O juiz
Ele é o César, é o Czar, é o Kaiser, é o Führer de todas as causas. Ele é a mordaça, é a tornozeleira, é a guilhotina, é a delação torturada. A lei é ele.
“Tudo que existe sem o meu conhecimento existe sem o meu consentimento.”
(Juiz Holden)
“Eu sou o espírito que sempre nega.”
(Mefistófeles)
O juiz é um homem condenado.
Não tem laços, não tem vínculos,
Não tem medidas, não tem limites,
Não tem sentimentos, não tem nada.
Tudo nele está tensionado em direção
A um interesse exclusivo, um só tema,
Um só pensamento, uma só paixão — o Poder.
O juiz e o Poder formam uma coisa só.
Nas profundezas abismais do seu ser,
o juiz sabe que rompeu com todas as regras,
com todas as morais, com todos os hábitos,
com todas as razões, com todos os apelos,
tácitos ou positivos, antigos ou modernos,
divinos ou humanos. E por que isso?
Porque o juiz é aquele que pode
— Intransitivamente pode.
Tudo despreza, tudo rejeita,
Tudo escarnece, tudo sufoca.
Fatos o desmentem? Pior para os fatos.
Leis o desaprovam? Pior para as leis.
Em seu flagrante permanente e eterno,
Nunca precisa dar acesso aos autos,
Porque ele e a sentença e o processo
São a mesma pessoa: o autojuiz.
O juiz é a injeção no coração da criança
Que vive e pulsa no ventre da mãe.
O juiz é a prisão da velhinha armada
com a Bíblia e o Rosário na Praça do Poder.
O juiz é o César, é o Czar, é o Kaiser,
É o Führer de todas as causas.
O juiz é a mordaça, é a tornozeleira,
É a guilhotina, é a delação torturada.
O juiz é o crime sem castigo,
É o castigo sem crime,
É a dor do preso sem denúncia
Jogado na solitária escura,
É o fim do deputado esquecido
Na cela infestada pelos ratos.
É o sangue do pai de família
caído no pátio da prisão.
Dia e noite, um só pensamento
O move: a destruição de tudo.
A todo tempo, em todos os lugares,
Por todos os motivos, para todos os efeitos,
Acima de tudo — o juiz destrói.
Intransitivamente destrói.
Intempestivamente destrói.
Inapelavelmente destrói.
Rei dos réus, abolidor do perdão,
Escudo e espada da vingança,
Carcereiro do país inteiro,
O juiz acusa. Intransitivamente acusa.
O juiz julga. Intempestivamente julga.
O juiz condena. Inapelavelmente condena.
Pois tudo que existe merece morrer
E tudo que morre alimenta o Poder.
— Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM.
"Por apenas R$ 12/mês você acessa o conteúdo exclusivo do Brasil Sem Medo e financia o jornalismo sério, independente e alinhado com os seus valores. Torne-se membro assinante agora mesmo!"