DIREITO DE NASCER

Martírio e glória dos santos inocentes

Lucas de Oliveira Fófano · 10 de Junho de 2024 às 16:43 ·

Há mais coisas entre o céu e a terra do que supunha Descartes. Uma delas é o grande cemitério das crianças não nascidas. Para onde elas vão?

Como falar de realidade que nós não podemos ver? Longe do que propõe o dualismo cartesiano, que tanto mal provocou para a fé cristã, principalmente na questão da transubstanciação, há mais coisas entre o Céu e a Terra do que supunha Descartes. Uma dessas coisas, é preciso sempre dizer, é o fenômeno dos grandes cemitérios de crianças não nascidas. Um fenômeno que deixou tantos e tantos Anjos da Guarda sem ter quem guardar.

Imaginem a cena...

Há um grandioso brilho de uma constelação. De repente, uma estrela brilha dizendo:

Senhor, hoje é o dia.

Oh! É mesmo. O que foi, meu filho?

Senhor, eu pensei que hoje ganharia minhas asas, que fosse finalmente designado ao trabalho para o qual me criou, mas meu coração está quebrado. Tudo em mim dói. Eu não consigo parar de chorar, como a Minha Senhora.

Eu sei, meu filho. Meu coração também está quebrado. Mas eu farei algo. Não deixarei que a morte vença, nunca deixarei. Não, as portas do céu triunfaram. Eu já disse isso a eles!

É então que a cena muda. Estamos num hospital, mas poderia muito bem ser um frigorífico. Há um monitor de ultrassom. Algo se move no fundo escuro. Existem duas pernas. Será que é um emaranhado de algo? Uma forma parece ser mais arredondada, talvez seja uma cabeça. Sim! Agora podemos ver. É uma pessoa. Uma criança... Ela está tentando fugir de alguma coisa. Mas do quê? Ela está no lugar mais seguro do mundo, o ventre de uma mãe. Não há o que temer. Mas ela está agitada, sabe que há algo errado pois aqui é seu lugar de calmaria, de falar com mamãe, de prepará-la para sua chegada. É então que algo claro aparece no monitor. É um objeto fino, pontiagudo e comprido. A criança se desespera, tenta se mover ainda mais, mas há pouco espaço. Ela está encurralada. É então que o objeto começa a pressionar sua pele, no peito e então o perfura. Não há mais tempo. Uma solução salina acabou de entrar em suas veias e ele grita:

Mamãe!

É então que tudo fica escuro e ouvimos uma voz:

A gestação foi interrompida com sucesso. O feto será expelido em poucas horas.

...

Veja, Senhor! O que fizeram? Não há razão para meu existir. Eles a ceifaram.

Então ele sente uma enorme pressão. É um abraço. E no meio do abraço lágrimas escorrem. Não há outro lugar em que ele gostaria de estar senão ali.

Venha, meu filho. Vamos até os portões. Pedro, o que vês?

O Sol, Senhor. Ele está irado. Eu o ouço daqui. Ele não quer mais brilhar.  E as nuvens, as águas. Tudo se agita, Senhor. Há uma tormenta. Eu pude ouvir claramente o sol desejando cair sobre a terra, o ar se negava há pouco em oferecer seu sopro para eles. A água os ameaça engolir e só estão se segurando pela aliança que o Senhor estabeleceu. Mas, veja, Senhor. Aí vem.

É então que ele sente um toque no ombro e ouve:

Pedro, deixe-A se aproximar.

Surpreso, como se já houvesse esquecido, Pedro olha para o horizonte espantado e se vira para trás. Um pranto irrompe de seu peito.

Minha Senhora!

Tudo para. Há alguém olhando para baixo. As nuvens formam uma enorme tapeçaria onde criança nenhuma pode tocar. Não! Elas não permitiriam.

Não vocês! elas dizem. Vocês não tocaram seus pés no chão, não deixaremos que nos toquem. Há leveza em vocês. Ela vos espera.

O anjo olha mais uma vez para uma grande multidão que se forma em volta dos portões. Ele distingue duas figuras ali, também em prantos. São Gianna Beretta Mola e Chiara Corbella Petrillo. Elas também são mães, ele se lembra. Morreram para que seus filhos pudessem viver. E então ele vê, há um sinal no calcanhar de sua Senhora. Será essa a ferida? Será essa a ferida predita na Queda do homem?

Uma luz intensa começa a permitir que eles a vejam. É a Senhora. A Augusta do Céu, é Ela quem está ajoelhada nos portões do Paraíso de braços abertos enquanto suspira, suspira por cada segundo em que eles demoram a chegar. O sol se acalma, as nuvens começam a mudar, os ventos param... Há apenas um brilho abaixo do céu, o brilho da luz do sol nas lágrimas daquela que tanto chora. Sim! Ela ouviu. Sim! A Santa Mãe de Deus ouviu aquele chamado...

Mamãe!

E então ele vê! Há milhares deles, carregados por nuvens e envoltos numa intensa luz. São eles, os pequenos santos inocentes indo aos braços da Divina Mãe.

Lucas Fófano é professor de filosofia, editor literário e colaborador do BSM.

 


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