DIÁRIO DE UM CRONISTA

Conversando sobre Jesus com o motorista

Paulo Briguet · 9 de Abril de 2024 às 15:53 ·

O coração de José de Arimatéia, um homem rico, estava com Jesus. O coração de Judas, um suposto defensor dos pobres, não estava

Sempre que posso, vou ao Santuário da Mãe Rainha de Schoenstatt para rezar o meu terço diário. Afeiçoei-me a esse lugar e adquiri o hábito de visitá-lo quando escrevi o livro “Coração de Mãe”, publicado há alguns anos. A obra conta a história do Colégio Mãe de Deus de Londrina, fundado em 1936 por 12 irmãs alemãs que chegaram ao Norte do Paraná fugindo do nazismo. O Santuário da Mãe Rainha era o local de oração preferido dessas irmãzinhas heroicas. Não por acaso, Schoenstatt significa “Belo Lugar” em alemão.

Nesta segunda-feira eu fui ao Santuário. Uma das coisas pelas quais tenho pedido a intercessão da Mãe Rainha é a inspiração para meu trabalho, especialmente o trabalho literário. Hoje, porém, eu tinha mais dois motivos para rezar: a morte de um colega de profissão e o nascimento da segunda filha de um casal amigo. Chamei o Uber e, como sempre faço, puxei conversa com o motorista. Seu nome era Marcelino (“Como aquele filme antigo, Marcelino Pão e Vinho”, ele fez questão de mencionar).

Marcelino ficou surpreso que eu estivesse indo rezar no horário de almoço. Respondi que era um hábito meu, mas nenhum mérito especial. “Esses encontros com Deus são importantes”, disse ele. E emendou:

— Sabe, isso me fez lembrar meu pai. Ele era católico e rezava sempre.

Quando Marcelino fez esse comentário, passamos ao lado de um grande supermercado. Marcelino apontou a loja e falou:

— Tá vendo esse supermercado aí? Será que o dono dele estaria disposto a doá-lo para os pobres, como Jesus pediu ao jovem rico no Evangelho?

Pensei um pouco e disse:

— Jesus pede algo muito especial a cada um de nós. O problema daquele jovem não era a sua riqueza, mas o fato de que estava excessivamente apegado a ela para entregar-se a Deus.

— Mas será que existe gente disposta a abrir mão da riqueza para doar tudo aos pobres? O dono de supermercado, por exemplo?

— O dono desse supermercado, eu não sei, não o conheço. Mas fico pensando se todo empresário tivesse que doar todos os bens aos pobres, será que isso agradaria a Deus? Imagine quantos empregos são gerados aqui, quantas famílias dependem dessa empresa? Já que você falou na Bíblia, você se lembra de José de Arimatéia? Era um homem muito rico. Jesus não pediu a ele que vendesse seus bens, e no fim acabou sendo sepultado em um túmulo que pertencia a José de Arimatéia, onde ressuscitou.

— É verdade.

— Quando Maria, a irmã de Lázaro, despeja um perfume caro aos pés de Jesus, Judas fica bravo e diz que aquele perfume poderia ser vendido para doar dinheiro aos pobres. Jesus o repreende, e por quê?

— Porque Judas era o traidor.

— Verdade, mas também porque Jesus não se importa com as riquezas, e sim com aquilo que está no coração do homem. O coração de José de Arimatéia, um homem rico, estava com Jesus. O coração de Judas, um suposto defensor dos pobres, não estava.

— Interessante, nunca tinha visto por esse lado...

— Marcelino, eu sou escritor. Estou escrevendo um livro sobre um homem que é dono de uma grande rede de supermercado, o Condor. Ele também é um homem muito religioso, um católico devoto. Pesquisando sobre a vida dele, descobri que viveu por grandes dificuldades na infância. Inclusive passou fome e viu a mãe chorar com a penúria da família. Mas, com muito esforço e perseverança, construiu uma das maiores empresas de supermercados do país. Começou numa lojinha pequena, com apenas dois caixas. O espaço era tão apertado que escritório dele ficava na lavanderia. Hoje ele tem mais de 50 lojas, emprega 15 mil trabalhadores, atende milhões de famílias. Certa vez, fizeram a ele uma proposta de vender tudo que tinha. Mas, se ele agisse assim, será que estaria fazendo a vontade de Deus, essa vontade que é justíssima e amabilíssima? Será que estaria fazendo a perfeita vontade de Jesus?

— Pensando bem, acho que não.

— Olha só: chegamos ao nosso destino. Agora eu vou rezar. Peço a você que reze também. Não por mim, mas por três pessoas: um colega que morreu hoje, uma criança que vai nascer hoje e esse homem rico que fundou o Condor há 50 anos. Fique com Deus, Marcelino. Vou rezar por você, e que o Pão e o Vinho o guardem para a vida eterna.

Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM. Autor de Nossa Senhora dos AteusO Mínimo sobre Distopias e Coração de Mãe.

 


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