SANTA CATARINA

O rabo do peixe e os barcos da China

Especial para o BSM · 10 de Junho de 2024 às 14:34 ·

Governo petista proíbe pescadores de exercerem o seu ofício, enquanto os navios pesqueiros chineses trabalham tranquilamente

Por Renan Rovaris

Eu não entendo nada sobre carros. Um amigo meu, só de bater o olho num modelo, consegue dar o ano, o tipo de motor, as características que o diferenciam dos modelos anteriores e até os detalhes da caixa de câmbio:

 — Esse é um Chevrolet não-sei-o-quê 79, que pesa só tantos quilos; é por isso que é tão rápido.

Aquilo me impressiona. Se colocarem dois carros na minha frente, o que consigo dizer sobre eles é que um é mais antigo que o outro e qual dos dois é o mais bonito. E aí acaba o meu conhecimento automobilístico.

Falo isso porque hoje, por um acaso, fui carregado para dentro de uma exposição de carros antigos aqui na minha cidade. Como somos gente do interior, qualquer coisa impressiona e nos tira de casa para descobrir como o mundo funciona. E não sei o leitor, mas eu sempre achei os carros antigos mais bonitos. Não adianta me perguntar o motivo. Não sei dizer. Podem ser as cores mais vivas, um verde-bebê, um vermelho-molho-de-tomate; as linhas onduladas; os faróis arredondados; os pneus de faixa branca; os rabos de peixe…

Mas não era bem sobre os carros que eu queria falar. Era sobre o rabo do peixe. Eis o assunto: aqui em Santa Catarina, a pesca artesanal da tainha foi suspensa pelo Governo Federal quinze dias após o início da temporada deste ano, e os pescadores da categoria de embarcações com emalhe anilhado ficaram impedidos de trabalhar porque, segundo o regime atuante, a safra já alcançou 90% da cota. Sempre as cotas! Compassivas, maternas, celestes.

Isso é para vocês ficarem sabendo que o governo petista está preocupadíssimo com o bem-estar das tainhas, que, depois do cavalo no telhado, tornaram-se o novo símbolo da boa vontade estatal para com o mundo animal. E não importa o que diga o nosso Secretário da Pesca de Santa Catarina, que criticou a falta de transparência do Ministério da Pesca do Governo Federal na tomada de decisões que afetam os catarinenses: o rabo do peixe veio antes da família do pescador.

Ainda zelando pelos direitos humanos das tainhas, que têm suas famílias desmembradas e destruídas pelas sanguinárias, perigosíssimas e artesanais redes de pesca catarinenses, o Ministério da Pesca cortou a cota de Santa Catarina pela metade no ano passado, enquanto a representante do ministério afirmou que os catarinenses estão apenas atrapalhando o Grupo de Trabalho que trata da questão.

Mas voltemos aos rabos de peixe veiculares. Para mim, que não sou lá muito velho, um Cadillac rosa-choque prova, num empirismo quase pornográfico, como este planeta já foi um lugar mais agradável aos olhos. Quem aí tem mais de cinquenta anos pode me dizer se estou errado ou não, mas eu acho que o mundo era mais bonito. O design dos carros apresentava bom-gosto artístico, só as mulheres usavam vestido, não existiam leitores faciais para entrar no prédio e o pescador catarinense podia subir no barco, jogar a rede na água e pegar quantas tainhas quisesse sem que governo algum aparecesse enchendo o saco — exatamente como ainda fazem os navios pesqueiros chineses ao longo de todo o litoral brasileiro.

Renan Rovaris é escritor e designer.

 


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