APAGAMENTO DA HISTÓRIA

S. Maximiliano Kolbe é expulso de Museu da 2ª Guerra na Polônia

Paulo Briguet · 3 de Julho de 2024 às 14:46 ·

Santo de Auschwitz, família de mártires e herói que combateu nazistas e comunistas são retirados de exposição permanente por novo diretor do museu; católicos protestam

São Maximiliano Kolbe, os mártires da família Ulma e o capitão Witold Pilecki não têm mais lugar no Museu da Segunda Guerra Mundial, em Gdansk, na Polônia. A decisão de remover os heróis poloneses da exposição permanente aberta ao público partiu do atual diretor do museu, o historiador Rafal Wnuk, e motivou protestos da comunidade católica no último fim de semana.

Mas quem são os heróis expulsos do Museu da Segunda Guerra?
 

O santo de Auschwitz

O frei polonês Maximiliano Maria Kolbe (1894-1941) é um dos santos católicos mais importantes de nossa era. Entrou para o seminário franciscano com apenas 13 anos. Adotou o nome de Maximiliano Maria Kolbe e tornou-se sacerdote ainda muito jovem. Criou um apostolado mariano intitulado “Milícia da Imaculada”, que existe até hoje em vários países, inclusive o Brasil. Kolbe era um talentoso jornalista. Para divulgar a fé católica entre o maior número de pessoas, fundou um jornal — o “Cavaleiro da Imaculada” — que chegou à incrível tiragem de um milhão de exemplares. Com espírito empreendedor, construiu perto de Varsóvia, a capital polonesa, uma sede apostólica denominada Niepokalanów — a Cidade de Maria. Lá funcionavam a redação do jornal e de mais 17 publicações menores, além de uma estação de rádio. Nos anos 30, Maximiliano Kolbe levou seu apostolado para o Japão, criando, na cidade de Nagazaki, o Mugenzai-no-sono — Jardim da Imaculada. Em agosto de 1945, quando os americanos lançaram a bomba atômica sobre Nagazaki, o convento franciscano erguido por Kolbe permaneceu em pé. A história mais conhecida de Kolbe, no entanto, está relacionada àquela coroa de rosas vermelhas. Em 1941, ele foi preso pela Gestapo e levado ao campo de concentração de Auschwitz, situado em território polonês. Os nacional-socialistas consideram seu trabalho profundamente subversivo e perigoso para o regime. Em julho do mesmo ano, em punição pela fuga de um prisioneiro, os nazistas “sortearam” dez pessoas para morrer de fome e sede numa cela. Kolbe, que não estava entre os escolhidos, ofereceu-me para morrer no lugar de um operário que tinha mulher e filhos. Maximiliano Maria Kolbe foi canonizado em outubro de 1982, na Praça de São Pedro, por um conterrâneo, o Papa João Paulo II. Entre a multidão que acompanhou a cerimônia, estava Franciszek Gajowniczek, o operário cuja vida foi salva pelo santo. Por suas qualidades heróicas, São Maximiliano Kolbe foi escolhido como santo padroeiro do BSM.


O polonês sem medo

Witold Pilecki (1901-1948), nascido em Olonets, no antigo Império Russo, foi um herói polonês cujas ações durante a Segunda Guerra Mundial são amplamente reconhecidas. Durante a Segunda Guerra Mundial, Pilecki se destacou por suas ações no campo de concentração de Auschwitz. Voluntariou-se para ser preso e enviado ao campo para coletar informações de inteligência e organizar um movimento de resistência. Dentro de Auschwitz, ele formou uma rede clandestina, distribuiu alimentos extras aos prisioneiros e conseguiu informações valiosas que foram enviadas aos Aliados. Suas ações e relatórios detalharam as atrocidades nazistas no campo. Pilecki escapou de Auschwitz em 1943 e continuou sua luta contra os nazistas, participando da Revolta de Varsóvia em 1944. Após a guerra, ele permaneceu leal ao governo polonês no exílio e foi preso pelo regime comunista em 1947, acusado de espionagem para a inteligência britânica. Após um julgamento de fachada, ele foi executado em 1948. Pilecki é lembrado como um dos maiores heróis de guerra da Polônia, símbolo de coragem e humanidade.


Os samaritanos de Markowa

Em 24 de março de 1944, a família Ulma enfrentou um trágico destino nas mãos dos nazistas. Na madrugada daquela sexta-feira da Quaresma, por volta das 5 horas da manhã, um grupo de policiais nacional-socialistas, liderados pelo tenente Eilert Dieken, invadiu a casa dos Ulma na aldeia de Markowa, próxima à fronteira entre Polônia e Ucrânia. A denúncia de que Joséf e Wiktoria Ulma, agricultores católicos, estavam escondendo duas famílias judias em sua casa era verdadeira. Desde 1942, proteger judeus na Polônia ocupada pelos nazistas era crime punível com a morte. Os Ulma abrigavam oito judeus: Saul Goldman e seus quatro filhos adultos, Lea Didler, Golda Grünfeld e sua filha. Todos foram mortos pelos nazistas. Os Ulma foram então levados para fora de sua casa. O tenente Dieken, segurando uma arma, ordenou que vizinhos testemunhassem o destino dos Ulma. Joséf e Wiktoria foram assassinados na frente de seus seis filhos, que também foram executados um a um: Stanislawa (7 anos), Barbara (6 anos), Wladyslaw (5 anos), Franciszka (4 anos), Antoni (3 anos) e Maria (1 ano). Naquele dia, 17 pessoas morreram, incluindo Wiktoria, grávida de 9 meses. Em 17 de dezembro de 2022, o Papa Francisco anunciou a beatificação dos nove membros da família Ulma, a primeira vez que uma família inteira seria beatificada, incluindo o bebê no ventre de Wiktoria. Chamados de "os samaritanos de Ulma", eles são considerados heróis entre os católicos poloneses. Segundo o Padre Witold Burla, postulador da causa de beatificação, Joséf e Wiktoria exemplificaram coragem, fé e amor ao próximo, acolhendo os judeus durante um ano e meio antes de serem denunciados. Em 1995, o governo de Israel incluiu Joséf e Wiktoria na lista dos Justos Entre as Nações, honrando aqueles que protegeram judeus durante a perseguição nazista. Padre Witold explica que até mesmo o bebê não nascido pode ser considerado mártir da fé em Cristo, refletindo um martírio que ainda atinge crianças não nascidas hoje. A família Ulma representa um exemplo profundo de sacrifício e humanidade em tempos de extrema adversidade.


Protestos

A remoção dos heróis poloneses pelo diretor do Museu da Segunda Guerra imediatamente causou protestos. No último fim de semana, centenas de manifestantes se reuniram em Gdansk, Varsóvia e Markowa para exigir a volta dos heróis à exposição permanente. Um dos manifestantes era o presidente do Instituto da Memória Nacional da Polônia, Karol Nawrocki.

— Não existe história da Segunda Guerra Mundial sem esses heróis. — disse o Dr. Nawrocki. — Seus rostos, suas escolhas e suas biografia são a imagem de uma comunidade nacional pronta para o sacrifício. Suas vidas nos gritam hoje que existem valores pelos quais vale a pena lutar, vale a pena viver e vale a pena morrer.

Entre os manifestantes, o clima era de indignação. A Rádio Maryja de Gdansk selecionou algumas frases ouvidas durante o protesto:

— Retirar nossos heróis da exposição é simplesmente um insulto contra os poloneses.

— Não consigo imaginar que essas figuras estejam faltando em um Museu da Segunda Guerra.

— Esse é um exemplo da luta contra o cristianismo e o patriotismo.

O presidente do partido conservador Lei e Justiça, Jaroslaw Kaczynski — que serviu como Primeiro-Ministro da Polônia de julho de 2006 a novembro de 2007 —, afirmou que a retirada dos heróis da exposição permanente é uma tentativa de reescrever a história para convencer as pessoas de que a Polônia é uma nação inferior às outras:

— Essa é uma tentativa de fazer com que a nossa nação deixe de se orgulhar de si mesma e de seus heróis.

 


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