DEFESA DA VIDA

“Eles querem parar o coração dos bebês com uma injeção”

Paulo Briguet · 13 de Abril de 2024 às 08:43 ·

BSM entrevista o médico Hélio Angotti Neto, um dos membros da Câmara Técnica de Bioética do CFM, para falar sobre a resolução que proíbe o assassinato de bebês pelo método da assistolia fetal


No dia 3 de abril, o Conselho Federal de Medicina publicou uma resolução histórica proibindo a prática da assistolia fetal após a 22ª semana de gestação. Assim que a decisão do CFM veio a público, uma hoste de defensores do aborto levantou-se contra o documento: membros do Ministério Público Federal, políticos do PSOL, movimento LGBT, entidades médicas dominadas pela esquerda e, claro, os militantes da cultura da morte na mídia e nas universidades. Para falar sobre essa resolução — e sobre sua importância —, eu conversei com um dos médicos que analisaram o documento.

Hélio Angotti Neto é médico, escritor e conferencista. Autor de diversos livros — entre eles Arte Médica – de Hipócrates a Cristo, Bioética (Vida, Valor e Verdade) e A Morte da Medicina — é membro efetivo da Câmara Técnica de Bioética do CFM, presidente do Capítulo de História da Medicina da Sociedade Brasileira de Clínica Médica e professor e coordenador do Curso de Medicina do UNESC, em Colatina (ES). Foi titular de duas secretarias do Ministério da Saúde durante o governo Bolsonaro (SGTES – Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde – e SCTIE – Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos na Saúde).

Na entrevista que você vai ler a seguir, Dr. Hélio dá uma aula sobre a mais nobre das missões do médico: preservar a vida.    


Paulo Briguet: Explique para os nossos leitores o que é assistolia fetal.

Hélio Angotti Neto: A assistolia fetal consiste em matar um bebê potencialmente viável, ou seja, que teria condições de sobreviver fora do ventre materno, caso o parto seja induzido para interromper a gravidez. A resolução do Conselho Federal de Medicina, publicada há duas semanas, proíbe essa prática. Os defensores da liberação do aborto costumam falar em “interrupção de gravidez”. A partir da 22ª semana de gravidez, é possível realmente fazer a interrupção da gravidez, induzindo um parto e tendo a chance de salvar a vida da criança com um parto precoce. Mas a sanha desse povo é tão grande que, em vez de salvar a criança, eles querem injetar cloreto de potássio no coração do bebê, fazer o coração parar. Em outras palavras, querem garantir a morte de uma criança viável e depois extrair o corpo de um bebê morto do ventre da mãe. Você vai assassinar uma criança dentro do útero e depois vai fazer uma cesariana ou um parto normal de um feto morto. A coisa deixa de ser uma interrupção de gravidez e vira simplesmente um homicídio com a remoção de um cadáver na sequência. Assistolia é isso: parar o coração de uma criança que poderia nascer e viver. Em outras palavras, é intencionalmente exterminar uma criança.


Paulo Briguet: Isso é doloroso?

Hélio Angotti Neto: Há indícios fortíssimos de que o feto não apenas sente dor, como sente até mais dor do que pessoas adultas. Quando você estuda a fisiologia humana, percebe que todo ser humano passa por um processo amadurecimento do sistema nervoso central. O sistema nervoso central e periférico sofre um progressivo amadurecimento, incluindo um complexo processo de modulação da nossa percepção, refinando nossa interação com o ambiente. Atualmente temos fortes indícios de que o feto não somente reage aos estímulos e sente dor, a partir de poucas semanas, como também pode sentir uma dor incrivelmente mais intensa do que a nossa.


Paulo Briguet: Por que a resolução do CFM estabelece esse limite de 22 semanas para a proibição da assistolia fetal?

Hélio Angotti Neto: O aborto nas fases anteriores da gravidez também é um assassinato, é claro. Mas ocorre que, em torno da 22ª semana, a sobrevivência do feto se torna uma possibilidade fora do útero materno. A medicina dispõe de recursos para mantê-lo vivo fora do ventre da mãe. Hoje existem unidades de terapia intensiva neonatal, com toda a tecnologia para dar esse suporte à vida do bebê. Mas os defensores do aborto não querem apenas interromper a gravidez; eles infelizmente querem garantir que a vida do bebê seja de fato exterminada.


Paulo Briguet: Por que não há uma resolução para proibir a assistolia em qualquer período da gravidez?

Hélio Angotti Neto: Porque a assistolia não é um método aplicável nas primeiras semanas da gestação e por causa do marco temporal que é a 22ª semana em termos de potencial de vida extrauterina. No início da gravidez, o método costuma ser farmacológico ou por meio de aspiração e curetagem, que também é uma coisa horrorosa. Mas, com o bebê de 22 semanas, a aspiração não é mais aplicável e o bebê possui uma grande chance de nascer ainda viável durante a interrupção da gravidez, isto é, com potencial de sobrevida. Não há como arrancar do útero aos pedaços um bebê já formado e viável. Então, segundo os defensores da indução de assistolia fetal, mesmo após 22 semanas de gestação, é preciso ir lá, injetar uma agulha no coração do bebezinho, matar, e fazer uma indução do parto logo após. Para não se ter o incômodo de um bebê vivo, eles defendem matar o bebê às escondidas dentro do útero antes de sua expulsão.


Paulo Briguet: Você participou da elaboração da resolução do CFM sobre a assistolia fetal?

Hélio Angotti Neto: Eu tive a oportunidade de avaliar questões bioéticas relacionadas à resolução que foi publicada, na qualidade de membro da Câmara Técnica de Bioética do Conselho Federal de Medicina, juntamente com outros médicos, como o Dr. Raphael Câmara. A resolução foi proposta para regular o tema, já que algumas pessoas estavam fazendo a indução da assistolia fetal em um contexto de ausência de normatividade. Na verdade, a assistolia fetal possui analogias inevitáveis com a eutanásia ativa involuntária.


Paulo Briguet: Por quê?

Hélio Angotti Neto: É você pegar um ser humano, com claro potencial de sobrevida, e exterminar essa pessoa. Alguns chamam isso de eutanásia, mas a palavra é inadequada e não existe em nosso ordenamento legal. O nome mais correto para isso é homicídio.


Paulo Briguet: Homicídio que alguns insistem em chamar de “aborto legal”.

Hélio Angotti Neto: No meu entender não existe o “aborto legal” instituído. Existem casos, definidos em lei (estupro, risco de vida para a mãe e, mais recentemente, fetos anencéfalos), em que o aborto é feito e não há uma pena imputada. Mas vale lembrar que, mesmo quando a mulher faz um aborto na total ilegalidade, o fato é que ela de regra não é punida legalmente, porque já se considera que ela já padeceu um sofrimento terrível por causa do aborto, com todas as suas consequências físicas, morais e espirituais. É um sofrimento terrível, do qual pouco se fala. É a depressão, o suicídio, o sentimento de culpa, as hemorragias, as infecções, a infertilidade, uma série de complicações graves que são normalmente ocultadas da discussão pública.

 

Paulo Briguet: A partir do momento que o CFM publicou a resolução sobre a assistolia fetal, começaram os ataques?

Hélio Angotti Neto: Na verdade, os ataques começaram a intensificar poucos dias depois que a resolução foi tornada pública e chegou ao conhecimento da militância pró-aborto. É um lobby muito forte e muito bem pago. Essa militância diz que nós pretendemos proibir a interrupção da gravidez. Esse nem é o caso dessa resolução. A questão é proibir que se some ao ato da interrupção da gravidez um homicídio claramente doloso, intencional, premeditado e desnecessário. Mesmo aqueles que defendem o aborto não podem negar isso. Sabemos que o aborto é um procedimento invasivo que gera sofrimento e trauma. O que se afirma na presente situação é que é possível interromper uma gravidez deixando a criança viva após 22 semanas em média. Mas isso não é o suficiente para esses militantes. Eles querem a morte do bebê, fazem questão de inserir o extermínio na definição mesma da expressão “interrupção da gravidez”, que é, no fim das contas, um eufemismo.


Paulo Briguet: Os militantes gostam de usar a palavra “feto” para se referirem ao nascituro.

Hélio Angotti Neto: Podemos usar a palavra feto, não há problema. Até porque existe uma especialidade na medicina chamada medicina fetal. Há cirurgias feitas dentro do útero, inclusive com anestesia do feto – porque sabemos que o feto é um paciente e sente dor. Por isso, nós escrevemos na resolução: “É vedada ao médico a realização do procedimento de assistolia fetal, ato médico que ocasiona o feticídio, previamente aos procedimentos de interrupção da gravidez nos casos de aborto previsto em lei, ou seja, feto oriundo de estupro quando houver probabilidade de sobrevida do feto em idade gestacional acima de 22 semanas”. A assistolia fetal é um modo de abolir totalmente a chance de uma vida. Portanto, é claramente um ato maligno, um atentado contra o direito indisponível e inviolável à vida e ao preceito de que ninguém será submetido a tratamento desumano degradante. Todos os seres humanos, conforme a Declaração Universal de Direitos Humanos, são nascidos livres, iguais em dignidade e direitos. Todos têm direito à vida, liberdade e segurança. A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) afirma que cada indivíduo é uma pessoa digna de proteção desde o momento da concepção. Mas atualmente há quem defenda que nem todos os seres humanos são pessoas... Existe agora a tentativa de impor a ideia de que a vida humana só começa a partir do momento do nascimento. Isso é muito grave, é uma profunda distorção da realidade. Por outro lado, o Dicastério para a Doutrina da Fé acaba de publicar a declaração Dignitas infinita, que faz um belo resgate do conceito de dignidade humana. Quando analisávamos a resolução sobre assistolia fetal, não imaginávamos que acabaríamos tendo essa concepção da dignidade da vida humana reforçada quase que imediatamente por um documento eclesiástico. E entre os cristãos evangélicos também se vê uma profunda mobilização a favor da vida e da dignidade humana. Essa publicação recente por parte da Igreja Católica mostra que estamos no meio de um longo duelo acerca do que significa a vida humana, que dura milênios, e que não se pode nunca esmorecer na defesa da vida humana e regredir a tempos de relativismo bárbaro pré-hipocrático. É preciso sempre confirmar a real vocação humanitária da medicina e seu compromisso com o bem do paciente e com sua vida. A resolução publicada pelo Conselho Federal de Medicina é, de fato, um ato civilizatório nesse sentido.

 


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