Bandido bom é bandido salvo
As verdadeiras palavras do soldado romano que contemplou o Cristo crucificado
Entendi perfeitamente o que o grupelho do Boulos quis dizer com o meme publicado na Sexta-Feira da Paixão (para quem não viu, está aqui). Por muitos anos eu fui militante esquerdista e sei como esse pessoal pensa e age. No presente caso, eles utilizaram uma frase costumeiramente atribuída à direita conservadora, colocaram-na na boca dos soldados romanos que crucificaram Cristo e contam com a reação dos adversários para ganhar engajamento nas redes sociais. Trata-se de um truque velho e manjado, mas nem por isso menos sujo. É preciso estar mergulhado em uma terrível escuridão da alma para utilizar o momento mais solene e doloroso do Cristianismo como forma de atacar os próprios cristãos. Como diz um querido amigo, o escritor Luiz Carreira, estamos doentes de política. Resta provado, mais uma vez, que a esquerda não é uma ideologia, mas uma doença da alma.
Com a frase “Bandido bom é bandido morto” pronunciada por um militar romano, diante do corpo de Jesus crucificado, a claque do Boulos quer, de maneira nada sutil, transmitir a ideia de que seus adversários políticos são hipócritas. O que, aliás, não deixa de ser verdade em certa medida: há muitos direitistas hipócritas. A hipocrisia, na definição atribuída a Oscar Wilde, é “o tributo que o vício paga a virtude”. Em outras palavras, o hipócrita é aquele que finge defender valores elevados. Mas, em última instância, quem precisa fingir defender determinados valores reconhece a importância desses valores. Por exemplo, o sujeito que faz a defesa da propriedade privada — um princípio cristão contemplado pela Doutrina Social da Igreja —, reconhece que ela é um bem e um direito natural. Depreende-se disso que chamar um esquerdista de hipócrita é um elogio. Os esquerdistas não reconhecem os valores mais básicos do cristianismo; eles os rejeitam por princípio. Jamais diga que um comunista de hipócrita — é como chamar um assassino de batedor de carteiras.
Mas vamos agora pensar naquele militar romano. O Evangelho de São Marcos relata as suas verdadeiras palavras diante da cruz:
Jesus deu um grande brado e expirou. O véu do templo rasgou-se então de alto a baixo em duas partes. O centurião que estava diante de Jesus, ao ver que ele tinha expirado assim, disse: Este homem era realmente o Filho de Deus. (Mc 15, 39)
O Evangelho de São Mateus acrescenta alguns detalhes à mesma cena:
De novo dando Jesus um alto brado, expirou. O véu do santuário rasgou-se em duas partes de alto a baixo, tremeu a terra, fenderam-se as rochas, abriram-se os túmulos e muitos corpos de santos, já falecidos, foram ressuscitados; e saindo dos túmulos depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos. O centurião e os que com ele guardavam a Jesus, vendo o terremoto e o que se passara, tiveram muito medo e disseram: Verdadeiramente este era o Filho de Deus. (Mt 27, 50-54)
São Lucas, que também é autor dos Atos dos Apóstolos, igualmente cita as palavras do centurião em seu Evangelho:
Jesus, clamando em alta voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. Tendo dito isto, expirou. Vendo o centurião o que acontecera, deu glória a Deus, dizendo: Realmente este homem era justo. (Lc 23, 46-47)
Por fim, o Evangelho de São João, embora não mencione as palavras do oficial romano, não diverge dos autores sinópticos:
Chegando, porém, a Jesus, como o vissem já morto, não lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e, imediatamente, saiu sangue e água. (Jo 19, 33-34)
Uma antiga tradição identifica este militar romano que abriu o lado de Jesus. Seu apelido seria Longinus (lança, em latim). É o nosso popular São Longuinho. Tendo admitido aquele homem não como bandido, mas como o Filho de Deus, Longuinho se tornou o santo que encontra as coisas que parecem perdidas. Por impossível que pareça, até mesmo a fé dos esquerdistas pode ser encontrada quando seus olhos são lavados com o sangue e a água que jorram do lado aberto de Cristo. A minha, por exemplo, eu reencontrei. Talvez por isso Longuinho seja um dos meus santos do coração.
Na Missa de Lava-Pés celebrada aqui na minha paróquia, uma das pessoas que representaram os discípulos de Cristo foi uma jovem que até pouco tempo atrás estava presa. Na Igreja, ela encontrou o perdão, a consolação e o acolhimento. Arrependeu-se de seus pecados e hoje tem uma vida nova. Aos companheiros do Boulos, quero dizer que mesmo eles podem obter o perdão pelos seus pecados. Para quem defende os valores eternos, aqueles que estão muito acima da política, bandido bom é bandido salvo. É bandido que se arrependeu. É bandido que pediu perdão. É bandido que contemplou a face da Verdade, dependurada na cruz, e disse:
— Verdadeiramente este era o Filho de Deus.
Uma feliz e santa Páscoa a todos — inclusive vocês, meus ex-companheiros.
— Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM. Autor de Nossa Senhora dos Ateus.
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