70 anos após a morte de Vargas, seu legado vive no que há de pior na política brasileira
Getúlio deu cabo da própria vida em 24 de agosto de 1954 dizendo que saia da vida para entrar na história. Hoje, da pior maneira possível, sabemos que ele estava certo
Nos anais da política brasileira dificilmente encontraremos dois personagens como Getúlio Vargas e Luiz Inácio Lula da Silva, dois vultos tão facilmente comparáveis e cheios de semelhanças, mas, curiosamente, tratados como se fossem de espectros eleitorais opostos.
É inegável que Vargas ainda é visto como um excelente presidente por muita gente que arroga simpatizar com a Direita. Lula, por outro lado, é a própria Esquerda e a Esquerda é Lula.
Mas, para pontuarmos como isso é insensato, precisamos lembrar que o próprio Lula é um admirador confesso de Vargas, e que Vargas foi um ditador.
De passagem pelo Rio Grande do Norte em 24 de agosto de 2021, em pré-campanha eleitoral, Lula afirmou, em tom de lamento, que o legado deixado por Getúlio Vargas no Brasil está sendo destruído.
“Hoje o trabalhador às vezes pensa que é microempreendedor, ele quase voltou a ser escravo. Não tem mais férias, não tem 13º salário, se ele se machucar não tem auxílio saúde (...) É importante recordar a ousadia e o compromisso de Getúlio com a soberania nacional” – Lula.
O petista do ABC e o ditador gaúcho compartilham uma trajetória marcada pelo discurso populista, gozando de uma das proezas mais absurdas que política eleitoral é capaz produzir: uma empatia com o povão capaz de fazer o brasileiro pobre caboclo mediano crer que aqueles velhos brancos ricos magnatas são “gente como a gente”. E nesse aspecto, nem Bolsonaro fica de fora.
Mas em contraste com os afagos verbais aos pobres, as ações concretas de seus governos beneficiaram amplamente as elites — Vargas e a oligarquia latifundiária paulista, e Lula com seus amigos banqueiros — e deixaram-nos como herança um estado gigante com uma burocracia arquitetada para controlar as massas, sempre em consórcio com a imprensa.
Apesar das semelhanças em seus métodos de atuação, existem diferenças essenciais em suas personalidades e motivações.
Getúlio Vargas foi um líder que não hesitou em usar de violência e repressão, construiu um legado autoritário que se estendeu além de sua morte. Um psicopata frio que não pensou duas vezes antes deportar para a Alemanha nazista uma judia grávida.
Lula, por outro lado, é o psicopata alegre, falastrão, jocoso, que apesar de não ter recorrido os extremos como Vargas, lamenta não ter sido mais duro, sugerindo que seu “psicopata alegre interior” esconde um desejo de poder ainda não completamente satisfeito.
Ambos representam, de maneiras diferentes, a face nefasta da política quando ela se torna um fim em si mesma, desconectada de qualquer fim real e publicamente benéfico.
Vargas fundou dois partidos ao mesmo tempo em 1945, o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e o PSD (Partido Social Democrata). O primeiro declarava-se de centro-esquerda e era o braço varguista pra chegar aos pobres, o segundo se identificava como um partido de centro e mirava substituir as velhas oligarquias do interior por membros da elite do Estado Novo pois, oficialmente, o PSD foi fundado não por Vargas em pessoa, mas pelos interventores nomeados por ele no Estado Novo.
Dessa maneira, ele criou uma rede de alianças que lhe permitiu dominar o cenário político brasileiro por décadas, operando com a tática de "pressão de cima e pressão de baixo". Essa estratégia encontra eco nas alianças forjadas por Lula, que, em sua era de governo, manteve um pacto implícito com as elites financeiras, ao mesmo tempo em que se apresentava como o líder dos desfavorecidos, além de sua participação na estratégia das tesouras com o PSDB.
Contudo, as diferenças entre ambos são notáveis. Getúlio Vargas, o psicopata sanguinário que usava a força bruta para eliminar seus opositores e garantir sua perpetuação no poder cometeu suicídio como um ato calculado, que serviu para consolidar ainda mais seu legado, tornando-se um mártir aos olhos de seus seguidores e garantindo que seu projeto político continuasse a influenciar o Brasil mesmo após sua morte.
Lula, por outro lado, nosso “psicopata alegre”, cuja trajetória, embora marcada por manipulações e conchavos, ao menos ainda não recorreu à violência direta. Até onde Lula estaria disposto a ir para garantir o poder?
Seria que a sua entrega voluntaria à prisão em abril de 2018 uma tentativa de emular o “martírio” de Vargas de 70 anos atrás?
A comparação entre Vargas e Lula nos faz refletir sobre a perpetuação de uma tradição política brasileira, onde a esquerda mantém vivo o legado getulista, utilizando a aliança entre PT e PSDB como uma forma moderna de bipartidarismo que assegura a sobrevivência de ambos no cenário político. Essa dinâmica escancara — para aqueles que tem olhos para ver — um jogo de poder onde as ideologias são meros acessórios retóricos frente à busca incessante pelo controle do Estado e dos recursos públicos.
Uma ressalva importante nessa comparação é que Lula vê a si como um novo Getúlio, como um fundador de um novo Brasil, o que não poderia ser mais falso. Lula se destacou pela habilidade em cooptar movimentos sociais e sindicatos, transformando-os em extensões de seu projeto político, mas foi incapaz de fundar qualquer coisa — nem mesmo o PT foi fruto de seu intelecto, sendo apenas uma consequência da perpetuação do varguismo na política nacional. Lula não é um novo Vargas, é uma consequência de Vargas.
Política, segundo a pior perspectiva, diz respeito a controle — controle das ações, das narrativas e, em última instância, das pessoas. Getúlio Vargas e Lula exemplificam essa perversão da política, onde o poder é buscado por si só, sem qualquer consideração pelo bem público, pela ordem ou qualquer outro fator que não coadune com uma tirania.
A política não pode ser um campo de debate sobre valores e princípios, ela deve ser sempre um campo de ação. Entretanto, quando as ações dos políticos deixam de ser pautadas pelos valores e princípios debatidos pelos pensadores e intelectuais, é inevitável que ela descambe para um jogo de interesses, onde a vitória é determinada pelo controle que se exerce sobre os outros.
Essa visão reducionista da política, que ignora o papel da moral, é a maior ameaça direta à liberdade individual que pode haver. A concentração de poder, seja nas mãos de um único líder ou de uma pequena elite, é a falha nas democracias modernas que abrem portas para a tirania e a opressão.
O desafio dessa nova Direita brasileira é justamente tentar oferecer uma alternativa sólida que rejeite o autoritarismo e o populismo entranhado nas veias das raposas velhas que já se apoderaram dos partidos que prometiam ser um refúgio para essa nova geração.
E o desafio do eleitor será tentar reconhecer o perigo de líderes carismáticos que, sob a máscara de defensores do povo, buscam apenas consolidar seu domínio e, apesar de suas extensas fichas corridas, irão bater às nossas portas como recém-convertidos e conservadores de última hora, ornamentados com a grife “Bolsonaro”, que agora pertence a mais um filho da velha política do eterno Pai dos Pobres.
Sic semper tyrannis.
— Brás Oscar é escritor, jornalista e apresentador do BSM. Autor dos livros O Mínimo sobre a Queda da Europa e O Mínimo sobre Café.
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