DIÁRIO DE UM CRONISTA

Carta a um amigo na prisão

Paulo Briguet · 8 de Fevereiro de 2024 às 16:40 ·

Como previu nosso querido mestre, você está sendo acusado do crime que seus acusadores cometeram
 

Meu amigo,

Permita-me chamá-lo assim. Eu sei que nos encontramos pessoalmente poucas vezes, mas creio que nos enquadramos na definição de amizade por Sto. Tomás de Aquino: Idem velle, idem nolle. Amamos as mesmas coisas, rejeitamos as mesmas coisas. Outro motivo para tratá-lo desse modo é que, em situações como a de hoje, os anões morais costumam esquecer e rejeitar os amigos de ontem. Aceito que me chamem de tolo, mas não de canalha.

Lembro-me agora de um poema que você citou certa vez:

Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Pois a velhice deveria arder e delirar ao fim do dia;
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.

Dylan Thomas escreveu esse poema em 1951, quando enxergou no rosto do pai as sombras da morte. Hoje nós podemos ver claramente as mesmas sombras no rosto de nosso país. No entanto, a agonia de uma pessoa e a agonia de um país diferem em termos de duração. O pai do grande poeta galês morreu no dia seguinte à escrita do poema; o Brasil, ao que tudo indica, irá morrendo ainda por alguns anos, talvez décadas. Os assassinos não têm pressa.

Como previu nosso querido mestre, você está sendo acusado do crime que seus acusadores cometeram. Você sabia que o país havia sido vítima de um golpe, e procurou, na lei, algum instrumento para reverter esse golpe. Isso os homens da ditadura não podem perdoar: alguém que realmente sabe o que aconteceu e pode dizer isso às pessoas.

Há vários meses venho repetindo que o país foi vítima de um golpe revolucionário articulado em várias etapas. Como em toda revolução, existe a fase dos expurgos — e é exatamente nessa fase que estamos agora. A máquina da Revolução, a partir do instante em que entra em funcionamento, não pode parar, mesmo que seus operadores assim o desejem, o que está longe de ser o caso. Todos nós, de alguma forma, seremos atingidos por ela.

Na primeira vez em que nos encontramos, há sete anos, lembro-me de que lhe falei sobre a origem criminosa dos que hoje mandam no país. Pois então, meu amigo. Como diria Eliot, “em meu princípio está meu fim” — as sementes malditas resultaram nos frutos podres que sufocaram o Brasil. Você foi um daqueles que, a partir dos ensinamentos de nosso mestre, abriram os olhos dos brasileiros para essa terrível realidade. Por isso, eles precisam não apenas silenciá-lo, mas também destruir a sua vida, para que sirva de exemplo. Mas eles não conhecem a força de sua alma; eu conheço.

Os próximos meses serão muito difíceis para nós, que estamos aqui fora, e para você, que foi lançado nesse limbo sombrio. E, no entanto, há algo que nem todos os poderes do mundo podem evitar: Aquele que permanece e envolve todos os tempos e todos os espaços. NEle vivemos, e nos movemos, e somos. Ele é a razão e a garantia da nossa liberdade.

Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM.

 


"Por apenas R$ 12/mês você acessa o conteúdo exclusivo do Brasil Sem Medo e financia o jornalismo sério, independente e alinhado com os seus valores. Torne-se membro assinante agora mesmo!"



ARTIGOS RELACIONADOS