CRÔNICA

O triste fim do Homem Civilizado

Renan Rovaris · 31 de Julho de 2024 às 18:15 ·

Se você não está disposto a matar, deve saber que há gente disposta a matá-lo

Há uma semana, penso incessantemente em um único assunto: a ingenuidade de criança que tem o Homem Civilizado. Como é inocente, meu Deus do céu, o Homem Civilizado!

O Homem Civilizado é pálido, de uma palidez de papel ofício; vai à missa, respeita a mãe e a mulher, obedece o patrão, pega fila, paga pelo que consome, declara o imposto de renda, lava as mãos quando vai ao banheiro, para na faixa de pedestres e — o pior de todos os defeitos! — pensa que tudo pode ser resolvido com uma conversa, uma conversa civilizada.

Outro dia, vi o Homem Civilizado ser atacado por um bárbaro enquanto andava pela rua. Não, não. Minto. Não se tratava apenas de um simples bárbaro iletrado. Quem o atacara fora a própria Anticivilização. Não pude entender bem o motivo do ataque. A Anticivilização deu-lhe um tapa ao pé do ouvido, e o Homem Civilizado tentou convencê-la de que aquele gesto cruel não cabia bem à convivência humana.

Passado o tapa, alcanço-lhe o passo e tento puxar conversa:

— Amigo, até quando você imaginará que esses homens são civilizados como você?

Ele, em sua palidez ideal, permanece calado. E percebo então que o Homem Civilizado aguenta tudo em nome da civilidade — até um injusto tapa na cara.

Insisto:

— Se você não está disposto a matar, deve saber que há gente disposta a matá-lo.

Jamais passou pelos sonhos mais perturbadores do Homem Civilizado que a humanidade vive de violência e que só há civilização em alguns poucos recantos mentais muito raros. Por isso, quando agredido pela Anticivilização, o Homem Civilizado consegue apenas expressar seu profundo espanto, sem entender por que está sendo agredido, insultado, humilhado. Quando é assassinado pela Anticivilização, o Homem Civilizado morre surpreso, estarrecido, sem entender por que foi morto; fecha os olhos questionando-se por que seu assassino não quis se sentar para uma conversa que resolveria o assunto de maneira civilizada.

E aqui está mais um erro fatal do Homem Civilizado: ele acredita no poder salvífico do voto. Pois não foi isso mesmo que fez o Homem Civilizado quando, neste último domingo, acompanhou as eleições venezuelanas? Ele, em sua ingênua civilidade, imaginando que todos os homens pensam da mesma maneira, acreditou que o voto possuía capacidades civilizatórias, o poder de transformar a Anticivilização em Civilização.

Nós somos o Homem Civilizado. Eis o nosso pior defeito.

Renan Rovaris é escritor, designer e colaborador do BSM.

 


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