ENTREVISTA

Presa por rezar pela vida: Isabel Vaughan-Spruce fala ao BSM

Paulo Briguet · 19 de Novembro de 2023 às 11:27 ·

Ativista pró-vida, detida pela polícia britânica quando orava silenciosamente diante de uma clínica de aborto, concede entrevista exclusiva ao Brasil Sem Medo

Em dezembro de 2022, uma cena chocou o mundo cristão: agentes policiais abordaram e prenderam uma mulher porque ela rezava silenciosamente diante de uma clínica de aborto na Inglaterra. A imagem da ativista pró-vida Isabel Vaughan-Spruce, com os olhos fechados em atitude de prece, viralizou nas redes sociais. A detenção de Isabel parecia ter saído do enredo de uma distopia literária como 1984 ou O Senhor do Mundo.

León Bloy dizia que o acaso é apenas o nome moderno do Espírito Santo. No final de outubro, meu querido amigo e colaborador do BSM, Ivan Kleber – o Lord Ivan, nosso homem em Londres – encontrou Isabel numa manifestação na capital londrina. Ivan falou a Isabel sobre a grande repercussão da sua prisão nos meios católicos e evangélicos brasileiros, e perguntou se ela estaria disposta a conceder uma entrevista ao BSM.

Nesta semana, quando recebi as respostas de Isabel, descobri que ela começou a atuar no movimento pró-vida sob inspiração de uma revista fundada por São Maximiliano Kolbe – o padroeiro do BSM! Outra “coincidência”: Isabel é xará da prima de Nossa Senhora, mãe de João Batista, o nascituro que saudou Nosso Senhor Jesus Cristo no ventre de Maria.


A seguir, você poderá conhecer mais sobre a vida, as ideias e o trabalho dessa mulher que se tornou um símbolo da luta em defesa da vida e da liberdade de pensamento em nossos tempos distópicos:

 



Por Ivan Kleber e Paulo Briguet

BSM: A sra. tem ideia do impacto que a notícia da sua detenção causou no Brasil?

Isabel Vaughan-Spruce: Não, eu não sabia o quanto essa história havia sido divulgada no Brasil, mas é muito encorajador perceber a solidariedade que existe internacionalmente não apenas entre aqueles que são pró-vida ou cristãos, mas entre as muitas pessoas de boa vontade. que reconhecem a importância de preservar as nossas liberdades básicas.

BSM: A sra. vem de uma família religiosa? De que maneira se envolveu no movimento pró-vida?

Isabel Vaughan-Spruce:
Eu sempre fui pró-vida. Acho que as crianças são naturalmente pró-vida, ainda que mais tarde venham a pensar de outro modo. A coisa mais natural do mundo é amar bebês e se preocupar com eles. Felizmente eu cresci numa família católica pró-vida. Especialmente meu pai, que nos deixou há poucos anos, era bastante pró-vida.

Eu cresci amando ler histórias da guerra e ver como a guerra trazia à tona não apenas o que havia de pior nas pessoas, mas também o que havia de melhor e heroico nelas. Isso me fez imaginar o que eu teria feito se tivesse passado por aquelas situações desafiadoras e aterrorizantes.  Esse pensamento sempre voltava à minha mente quando eu lia as histórias de guerra, até que gradualmente comecei a entender que eu estava fazendo a mim mesma a pergunta errada. A única maneira de saber “O que eu teria feito então?” era perguntar a mim mesma “O que eu estou fazendo agora?” Cada vez mais eu me dei conta da batalha espiritual que estava acontecendo e de como o aborto era uma parte fundamental disso. Se o aborto é o genocídio moderno, então eu tinha a responsabilidade pessoal em tomar parte nessa guerra.

Para começar, meu envolvimento seria através da oração, do envio de doações para organizações pró-vida e da leitura ávida de material pró-vida. Um dia, quando eu tinha 20 anos, peguei um exemplar da revista “The Crusader” (no Brasil, “O Cavaleiro da Imaculada”), uma publicação iniciada há muitos anos por São Maximiliano Kolbe, o padre morto no campo de concentração de Auschwitz, onde deu a vida por um companheiro de prisão. No final da revista havia uma seção de cartas. Li a carta de uma mulher contando que rezava na frente de uma clínica na frente de uma clínica de aborto – e o mais importante é que essa mulher deixava informações de contato para qualquer pessoa interessada em fazer a mesma coisa. Compartilhei essa informação com minha irmã e meu irmão mais novo, e depois de ligar para o número de contato, decidimos ir todos à clínica de aborto mais próxima que a mulher havia destacado para nós (a cerca de uma hora de trem do local em que morávamos) e ver se poderíamos encontrar outras pessoas que estavam orando ali.
Eu me lembro que primeiro dia na frente da clínica de aborto foi muito surreal. Vi um belo prédio antigo (o primeiro centro de aborto do Reino Unido) em uma rua arborizada numa área nobre de Birmingham – e era difícil acreditar que cerca de 10 mil crianças eram mortas todos os anos atrás daquelas paredes. Eu me senti estranhamente em paz. Obviamente, não estava em paz com o que acontecia naquela clínica, mas eu sentia que estava exatamente no lugar em que deveria estar. O que começou como uma visita única, e depois uma penitência da Quaresma, transformou-se em um compromisso para toda a vida.

BSM: A liberdade religiosa está em risco hoje no Reino Unido?

Isabel Vaughan-Spruce: A perda da liberdade religiosa no Reino Unido não é algo que possa acontecer no futuro, mas algo que já aconteceu e irá piorar, a menos que as pessoas utilizem as liberdades que ainda temos para nos manifestarmos contra isso. As “zonas de proteção” em torno dos centros de aborto não visam salvaguardar as mulheres ou os cuidados de saúde, mas sim impedir que as mulheres tenham quaisquer alternativas ao aborto que lhes sejam apresentadas, ou seja, retirar qualquer liberdade real de escolha. Com isso, impede-se também impedem que aqueles que têm preocupações sobre o aborto e como o aborto afeta as mulheres sejam capazes de oferecer ajuda e apoio ou mesmo de simplesmente ficarem de pé e rezar. Ou seja, tirando-lhes a liberdade de viver a sua fé.

As ameaças à liberdade no Reino Unido vão muito além das questões de liberdade religiosa e deveriam preocupar a todos. Se as pessoas são impedidas de rezar silenciosamente, isso significa que seus pensamentos foram censurados. O fato de que essa censura esteja sendo não apenas discutida, como também implementada, mostra que existem preconceitos profundamente arraigados em nossa sociedade.
 

BSM: Quais eram os seus pensamentos no instante em que foi abordada pelos policiais diante da clínica de aborto?

Isabel Vaughan-Spruce: Quando eu fui abordada pela polícia, experimentei sentimentos parecidos com aqueles que tive no primeiro dia em frente ao centro de abortos: a situação era surreal – que um agente policial quisesse saber o que eu estava pensando e se eu estava rezando me parecia bastante irreal. Foi só depois, quando eu mesma assisti ao vídeo, que percebi ter sido presa porque meus pensamentos estavam direcionados para Deus.  Ao longo de toda a experiência, eu senti estranhamente em paz – como no meu primeiro dia em um centro de aborto, eu sabia no meu coração que estava onde Deus queria que eu estivesse e, em última análise, era isso que realmente importava.


BSM: A sra. sabe que existe um risco de que o aborto seja liberado no Brasil, mesmo contra a vontade da maioria esmagadora da população? Que mensagem teria para os brasileiros que lutam em defesa da vida?

Isabel Vaughan-Spruce: Esta é uma situação desesperadamente triste. As leis que liberam o aborto não são realmente o que as pessoas querem, mas apenas o que aqueles que gritam mais alto apoiam. Ninguém realmente se beneficia com o aborto. Pode parecer haver benefícios temporários para os homens que desejam relacionamentos casuais com mulheres sem consequências e para aqueles que apoiam o abuso de mulheres ou menores e querem encobrir quaisquer vestígios disso, mas mesmo essas pessoas não alcançarão a felicidade ou a verdadeira paz, que é o desejo de todo coração. Mesmo que não se levasse em conta a óbvia destruição da vida humana, os danos que o aborto inflige apenas às mulheres deveriam ser suficientes para tornar qualquer pessoa pró-vida. Sabemos que, em última análise, o aborto é uma batalha espiritual e por isso somos responsáveis ​​apenas pela nossa parte na luta – deixamos o resultado final com Deus. Precisamos olhar para o que podemos fazer pessoalmente, por maior ou menor que seja nossa contribuição. É importante que ser pró-vida não se torne apenas um rótulo ou etiqueta que atribuímos a nós mesmos. Às vezes eu me coloco a questão: “Se amanhã se tornar ilegal ser pró-vida, haveria provas suficientes para me condenar?” A resposta para todos nós deveria ser “sim”. Se não for, então podemos facilmente resolver isso encontrando alguma maneira de manifestar nossas convicções pró-vida de uma maneira que seja ao mesmo tempo verdadeira e amorosa.

 

 

BSM: Em que medida a Inglaterra vive hoje uma situação semelhante à do romance 1984, de George Orwell?

Isabel Vaughan-Spruce: Eu perdi a conta das vezes em que as pessoas compartilharam comigo suas observações sobre paralelos que existem entre o romance 1984 e a atual situação na Inglaterra. Isso deveria ser um alerta tanto para o governo quanto para as forças policiais aqui no Reino Unido. Nós estamos nos tornando uma nação de pessoas que são intolerantes com opiniões e crenças diferentes das nossas, que nem sequer suportamos ouví-las serem partilhadas e muito menos permitir que as pessoas vivam de acordo com elas. Isso é sufocante para o crescimento de uma nação e dos indivíduos. Nós estamos chegando a um estágio em que só aceitamos discutir nossas diferenças em nossos próprios lares, e mesmo então temos muito medo que nossas ideias sejam repetidas para as pessoas erradas. No entanto, opiniões decentes e respeitáveis sempre resistirão a discussões acirradas – e até mesmo se beneficiarão delas.

 

BSM: Como a sra. avalia a decisão da Justiça inglesa em impedir a transferência da menina Indi Gregory e desligar os aparelhos que a mantinham viva? A cultura da morte venceu na Inglaterra?

Isabel Vaughan-Spruce: Como codiretora da Marcha pela Vida no Reino Unido, concentramo-nos apenas em questões relacionadas com o aborto, mas em caráter pessoal estou profundamente desapontada que mais uma vez a verdadeira escolha tenha sido sacrificada, uma vez que os pais de Indi foram impedidos de tentar salvar a vida de sua filha em outro país, que lhes havia oferecido ajuda. Algumas das nossas leis mais recentes são uma vergonha nacional e fazem com que o Reino Unido se torne num sinônimo de decisões de estilo totalitário e de subserviência.

 

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