Aplausos sob a mira dos fuzis
Rosa Weber disse que ministro do STF foi aplaudido pelos prisioneiros. Algo semelhante ocorreu durante o Grande Terror de Stálin em 1938
Em sua despedida do Supremo Soviete, Rosa Weber disse que Alexandre de Moraes foi aplaudido pelos presos políticos do 8 de janeiro. A fala de Rosa me fez lembrar uma passagem do “Arquipélago Gulag”, de Aleksandr Soljenítsin. Em 1938, no auge do Grande Terror soviético, um comitê do Partido Comunista propôs uma mensagem de lealdade a Stálin. Ao final da leitura, os membros do comitê começaram a aplaudir entusiasticamente o ditador. Passaram-se três, quatro, cinco, dez minutos – e ninguém tinha a coragem de ser o primeiro a parar de aplaudir o Guia Genial dos Povos. E o motivo para isso é muito simples: os agentes da NKVD – a terrível polícia secreta comunista – estão observando tudo. Até que...
“O diretor da fábrica de papel, no décimo primeiro minuto, fingindo-se atarefado, deixa-se cair no seu lugar, no Presidium. E, oh! Maravilha! Esvaiu-se então o incontível, indescritível entusiasmo geral? De repente pararam no meio do mesmo aplauso e se sentaram todos de uma vez. Estão salvos!”
Nem todos, porém, foram salvos. Na mesma noite, o diretor da fábrica de papel foi preso e condenado a dez anos de trabalhos forçados em um campo de concentração.
O aplauso dos presos a Alexandre de Moraes pertence à mesma categoria do episódio relatado por Soljenítsin. É o aplauso dos trêmulos, dos forçados, dos escravos, dos chantageados, dos humilhados. Faz-nos pensar no conceito da Síndrome de Estocolmo, fenômeno psicológico que ocorre quando uma pessoa desenvolve uma ligação emocional com seu sequestrador ou agressor, e começa a ter sentimentos de simpatia ou até mesmo amor pelo seu algoz.
Contudo, a ministra pró-aborto foi, digamos assim, um pouco econômica com a verdade na sua fala sobre a recepção a Moraes nos calabouços de Brasília. Duas prisioneiras da Colmeia fizeram relatos muito, mas muito diferentes sobre o mesmo episódio.
Segundo uma das prisioneiras, em sua ala não houve aplauso algum a Moraes. Rosa e Moraes chegaram acompanhados por membros da Força Nacional, armados até os dentes com fuzis de grosso calibre. Durante a permanência dos ministros no local, as armas foram apontadas para as 103 mulheres apinhadas na ala com capacidade para 30 pessoas. Muitas dessas mulheres eram idosas; quase todas estavam depressivas, desnutridas e doentes.
“A última coisa que faríamos era bater palmas para o nosso algoz”, disse a presa política. “Em nossa ala, não houve aplauso, oração nem agradecimento. Ele saiu dali constrangido, em um silêncio sepulcral.”
Em outra ala da Colmeia, houve aplausos e orações. Mas, segundo uma testemunha, os aplausos de agradecimento foram feitos após uma “sugestão” de Rosa Weber, assim que Moraes terminou de dar uma aula sobre a diferença entre delitos graves e delitos leves para as prisioneiras. Sentadas no chão e trêmulas de medo, as presas se viram compelidas a aplaudir a fala de Moraes. Várias mulheres, de tão aterrorizadas, urinaram na roupa.
Uma das detentas se ajoelhou diante do ministro e pediu perdão, sacudida por tremores convulsivos. Outra prisioneira declarou:
“Meu Deus me ensinou a rezar pelos inimigos. Por isso, eu várias vezes subi ao monte para rezar pelo senhor, ministro”.
A certo ponto, outra das mulheres perguntou a Moraes:
“Ministro, o senhor explicou a diferença entre delito leve e delito grave. Mas e no caso de quem cometeu delito algum? Eu não estava em Brasília nos acontecimentos de 8 de janeiro. Cheguei de ônibus à noite, fui para o acampamento e acordei presa”.
O ministro apenas disse:
“A Justiça será feita”.
E dias depois condenou uma dona de casa a 15 anos de prisão.
– Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM. Autor dos livros O Mínimo sobre Distopias e Nossa Senhora dos Ateus.
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