DIÁRIO DE UM CRONISTA

O coração profundo de nós mesmos

Paulo Briguet · 30 de Julho de 2024 às 13:37 ·

O que faz um homem mudar de vida? O que faz um homem deixar uma vida de conforto, prazer e sucesso para lançar-se ao desconhecido, ao incerto, ao aparentemente impossível?

Aos 30 anos, a idade da razão, Albert Schweitzer era um modelo de homem bem-sucedido. Escritor, teólogo, filósofo, ministro evangélico, professor universitário e músico, notabilizou-se como um dos maiores intérpretes da obra de Johann Sebastian Bach para órgão. Famoso e rico, o jovem alsaciano era requisitado para se apresentar nas mais importantes salas de concerto da Europa. No entanto, numa sexta-feira, 13 de outubro de 1905, enviou uma carta para amigos e familiares comunicando-lhes que estava abandonando a carreira para entrar na faculdade de medicina. Seu objetivo era, ao final de seis anos, mudar-se para a África e construir um hospital para os pobres na floresta do Gabão. E assim ele fez, ignorando os apelos da família e dos amigos, que o consideraram louco.

O que faz um homem mudar de vida? O que faz um homem deixar uma vida de conforto, prazer e sucesso para lançar-se ao desconhecido, ao incerto, ao aparentemente impossível? Talvez a resposta para o enigma esteja em outra pergunta, formulada por Jesus Cristo: “De que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?”

Em algum momento, essas palavras do Filho de Deus ressoam dentro de nosso coração. Schweitzer viveu isso naquela sexta-feira 13; Agostinho de Hipona viveu isso aos 32 anos de idade, quando chorava debaixo de uma figueira e ouviu a voz de uma criança cantar em latim: “Pega, lê, pega, lê”. Agostinho levantou-se, abriu o primeiro livro que encontrou e leu as palavras da Carta aos Romanos: “Não andeis em orgias e bebedeiras, nem em devassidão e libertinagem, nem em rixas e ciúmes, mas vesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis satisfazer os desejos da carne”. A partir daquele momento, Agostinho iniciou a sua conversão à Igreja, da qual se tornaria bispo, doutor e santo.

Agostinho, jovem dotado de grande inteligência e carisma, poderia ter seguido uma carreira brilhante como professor de retórica e, com alguma sorte, chegar até os mais altos círculos do poder imperial em sua época. Mas preferiu abraçar uma vida de estudos, oração e castidade. Graças a homens como ele, a civilização cristã ocidental pôde ser edificada, com frutos espirituais que colhemos até hoje. Sua influência se faz sentir em toda a nossa cultura, de Boécio a Camus, de Pascal a T. S. Eliot, de Petrarca a Henry Miller. Algo do fervor místico das “Confissões” de Santo Agostinho pode ser encontrado até na obra musical de Bach, que o Dr. Albert Schweitzer continuou a tocar até o final de sua longa e bela vida, na floresta do Gabão.

Então eu me lembrei desses dois homens separados por 1.600 anos, que nos deixam um exemplo fundamental: é preciso estar atento para ouvir a voz do nosso próprio coração. Não o coração puramente romântico e sentimental, mas o coração como sede da nossa profunda consciência. Aquele coração que nos diz, de repente, a verdade sobre nós mesmos. “De que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?”

Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM.

 


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