmente como A Arte da Guerra). Ele diz que o combatente astuto é capaz de impor sua vontade sobre a vontade do inimigo e não permite que a vontade do seu inimigo seja imposta. A cultura persa não foi muito influenciada pela cultura de China e Japão, mas eu não tenho dúvidas que os iranianos absorveram as lições de estratégia ali presentes.

Por outro lado, a cultura persa foi tremendamente influenciada pelas conquistas e pela estratégia de Ciro II, fundador do Império Aquemênida (Primeiro Império Persa). O filho de Cambises se revela um exímio estrategista e carismático líder. Uma das notáveis características de Ciro II foi sua habilidade de avançar seu interesse próprio ao mesmo tempo que era capaz de beneficiar amigos e até inimigos e fazê-los desejar agir em prol de sua própria agenda. (Para quem tiver interesse maior no assunto, veja o excelente artigo do meu amigo e colega prof. Gabriel Danzig “The Best of the Achaemenids: Benevolence, Self-interest and the Ironic reading of the Cyropaedia” in Xenophon: Historical Method and Moral Principle, ed. C Tuplin, Brill, 2012).

Fiz questão de trazer esta introdução para mostrar que os três principais elementos estratégicos presentes neste ataque do Irã não são ocasionais, mas cuidadosamente pensados. Eles são:

  1. A iniciativa do ataque;
  2. O momento, local e contexto político do ataque;
  3. Os interesses mútuos de amigos e inimigos.

 

3 – Um ataque anunciado

Ninguém pode dizer que o ataque do Irã era inesperado. Vejamos os seguintes exemplos:

  1. O presidente americano Joe Biden, com toda a sua dificuldade cognitiva, declarou que o Irã iria atacar muito em breve, sendo uma questão de qual dia e não de quando seria o ataque. Diversos países da Europa falaram o mesmo.
  2. Linhas aéreas cancelaram vôos para o Irã por uma semana, poucos dias antes do ataque.
  3. Em Israel, foi avisado que o Irã iria nos atacar e cancelaram atividades educacionais por dois dias bem como anunciaram a abertura dos bunkers.
  4. O próprio Irã anunciou o ataque em redes sociais.

O que podemos aprender daqui? A informação clara e segura não veio através do setor de inteligência e espionagem, mas foi dada pelo próprio Irã.  

 

4 – A narrativa iraniana

Se o Irã avisou com todas as letras que iria atacar Israel, qual foi o pretexto utilizado para justificar o ataque? Israel eliminou dois generais iranianos na Síria. Esses generais davam suporte ao Hezbollah, que há meses está atacando o norte de Israel e já desalojou mais de 100.000 israelenses que não sabem quando voltarão para casa.

A narrativa do Irã é que a eliminação dos generais e outros diplomatas é um crime de guerra que não pode ficar impune. A narrativa é tanto para consumo externo como para o interno. É claro que o Irã não espera que Europa e EUA ignorem que os generais deram suporte ao massacre cometido pelo Hamas em 7 de outubro bem como ao Hezbollah, e por isso Israel os eliminou. Isso não importa.

O que importa, para o Irã, é convencê-los de que a ação de Israel significa para eles uma declaração de guerra. Como isso foi feito?

Inicialmente, com uma declaração pública. Quando os iranianos declararam em público que a morte dos generais era uma declaração de guerra da parte de Israel, o discurso tem uma função tripla. Em primeiro lugar, para consumo interno, como uma demonstração de força e orgulho para os apoiadores. Em segundo lugar, para os outros países do Oriente Médio, como um modo de projetar força ao dizer que estão dispostos a iniciar uma guerra com Israel. E, finalmente, para tentar persuadir EUA e Europa de irão abrir um confronto grande no Oriente Médio.

 

5 – Quem vai pagar para ver?

Na mentalidade do Oriente Médio, seja em briga entre famílias, grupos ou países, sempre há os seguintes elementos em jogo: 

  1. O poder que você tem
  2. O poder que seu inimigo acha que você tem
  3. O poder que você está disposto a usar
  4. O poder que seu inimigo acha que você está disposto a usar
  5. O que você diz freqüentemente não é o que você tem intenção de fazer

Conscientemente ou não, as tomadas de decisão sempre acontecem depois que sejam levados em consideração esses elementos, bem como as conseqüências de tomar uma decisão errada. Vou trazer dois exemplos para ilustrar o que digo. O primeiro, quando Barack Hussein Obama disse para Bashar Assad que era uma linha vermelha possuir armas químicas. Que foi ignorada. Depois, outra linha vermelha, que era usar armas químicas. Que, igualmente, foi ignorada. Depois, usar armas químicas em civis. Que também foi ignorada. A leitura de Assad foi que não obstante o fato de que Hussein Obama estava à frente do exército mais poderoso do mundo, seu discurso de que tais atos seriam uma linha vermelha não estavam acompanhados do desejo de usar seu poder caso elas fossem ignoradas. E, por isso mesmo, Assad as ignorou.

Um segundo exemplo, foi logo após Trump assumir o poder: o Irã atacar uma base americana no Iraque. Uma vez que ninguém duvida do poder do exército americano, o ataque nada mais era do que um teste para ver se a volição de Donald Trump estava pari passu com seu discurso. Como eu afirmei aqui no Brasil Sem Medo, Trump matou o segundo homem mais importante do Irã e, durante os quatro anos de Trump, o Irã não fez nenhuma ação direta. Para obter a informação de que Trump estava sim disposto a agir, eles perderam seu general mais importante.

Voltando para o presente, a leitura do Irã é a de que nem Joe Biden e nem a Europa estão dispostos a aceitar um conflito no Oriente Médio. E, mais importante, estão dispostos a oferecer concessões para que não haja um.

Do ponto de vista americano, estourar um conflito de maiores proporções seria desastroso. É ano de eleições, Joe Biden tem um histórico péssimo na política externa, começando pelo desastre na retirada das tropas no Afeganistão e da situação em Gaza. Um conflito de maiores proporções faria Joe Biden parecer mais fraco do que já é diante de seu oponente político que, quando presidente, segurou o Irã e ainda costurou um acordo de paz inédito entre árabes e israelenses.

Do ponto de vista europeu, uma guerra de maiores proporções seria, por um lado um desastre financeiro, tanto econômico quanto geopolítico. Desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, o preço de commodities subiu e, além disso, há freqüentes de atrasos no transporte, em especial de e para países do Leste Europeu, mais próximos da Rússia. O Irã pioraria a situação enormemente se causasse o fechamento do Estreito de Hormuz, por onde passa perto de um quinto do petróleo mundial. Além disso, um conflito aberto em que o Irã participasse iria fortalecer a ligação entre Rússia, China e Irã.

A pergunta que o Irã faz é: Quanto EUA e Europa estão dispostos a conceder para que não haja uma guerra?

É inegável que uma guerra seria bastante prejudicial ao Irã. Sua economia iria sofrer e, naturalmente, sua população também. Isso iria aumentar as chances de reações populares. Porém, com um regime que funciona como uma ditadura e com o refresco financeiro que os últimos anos de Biden e Europa deram para ele, bem como o influxo de caixa que vem da China e da Rússia, em especial depois do início da guerra da Ucrânia, o Irã se coloca em uma posição que projeta a mensagem de que eles estão dispostos a arcar com essas conseqüências.

A questão, portanto, se torna: Quem vai pagar para ver?

 

6 – Concessões para o Irã

Diante dessa situação, o que o Irã poderia exigir? As apostas mais certas são:

  1. Acordos financeiros, principalmente envolvendo o desbloqueio de dinheiro. Uma concessão fácil de ser negociada, desde que seja possível fazê-lo sem muito alarde político.
  2. Concessões com relação a Israel, seja no discurso, seja em votações internacionais.
  3. Concessões com relação a ação de Israel e outros países do Oriente Média com relação a questões que vão contra aos interesses iranianos.
  4. Aceitar o fato de que Israel será atacada, não fazer nada de concreto quanto a isso e exercer a maior pressão possível para que Israel também não faça.

Esses elementos não foram escolhidos a esmo. O que eu escrevi sobre o Ciro II de Xenofonte se aplica muito bem aqui: TODOS esses pontos são questões que possuem uma boa intercessão de interesses mútuos.

Acordos financeiros são, em tese, mais benéficos somente para o Irã do que para quem está dando dinheiro para o Irã. Mas, em se tratando de Estados e dinheiro, em toda situação há um meio de fazê-la útil. Seja para agradar lobistas, seja para agradar algum setor político. Por exemplo, há uma ala do setor de inteligência que acredita que o Oriente Médio deveria ter um Irã mais forte como um equilíbrio em relação a Israel e às nações sunitas para que os iranianos não fiquem dependentes somente da Rússia e, assim, o Ocidente possa manter algum grau de influência sobre eles.

Com relação ao discurso e à influência nas ações de outros países, vale o mesmo acima. O Partido Democrata, por exemplo, cada vez mais se coloca abertamente anti-Israel e é fácil encontrar pontos do discurso que serão bem recebidos pela militância jovem. Nos Estados Unidos, o voto é um direito e não uma obrigação, como no Brasil. E, a capacidade de motivar o eleitor de sair e votar, em especial os jovens, é algo que pode fazer a diferença entre ganhar e perder. Nos democratas, os jovens representam o grupo com a visão anti-Israel mais forte.

Finalmente, pressionar para que Israel não reaja é algo que se encontra diretamente no interesse de EUA e Europa.

Por fim, vale notar que tanto EUA quanto Europa também enfrentarão opositores internos que irão exigir algum tipo de medida como protesto ao que o Irã fez. Irão fazer cartas de repúdio, anunciar alguma sanção que se mostrará irrelevante e o jogue continua.

 

7 – Benefícios para o Irã

Diante do exposto acima, alguém poderia perguntar qual é a lógica do ponto de vista do Irã de fazer um ataque anunciado e sem uma capacidade destrutiva e se não seria mais eficiente conseguir mais concessões de EUA e Europa para não fazer ataque algum. Eis, portanto, os motivos pelos quais o Irã tem interesse em fazer este tipo de ataque:

 

I – Interesse militar imediato

O ataque do Irã mobilizou Israel inteira. Reservistas chamados de emergência, toda a força aérea em alerta, a população correndo para abrigos, o modo que a força aérea e o sistema de defesa reagem e tudo mais envolvendo Israel em uma situação de ataque.

Além da informação sobre a movimentação civil e militar, há um teste prático que toca à economia da guerra. Estima-se que Israel gastou, no total, entre 500 milhões e 1,5 bilhões de dólares somente na noite do ataque iraniano. Os gastos do Irã foram certamente muito menores. O preço aproximado de custo de um drone iraniano é de 50 mil dólares, ao passo que o sistema Iron Dome, que é o mais barato e mais simples, tem um custo três vezes maior por míssil. 


II – Informação para China e Rússia

As informações não são valorosas somente para o Irã. Rússia e China certamente têm interesse em todo o processo e em particular como Estados Unidos e Europa agiram em conjunto. A informação é bastante relevante uma vez que a Rússia se encontra em um embate com o resto da Europa e a China está esperando o momento adequado para invadir Taiwan. Não há dúvidas que o ataque do Irã serviu para forçar certas situações de reação e, com isso, ser um dado muito importante para a capacidade do Ocidente de se mobilizar.

Vale ainda notar que o Irã vende seus drones, por aproximadamente 350 mil dólares a unidade, diminuindo o preço em função da quantidade. A Rússia fez um acordo com os iranianos para adquirir 6 mil unidades e o ataque serve como uma demonstração do que os drones podem fazer.


III – Informação sobre países árabes que abriram espaço

Países árabes que estão mais próximos de Israel e são inimigos do Irã, mais notadamente a Jordânia, abriram seu espaço aéreo para a intercepção do ataque. Ver na prática o grau de cooperação que há entre países inimigos com Israel e o Ocidente também serve para o Irã moldar sua política externa no futuro próximo.


IV – Saída de Gaza de Israel total ou parcial

Apesar do ataque de 7 de outubro ter sido, depois do holocausto, o dia em que mais se matou judeus na história contemporânea, as promessas de Netanyahu em lutar até acabar com os terroristas não é levada a sério nem pelos países árabes e nem mesmo internamente em Israel pela direita. Netanyahu, ao longo de sua longa carreira política, sempre nomeou pessoas com uma visão que variam entre a esquerda e o centro-esquerda para todas as altas funções do setor de segurança. Seja o comandante central do Exército, seja os comandantes das áreas sul e norte, seja o chefe de polícia, sejam os diretores do Shabak e do Mossad. O establishment de segurança inteiro tem uma visão de mundo mais alinhada com a esquerda, assim como o próprio Netanyahu. Já escrevi sobre isso em outros artigos e não irei me alongar no assunto.

A pressão externa, tanto política quanto da máquina da propaganda ideológica da grande mídia, já indica que o ímpeto para resolver os problemas em Gaza está cada vez mais diminuto. Pouco antes do ataque do Irã, Israel saiu de Khan Yunis, Israel mudou o gerenciamento em Gaza e, agora, já anunciou um adiamento indeterminado na entrada de Rafah, local onde estão concentrados muitos agentes do Hamas, túneis e grande quantidade de armas.

A tensão com o Irã se soma a uma pressão ainda maior dos Estados Unidos e Europa para que Israel cesse as operações de maior porte em Gaza, necessárias o quanto sejam.


V – Forçar Israel a não retaliar

A escolha do momento para atacar Israel e o modo de ataque foi ideal para o Irã. O fato de que ninguém morreu, que “somente” duas crianças ficaram gravemente feridas, junto com todo o contexto que eu acabei de expor faz que a decisão de pressionar Israel para que não faça uma retaliação de grandes proporções seja muito grande.

Israel irá retaliar com alguém ataque pontual ou sabotagem, possivelmente usando agentes externos. É um preço que o Irã está disposto a pagar de bom grado.


VI – Mover o que é aceitável sobre atacar Israel

Logo após o ataque, até mesmo antes de todos os drones e mísseis terem sido abatidos, o Irã declarou que o ataque estava concluído, que era um alerta para que Israel nunca mais fizesse algo similar, senão...

É propaganda para consumo interno, que permite que o ataque seja vendido como uma demonstração de força do Irã, mas também para forçar os outros países a levar em conta a narrativa iraniana. Isto é, continuar ignorando o apoio ostensivo aos grupos terroristas, seja em Israel, seja no Oriente Médio, e sempre se escandalizar toda vez que alguém tente fazer alguma coisa.

Quando Trump matou Qasem Suleimani, a velha mídia internacional, como profetas do Baal, anunciava a terceira guerra mundial. A premissa era que a bases americanas poderiam ser atacadas, mas os americanos não poderiam reagir.

Israel sofreu um ataque direto, mas já foi avisada que não terá apoio algum para reagir. Netanyahu, os generais do exército com poder de decisão e o gabinete de guerra da coalizão não farão uma reação devida. Por exemplo, Israel poderia usar sua força aérea para destruir o máximo possível de reservas de petróleo do Irã.

Não reagir ou reagir um ataque com mísseis e drones contra os civis do país de forma nanica irá mover a janela do Overton sobre o que é aceitável que Israel e seus moradores tenham que aceitar.

Até antes de 7 de outubro, já era aceitável que moradores perto de Gaza e do Norte recebessem mísseis na cabeça de tempos em tempos, desde que não matassem muitas pessoas e “apenas” traumatizassem 25% das crianças dessas regiões.

O fiasco da reação do 7 de outubro deixou claro que o sangue judeu é barato pois, apesar de haver alguma retaliação, todos os elementos para que o ataque se repita – como aliás foi prometido – estão presentes.

Sem uma reação realmente dura, será aceitável um ataque direto a Israel, desde que não mate muita gente. Para que ninguém tenha dúvidas, veja na foto abaixo um exemplo de míssil que o Irã usou para atacar os civis israelenses.

 

 

Exige-se que Israel aceite isso e reaja “só um pouquinho”. Em qualquer outro país normal, mísseis lançados durante toda uma noite contra seus civis, seria uma declaração de guerra sem volta.

 

VII – Propaganda e os falsos profetas

Finalmente, o Irã sairá mais fortalecido. Parte da velha mídia já disse com todas as letras que o Irã retaliou um ataque de Israel aos seus diplomatas. Isso é, naturalmente, inverter os fatos. Mas, assim como os modernos profetas do Baal, que eram uma espécie de imbecil coletivo da Mesopotâmia Antiga, se juntam e enganam os outros, a narrativa anti-Israel ficará ainda mais forte.

Qualquer revide mínimo será tratado como um ato de agressão de Israel.  Se não houver revide algum, as atenções se voltarão para Gaza, com Israel sendo colocada em uma posição de ainda mais fraqueza perante o mundo. EUA e Europa tentarão pressionar Israel a dar, ou pelo menos indicar, uma “solução” para Gaza que possa ser anunciada como uma vitória diplomática.

Se Israel se recusar a isso e, como conseqüência, prejudicar os democratas, ataques da grande mídia serão renovados com uma agressividade muito maior. Se Israel ceder, terá sacrificado seus próprios cidadãos para criar condições de um outro massacre. Mas este é um outro assunto.

 

8 – Conclusão da análise

Para quem acompanhou até aqui, não há como concluir de outra forma: o ataque do Irã foi um grande sucesso. Fiz a análise abordando a perspectiva do Irã e me valendo de três premissas estratégicas que anunciei no início do texto: duas que são idéias clássicas na estratégia militar e outra que é parte da cultura do Oriente Médio e em particular da persa/iraniana. O que fiz não foi nada além de partir das premissas, fazer algumas perguntas corretas e ir seguindo as conseqüências necessárias de cada resposta.  

 

9 – Torcedores e não analistas: como não fazer uma análise

Sempre que fazemos qualquer tipo de análise, temos que nos refrear a reagir de modo impulsivo pois descrever uma realidade é muito diferente de projetar nossos desejos. Reagir em função das emoções que um acontecimento nos desperta é abdicar da função de analista e se transformar em um torcedor que, irremediavelmente ignorante, acabará por espalhar sua ignorância para quem o ouça.

Para o presente caso do ataque do Irã, tomemos exemplo o que disse o Sr. André Lajst, representante da StandWithUs Brasil, organização que se propõe ensinar pessoas sobre Israel:

 

 

Por favor, ignorem momentaneamente a gramática Paulo Freire do Sr. Lajst e se concentrem nos argumentos. Lajst vê que quase todos os mísseis e drones iranianos foram interceptados e não causaram mortes e imediatamente conclui que o Irã falhou militarmente. Em seguida, como bom torcedor, ele vibra, canta vitória e zomba o inimigo, como um iniciante no xadrez que canta vibra ao comer o cavalo do oponente sem perceber que sua rainha será comida seis jogadas depois.

Lajst pode até ser uma pessoa bem-intencionada, mas sua análise política tem a acuidade de uma toupeira míope. Cada um dos cinco pontos que Lajst trouxe não está somente errado. É o exato oposto. Parece até que Lajst tomou lições sobre o Irã com o Guga Chacrinha.

Quem quer que se disponha a fazer uma análise política precisa ter em mente a responsabilidade que está em seus ombros. Quando o professor Olavo cobrou de seus alunos um longo voto de silêncio, não foi por um esnobismo blasé ex cathedra, mas por uma profunda consciência de que um torcedor, um pseudo-analista, irá, na melhor das hipóteses obnubilar para os seus ouvintes o que está acontecendo e, na pior, será um intelectual orgânico agindo em prol do inimigo.

Termino com as palavras de Cambises para seu filho Ciro sobre a arte da estratégia e da dissuasão.

πότερον δ᾽, ἔφη ὁ Κῦρος, ἐν τούτοις μόνον ἔστι πλεονεκτεῖν ἢ καὶ ἐν ἄλλοις τισί; καὶ πολύ γε μᾶλλον, ἔφη, ὦ παῖ: ἐν τούτοις μὲν γὰρ ὡς ἐπὶ τὸ πολὺ πάντες ἰσχυρὰς φυλακὰς ποιοῦνται εἰδότες ὅτι δέονται. οἱ δ᾽ ἐξαπατῶντες τοὺς πολεμίους δύνανται καὶ θαρρῆσαι ποιήσαντες ἀφυλάκτους λαμβάνειν καὶ διῶξαι παραδόντες ἑαυτοὺς ἀτάκτους ποιῆσαι καὶ εἰς δυσχωρίαν φυγῇ ὑπαγαγόντες ἐνταῦθα ἐπιτίθεσθαι.

É possível, disse Ciro, levar vantagem sobre os inimigos somente deste modo ou, também, de outros modos?

Sem dúvida, meu filho, em outros e mais vantajosos modos, disse ele. Pois naquelas situações, normalmente, todos os homens tomam os cuidados necessários, pois sabem que devem fazê-lo. Mas, aqueles que devem enganar os inimigos podem incutir excesso de confiança no inimigo e, ao darem ao inimigo a possibilidade de perseguição, podem fazê-los ficar em desordem, conduzi-los para um terreno desfavorável pela pretensa fuga e, lá, podem se virar e atacar os inimigos.  (Xenofonte, Cyropaedia, 1.6.37 – Tradução livre minha)

  Ricardo Gancz é doutor em Filosofia, professor de Grego Clássico e Filosofia na Universidade Bar-Ilan, analista político e correspondente do BSM em Israel.

 


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