Filipinas e China: tensão no mar da discórdia
Um incidente militar entre as marinhas da China e das Filipinas e acordos entre Japão e Taiwan sinalizam as novas configurações políticas no Pacífico
A guarda costeira filipina informou que no dia 30 abril dois de seus navios se envolveram num confronto com a marinha chinesa no Mar da China Meridional: navios chineses envolveram-se no que foi classificado como “manobras inseguras” no relatório dos filipinos. O evento deu-se perto das Ilhas Spratly, uma região que é alvo de disputas internacionais há anos. Aparentemente teria sido só “mais um dia normal” num mar politicamente sempre revolto, mas dessa vez há mais elementos subjacentes que pedem alguma atenção.
O contexto que dá importância a essa escaramuça é o timing do evento: em janeiro, os chineses ensaiaram uma tentativa de abertura diplomática significativa com as Filipinas, país que tradicionalmente é parte do polo de influência americana na Ásia. O presidente filipino Ferdinand Marcos Jr. aceitou o convite para se encontrar com o ditador chinês Xi Jinping no território do próprio anfitrião.
A reunião, que aparentemente correu bem, representou uma ameaça potencial para os Estados Unidos. Porém a Casa Branca afirma que concomitantemente Marcos Jr. se encontrou com o presidente dos EUA, Joe Biden, em Washington na segunda-feira seguinte à reunião com os chineses.
No fim das contas, as Filipinas tentaram, na melhor das hipóteses, buscar uma posição de neutralidade e acabaram por se colocar no meio da tensão entre a China e os Estados Unidos.
A obsessão de Pequim é garantir acesso ilimitado ao Pacífico. A China precisa manter sua posição como potência exportadora, mas a localização geográfica de Taiwan e das Filipinas torna Pequim vulnerável a um possível bloqueio dos EUA, já que Taiwan também é aliada americana.
A China se concentrou nos últimos meses em tentar forçar Taiwan a expulsar da região a Marinha dos EUA para garantir seu acesso ao Pacífico. Outra rota potencial eram os estreitos e canais que permeiam as ilhas das Filipinas, que são abundantes o suficiente para, caso os filipinos se aliassem aos chineses, dificultar o bloqueio dos EUA. Há também toda a área marítima entre Taiwan e Filipinas, que seria o ideal para os chineses, mas, para que isso fosse viável, seria necessário minar totalmente o domínio geopolítico americano em ambos os países insulares.
Os chineses provavelmente esperavam que a ameaça de guerra a Taiwan pudesse fazê-los ou abandonar a aliança com os americanos ou fazer com que os Estados Unidos se retirassem da região. Nem os taiwaneses nem os americanos cederam.
No frigir dos ovos, a China ficou com poucas opções: enfrentar uma guerra naval extremamente arriscada com os Estados Unidos por causa de Taiwan ou mudar seu foco para o sul, para as Filipinas.
Daí o motivo óbvio da reunião entre Marcos Jr. e Xi. O que não parece óbvio até agora, entretanto, é o motivo real o recuo das Filipinas. Isto é, há a hipótese do presidente filipino ter conjecturado que a manutenção dos laços com os americanos seria economicamente mais viável, além das vantagens no setor de segurança. Mas também é plausível que o “incentivo” partiu de Washington, que pode ter feito pressão e ameaças ao ponto de forçar as Filipinas a desistir da amizade colorida com os chineses.
O que é fato é que após as tratativas com Marcos Jr., o governo de Biden conseguiu ampliar seu acesso às bases militares filipinas, acordo que foi anunciado imediatamente após a visita do secretário de defesa dos EUA a Manila.
Para deixar as coisas mais complicadas para Xi, o Japão fez um movimento no tabuleiro que irritou os comunistas de Pequim. Segundo informações do portal Geopolitical Futures, Taiwan e Japão realizaram uma reunião para planejar a coordenação de suas forças de segurança caso a China ataque Taiwan. O fato de Pequim ter condenado imediatamente a reunião só serviu para deixar clara sua importância.
O Japão, como nação marítima, depende muito de acesso ao Pacífico e num cenário em que Taiwan passe a ser controlada pela China, os danos aos japoneses ultrapassariam o setor financeiro, colocando mesmo a segurança nacional em risco. As ameaças chinesas a Taiwan, em que pesem quase sempre ser exageradas, estão cada vez mais frequentes e ninguém, principalmente o Japão, quer pagar para ver.
As relações internacionais da China são marcadas pelo tom constante de ameaça e autoritarismo, logo, já era de se esperar uma postura mais agressiva nas ilhas Spratlys e o início de provocações à marinha e a guarda costeira das Filipinas.
A posição que as Filipinas tomaram agora – seja por decisão interna ou pressão externa – dificulta a vida de Xi Jinping, que provavelmente não considera uma guerra com o arquipélago guarnecido com as forças armadas dos EUA. Há, porém, uma janela de tempo de alguns meses para que toda a operação de cooperação militar realmente se efetive, o que pode ser a única oportunidade da China pôr o pé no acelerador e forçar uma postura mais agressiva com os filipinos.
Já em relação a Taiwan a conversa é outra. Há toda uma mobilização envolvendo Japão (que iniciou um processo de expansão militar), Austrália e Coreia do Sul, além dos Estados Unidos, a favor da manutenção do status quo da ilha, portanto, é improvável que a China resolva adotar uma política de pé-na-porta, ao menos neste momento.
A China tem sérios problemas internos, principalmente em relação a gestão da política externa. Embora Xi tenha praticamente um trono vitalício, ele governa sob a pressão de várias alas do Partido Comunista, que apesar de único não é perfeitamente hegemônico, já que o ônus de ser “único” o torna a única instituição política legítima em território nacional, portanto, o lugar que aglutina todos os indivíduos da elite do país com projetos pessoais de poder.
A geopolítica do Pacífico asiático está mudando rapidamente e a China, com as manobras em relação às Filipinas e Taiwan nos últimos meses, sinalizou que também pode mudar sua política externa, ou ao menos mostrar tons diferentes conforme a ocasião. Apesar de ser inegavelmente uma potência, essas fissuras na política interna tornam o governo de Pequim mais fraco do que aquilo que sua estatura militar e econômica sugerem, e essa parece ser a maior pedra no sapato do projeto de poder global da China: ter de provar o tempo todo que não é um tigre de papel.
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