Filipe G. Martins — A história de um sequestro
Libertado no dia de Edith Stein, Filipe Martins não foi preso, mas sequestrado; não foi vítima de um erro, mas de um crime
Na manhã da última sexta-feira, quando cheguei ao estúdio do BSM, Daniel Duarte deu-me a notícia que eu esperava há seis meses:
— O Filipe foi solto!
Em seguida, Daniel acrescentou sorrindo:
— E hoje é dia de Edith Stein.
Nesta história, como em todas as histórias que merecem ser contadas, não existem coincidências. “O acaso é o nome moderno do Espírito Santo”, dizia León Bloy. Exatamente na sexta-feira, 9 de agosto, dia de Santa Teresa Benedita da Cruz, também conhecida como Edith Stein, Filipe Garcia Martins Pereira estava lendo a última parte da Liturgia das Horas que havia recebido de um amigo ao entrar na prisão — e isso não foi por acaso.
Filipe recebeu a notícia de seu alvará de soltura por volta das sete horas da manhã. Mas não quis deixar a prisão antes de passar por várias celas do Complexo Médico Penal de Pinhais, onde estava detido desde fevereiro, para despedir-se dos amigos que fez entre os presos e agentes carcerários. Não foram poucos esses amigos. Um dos detentos, condenado a vários anos de prisão por homicídio, tornou-se confidente de Filipe, e graças a ele conseguiu sair de um abismo depressivo de vários meses e abandonar os pensamentos suicidas. Presos comuns agradeceram a Filipe pelas conversas, pelas orações e até pelas indicações de leitura que esse inusitado colega de cárcere havia feito durante o período em que trabalhou na biblioteca do presídio. Antes de deixar a prisão, Filipe também quis se despedir de Pará, um preso do 8 de janeiro que não estava em Brasília em 8 de janeiro, e dos agentes penitenciários que o protegeram quando um ex-diretor petista lhe perseguiu dentro da cadeia. Filipe também distribuiu entre os presos amigos aqueles que objetos que na vida comum parecem banais, mas que dentro da prisão adquirem um valor muito grande — por exemplo, um fogareiro, um caderno, um lápis. Pequenas coisas que marcaram e iluminaram um tempo difícil, lento, trevoso.
Por longas horas, Filipe teve de esperar para sair da prisão, graças à inexplicável exigência do chefe dos presídios da Região Metropolitana de Curitiba, Emerson Chagas. Para soltar Filipe, Chagas insistia era necessário antes ativar a sua tornozeleira eletrônica dentro do presídio, e não no prazo de cinco dias, como é feito usualmente. O absurdo da situação era tão grande que o diretor do Complexo Médico Penal, Rafael Jenhevski, pediu demissão do cargo, afirmando que não compactuaria com aquele abuso. Enquanto Chagas insistia em reter Filipe na cadeia, os advogados Ricardo Scheiffer e Sebastião Coelho compartilharam vídeos na internet denunciando mais essa situação kafkiana vivida por seu cliente. No presídio, agentes tentaram colocar em Filipe uma tornozeleira com o número 13 e um carregador vermelho, mas não havia sinal para ativar o equipamento. Foi uma nota cômica em mais um episódio vergonhoso do Judiciário brasileiro.
Finalmente, às 18h40, o preso político teve autorização para sair do Complexo Médico Penal e encontrar sua esposa, Anelise Hauagge. Creio que esse momento — o abraço de Filipe e Ane — ficará marcado para sempre e será lembrado quando contarmos a história do regime PT-STF aos nossos filhos e netos. De certa maneira, o último dia de Filipe na prisão — quando um funcionário público tentou impedir a sua saída por motivos esdrúxulos — é uma síntese do que aconteceu a ele nos últimos seis meses. Durante seis meses, os defensores de Filipe reuniram todas as provas possíveis e imagináveis de que ele não estava no famigerado voo presidencial de 30 de dezembro de 2022. E mesmo assim o Estado, em sua personificação alexandrina, ignorava a realidade dos fatos e o mantinha no cárcere. Essa frieza psicopatológica do poder estatal me fez lembrar a postura dos funcionários do Reich que em 1942 enviaram a Irmã Teresa Benedita da Cruz para a morte em Auschwitz. Edith Stein foi punida não por algo que ela tenha feito — mas pelo que ela era.
Diversas vezes escrevi aqui que a imensa, esmagadora maioria dos presos de 8 de janeiro é composta por inocentes — inocentes até mesmo de crimes menores. Mas o caso de Filipe Martins é ainda mais grave. Em 8 de janeiro de 2023, aconteceu alguma coisa: pessoas invadiram e vandalizaram os edifícios do Estado. No caso de Filipe, ele passou seis meses na escuridão por algo que não aconteceu, algo que nunca foi sequer a sombra de uma realidade. Se um homem pode ser preso por isso, qualquer um de nós pode ser preso em qualquer momento por qualquer motivo.
É claro que a justiça ainda não foi feita. Afinal, um homem inocente está sendo obrigado a cumprir as exigências que em geral são feitas a um criminoso. A vontade alexandrina concedeu a Filipe uma liberdade precária, condicional e mesquinha — ainda assim, liberdade. A mesma liberdade que ainda me é concedida — até quando, não sei — para dizer que meu amigo Filipe G. Martins não foi preso, foi sequestrado; e não foi vítima de um erro, mas de um crime. Um crime que um dia será julgado por um justo juiz.
Santa Edith Stein, rogai por nós!
— Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM.
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