O PODER DO CRIME

A quem pertence o Rio de Janeiro?

Especial para o BSM · 2 de Julho de 2024 às 16:28 ·

Diante de tanta dor, perda e desespero, essa é a pergunta que ecoa nos corações dos cariocas

Por Marcus Tavares

Na Idade Média, a Europa testemunhou muitas mudanças positivas que ajudaram na formação moral, intelectual e social do Ocidente. Uma autoridade temporal e espiritual ordenava todas as coisas, e esta autoridade estava na Igreja Católica. A liderança católica foi consolidada não por imposição, mas por um amplo conjunto de regras aplicadas com estratégia e clareza, trazendo paz e união a um continente que vivia em guerra por pequenos territórios. Antes disso, a Europa era um verdadeiro inferno na Terra, com famílias sendo expulsas de suas terras, deixando tudo para trás e entregues à própria sorte. A Igreja, no entanto, se destacava no cuidado aos desamparados e doentes, oferecendo refúgio e esperança.

Hoje, no Rio de Janeiro, vivemos um paradoxo doloroso em relação à nossa própria cultura, origens e história. Com o avanço da milícia e do tráfico por todo o estado, enfrentamos uma situação similar àquela que antecedeu a Idade Média. Famílias inteiras e comerciantes são expulsos de suas casas, trabalhos e comunidades, gerando uma sensação de insegurança social em mais da metade das comunidades cariocas. Essas áreas estão dominadas por milicianos, narcomilicianos, traficantes e narcoterroristas que aterrorizam moradores dessas regiões. Sim; o Rio de Janeiro abriga todas essas variações, além de ter virado refúgio de criminosos de outros estados.

Como relatado em artigos anteriores, a ocupação de parlamentares ligados a grupos criminosos se tornou uma triste normalidade no Rio de Janeiro. Casos como o de Marielle Franco e outros evidenciam a penetração desses grupos nas estruturas de poder. Em um estado onde a violência e a corrupção se entrelaçam, dizemos por aqui que “o Rio de Janeiro não é para amadores”. E esta semana, mais uma vez, o carioca, já anestesiado pela guerra civil em algumas comunidades, viu nos jornais um novo capítulo desse drama.

O designer de joias Tiego Silva, conhecido como TH Jóias, assumirá a vaga de Rafael Picciani na Assembleia Legislativa do Rio (ALERJ) após a morte de Otoni de Paula pai. O novo deputado foi preso pela Polícia Civil em 2017, acusado de integrar uma quadrilha de traficantes e de lavar dinheiro através de empresas do ramo de jóias. Ele também foi acusado de pagar propina a policiais militares em troca de informações privilegiadas. No processo eleitoral de 2022, Tiego Silva concorreu ao cargo de deputado enquanto apelava de uma decisão de primeira instância na Justiça do estado pelos crimes citados.

Reza uma lenda urbana que há outros como Tiego espalhados por casas legislativas em vários municípios do estado. Em várias entrevistas ao longo dos últimos anos, o traficante Fernandinho Beira-Mar relatou a força desses grupos em comunidades e afirmou que só é possível agentes do estado ou autoridades adentrarem nelas com autorização expressa dos “donos da área”. Embora os vídeos já tenham algum tempo, as figuras relatadas ainda estão no jogo político carioca e contrastam com o relatório do CNJ, que indica que após a implantação da ADPF 635, a ocupação desses grupos criminosos cresceu em média 20% no estado, chegando ao impressionante número de 116.000 "soldados" do crime organizado divididos em 1.659 localidades onde o estado perdeu acesso.

Na semana passada, assistimos ao ápice da vitória desses grupos sobre o estado, quando dois soldados do BOPE, uma das forças especiais mais bem treinadas e temidas do planeta para guerrilha urbana, foram encurralados e mortos, um no local de forma cruel por seus algozes, e outro no hospital dias depois. A morte dos sargentos Jorge Galdino da Cruz (foto) e Rafael Wolfgramm é mais um trágico episódio para deixar claro que o poder paralelo no Rio de Janeiro já não reconhece o poder estatal.

Diante de tanta dor, perda e desespero, a pergunta que ecoa nos corações dos cariocas é: a quem pertence o Rio de Janeiro? Em uma cidade onde o poder estatal se vê constantemente rendido e a segurança se torna um luxo distante, resta a esperança de que um dia a paz e a ordem possam ser restauradas. Até lá, a luta continua, e o sentimento de perda se agrava a cada nova notícia de violência e corrupção que divide o poder no estado.


Marcus Tavares é empresário e cidadão carioca. Foi colunista da Tribuna Diária.

 


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