Mauro Cid, o retorno: colaboração ou coação?
O ex-ajudante de ordens da Presidência é claramente manipulado como uma marionete, um boneco de ventríloquo encarcerado e desencarcerado conforme o desejo das autoridades
“Não sintas prazer com a violência dos injustos.”
(Eclesiástico 9,17)
“Nossa Justiça só vai funcionar quando pararem de absolver certos juízes”. [1]
Por Eduardo Cabette
Eis que retornamos ao caso de Mauro Cid e sua “colaboração premiada”.
Em 22 de março, Mauro Cid foi submetido a interrogatório no STF e preso, tendo em vista áudios divulgados nos quais apontava ilegalidades no acordo de colaboração a que foi submetido, alegando que versões sobre tudo o que dizia eram impostas pelos agentes públicos. [2]
Sabe-se que para a consecução da “colaboração” o investigado já havia permanecido preso por aproximadamente seis meses. [3]
Agora, depois de ratificar o acordo de “colaboração premiada”, ainda que não contestando a autenticidade dos áudios divulgados e, portanto, expondo grandes indícios ou mesmo certeza de involuntariedade, que vicia qualquer acordo, acaba sendo solto no dia 3 de maio, após mais de um mês de nova prisão provisória. Ademais, o acordo de “colaboração premiada” foi homologado pelo STF, naquilo que somente pode ser denominado de cegueira deliberada com relação ao requisito básico da voluntariedade obviamente inexistente no caso enfocado, mas expressamente reconhecido na decisão homologatória. [4] A respeito desse tema da ilegalidade e ilegitimidade crassas desse suposto “acordo de colaboração premiada” já publicamos trabalho específico no bojo do qual se demonstram as razões que indicam a inexistência de voluntariedade. [5] Neste novo artigo pretendemos apenas fazer uma breve nota ao deslinde já esperado do caso, que acaba confirmando o que já havíamos adiantado a respeito do tema.
Fato é que por mais que se tente apontar a presença de autoridades e defensores, diante dos conteúdos dos áudios jamais contestados, não se sustenta, de forma alguma, a voluntariedade. Resta claro e evidente que Mauro Cid é premido pelas circunstâncias a externamente (mas não subjetivamente) aceitar narrativas que lhe são impingidas pelas forças estatais. A presença de representantes dessas mesmas forças, em número excepcional no ato, não elide a coação, mas a torna mais evidente. O pobre defensor resta isolado e, conforme se sabe, vários defensores nesses casos em andamento sequer têm suas prerrogativas respeitadas e nem mesmo vistas reais dos autos conseguem obter, necessitando da interferência da OAB. [6]
Mauro Cid claramente é manipulado como uma marionete, um boneco de ventríloquo encarcerado e desencarcerado conforme o desejo das autoridades e tendo como critério sua “colaboração” ou sua eventual “rebeldia” às narrativas que, como alega ele em rara espontaneidade longe dos coatores, lhe são impingidas. Enquanto se mantém “na linha” e corrobora o que lhe é imposto, fica solto; ao menor deslize é encarcerado e se volta aos “trilhos” é novamente solto. O mecanismo ora descrito, com sua atual soltura, fica extremamente exposto e só não enxerga quem não quer ou quem “sente prazer com a violência arbitrária dos injustos”. E, infelizmente, estes são muitos, afora o fato de que os que sentem repulsa a este estado de coisas, também sofrem o constrangimento diante de possíveis represálias. Isso é plenamente visível no mundo jurídico acadêmico e profissional do seio do qual raramente surgem inquietações e críticas aos abusos reiteradamente cometidos. Não porque estas não existam, mas porque o clima, ao contrário do que disse em certa ocasião a ministra Cármen Lúcia, é de “cala boca não morreu, quem manda na sua boca sou eu”. [7]
E o Congresso Nacional? Ora, este tem sua circunstância descrita de forma impagável pelo aforismo de Carlos Castelo, com o qual encerramos nosso texto:
“Em algum lugar entre a agonia e o espasmo fica o Congresso Nacional”. [8]
Referências:
CABETTE, Eduardo. Caso Mauro Cid – Colaboração Premiada ou livre e espontânea coação? Disponível em https://brasilsemmedo.com/caso-mauro-cid-delacao-premiada-ou-livre-e-espontanea-coacao/ , acesso em 04.05.2024.
CASTELO, Carlos. Orações Insubordinadas – Aforismos de Escárnio e Maldizer. Cotia: Ateliê Editorial, 2009.
OAB atua e advogados conseguem acesso aos autos de inquérito no STF. Disponível em https://www.oab.org.br/noticia/58184/oab-atua-e-advogados-conseguem-acesso-aos-autos-de-inquerito-no-stf , acesso em 04.05.2024.
PASSOS, Gésio. Mauro Cid é preso depois de audiência no STF. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/justica/audio/2024-03/mauro-cid-e-preso-depois-de-audiencia-no-stf , acesso em 04.05.2024.
ROSA, Rovena. “Cala boca já morreu”, diz Cármen Lúcia sobre liberdade de imprensa. Disponível em https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2016/10/o-cala-boca-ja-morreu-diz-carmen-lucia-sobre-liberdade-de-imprensa-7860298.html , acesso em 04.05.2024.
STF concede liberdade provisória a Mauro Cid e mantém acordo de colaboração premiada. Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=535377&ori=1, acesso em 04.05.2024.
VIANNA, José. Veja detalhes da rotina de Mauro Cid na prisão; segunda detenção do ex – ajudante de ordens de Bolsonaro completou um mês. Disponível em https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2024/04/24/veja-detalhes-da-rotina-de-mauro-cid-na-prisao-segunda-detencao-do-ex-ajudante-de-ordens-de-bolsonaro-completou-um-mes.ghtml , acesso em 04.05.2024.
VITAL, Danilo. OAB vai ao STF por acesso a depoimentos no inquérito das fake News. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-mai-29/oab-stf-acesso-aos-autos-inquerito-fake-news/, acesso em 04.05.2024.
[1] CASTELO, Carlos. Orações Insubordinadas – Aforismos de Escárnio e Maldizer. Cotia: Ateliê Editorial, 2009, p. 160.
[2] PASSOS, Gésio. Mauro Cid é preso depois de audiência no STF. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/justica/audio/2024-03/mauro-cid-e-preso-depois-de-audiencia-no-stf , acesso em 04.05.2024.
[3] VIANNA, José. Veja detalhes da rotina de Mauro Cid na prisão; segunda detenção do ex – ajudante de ordens de Bolsonaro completou um mês. Disponível em https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2024/04/24/veja-detalhes-da-rotina-de-mauro-cid-na-prisao-segunda-detencao-do-ex-ajudante-de-ordens-de-bolsonaro-completou-um-mes.ghtml , acesso em 04.05.2024.
[4] STF concede liberdade provisória a Mauro Cid e mantém acordo de colaboração premiada. Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=535377&ori=1, acesso em 04.05.2024. Para acesso à integra da decisão: Petição 11.767 Distrito Federal. Rel. Min. Alexandre de Moraes. Disponível em https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/MAUROCIDMantemacordoeLP1.pdf , acesso em 04.05.2024.
[5] Cf. CABETTE, Eduardo. Caso Mauro Cid – Colaboração Premiada ou livre e espontânea coação? Disponível em https://brasilsemmedo.com/caso-mauro-cid-delacao-premiada-ou-livre-e-espontanea-coacao/ , acesso em 04.05.2024.
[6] VITAL, Danilo. OAB vai ao STF por acesso a depoimentos no inquérito das fake News. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-mai-29/oab-stf-acesso-aos-autos-inquerito-fake-news/, acesso em 04.05.2024. Vide também: OAB atua e advogados conseguem acesso aos autos de inquérito no STF. Disponível em https://www.oab.org.br/noticia/58184/oab-atua-e-advogados-conseguem-acesso-aos-autos-de-inquerito-no-stf , acesso em 04.05.2024.
[7] ROSA, Rovena. “O cala boca já morreu”, diz Cármen Lúcia sobre liberdade de imprensa. Disponível em https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2016/10/o-cala-boca-ja-morreu-diz-carmen-lucia-sobre-liberdade-de-imprensa-7860298.html , acesso em 04.05.2024.
[8] CASTELO, Carlos, Op. Cit., p. 147.
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