Conheça o Estatuto do Nascituro e como ele pode dificultar a aprovação do aborto no Brasil
Apesar do projeto, sendo uma lei infraconstitucional, não ter qualquer efeito jurídico na aprovação da ADPF e não poder impedir que a Corte julgue o caso, ele terá um importante efeito político e poderá frear os esforços do STF. Saiba mais
Em meio às tentativas do Poder Judiciário em legalizar o aborto no Brasil por meio do julgamento da Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 442, no Supremo Tribunal Federal (STF), parlamentares da oposição à atual gestão petista (também favorável à pauta) buscam aprovar o Estatudo do Nascituro, a fim de frear o ativismo judicial.
O Projeto de Lei nº 478 de 2007 está há mais de uma década “engavetado” no Congresso Nacional. Atualmente, porém, os esforços dos demais poderes em usurpar a competência do Legislativo e firmar entendimento contrário à legislação vigente, em relação ao aborto, fizeram com que parlamentares cristãos e conservadores retomassem a pauta em caráter de urgência a fim de evitar a legalização do assassinato de bebês no ventre de suas mães.
O referido PL, nomeado de “Estatuto do Nascituro” busca reforçar os direitos e expectativas de direitos do ser humano em formação, que ainda não nasceu, e suas proteções jurídicas. Ou seja, considerando que um bebê no ventre de sua mãe possui, sem sombra de dúvidas, a legítima expectativa do direito à vida, à integridade física etc, estes direitos devem ser protegidos.
Veja, a legislação brasileira já é muito clara quanto à possibilidade de se praticar o aborto no Brasil – não há qualquer margem para interpretações e, portanto, não há o que ser discutido no STF.
Leia o art. 128 do Código Penal Brasileiro:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54)
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Apesar do disposto, em 2014 o Supremo Tribunal Federal legislou ao pacificar entendimento que, além dos casos previstos na lei, deve-se permitir o aborto de bebês anincéfalos. Na ocasião, o atual min. Roberto Barroso (na época, advogado) advogou e realizou sustentação oral em defesa da tese da legalização.
Em 2023, a ministra Rosa Weber, uma semana antes de sua aposentadoria, decidiu pautar o julgamento da ADPF 442, a fim de legalizar o aborto até 12 semanas de gestação. Atualmente, não há data para o retorno do julgamento, que foi transferido ao Plenário físico após um pedido de destaque do Barroso, atual presidente da Corte.
Leia:
O Projeto de Lei do Nascituro do Aborto é datado do ano de 2007 e foi proposto pelos entãos deputado federais Luiz Bassuma (PT) e Miguel Martini (PHS).
Em que pese seja anterior às decisões da Corte brasileira no sentido da legalização, o PL está parado desde 2007. Atualmente, porém, diante da importância do tema, deputados de direita buscam pautar a votação à respeito do projeto o quanto antes.
Na última terça-feira (26), parlamentares da oposição conseguiram assinaturas necessárias para pautar o pedido de urgência do Estatuto do Nascituro – o que, se aprovado, fará com que o texto seja analisado diretamente pelo plenário da casa, sem a necessidade de passar por comissões temáticas. A votação, porém, ainda não foi agendada.
Leia:
VEJA OS PRINCIPAIS PONTOS DO ESTATUTO:
O estatuto busca reforçar o atual entendimento já positivado na legislação brasileira, mas de maneira que não haja brecha para dúvidas à respeito da proteção jurídica garantida aos nascituros.
[...]
Art. 3º O nascituro adquire personalidade jurídica ao
nascer com vida, mas sua natureza humana é reconhecida desde a concepção,
conferindo-lhe proteção jurídica através deste estatuto e da lei civil e penal.
Parágrafo único. O nascituro goza da expectativa do direito
à vida, à integridade física, à honra, à imagem e de todos os demais direitos da
personalidade.
[...]
Art. 4º É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar ao nascituro, com absoluta prioridade, a expectativa do direito à vida, á saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
[...]
Art. 7º O nascituro deve ser objeto de políticas sociais públicas que permitam seu desenvolvimento sadio e harmonioso e o seu
nasciemento, em condições dignas de existência.
[...]
Art. 9º É vedado ao Estado e aos particulares discriminar o nascituro, privando-o da expectativa de algum direito, em razão do sexo, da idade, da etnia, da origem, da deficiência física ou mental ou da probalidade de sobrevida
Art. 10º O nascituro deficiente terá à sua disposição
todos os meios terapêuticos e profiláticos existentes para prevenir, reparar ou
minimizar sua deficiências, haja ou não expectativa de sobrevida extra-uterina.
[...]
Art. 12 É vedado ao Estado e aos particulares causar
qualquer dano ao nascituro em razão de um ato delituoso cometido por algum de seus genitores.
á qualquer discriminação ou restrição de direitos, assegurandolhe, ainda, os seguintes:
I – direito prioritário à assistência pré-natal, com
acompanhamento psicológico da gestante;
II – direito a pensão alimentícia equivalente a 1 (um) salário
mínimo, até que complete dezoito anos;
III – direito prioritário à adoção, caso a mãe não queira
assumir a criança após o nascimento.
Parágrafo único. Se for identificado o genitor, será ele o
responsável pela pensão alimentícia a que se refere o inciso II deste artigo; se
não for identificado, ou se for insolvente, a obrigação recairá sobre o Estado.
Este último dispositivo da lei busca também proteger os bebês que são assassinados no ventre de suas mães sob a justificativa de que foi consequência de um ato criminoso. Apesar do aborto em caso de estupro ser legalizado, a tentativa do Estatuto é de se opor a esse entendimento e conceder proteção legal à vida dessas crianças – bem como proteção e todos os meios de auxiliar a mãe.
Crimes em espécie.
O PL 478/07 também apresenta proposta de legislação penal, atribuindo penas mais severas e uma maior eficiência na punição àqueles que praticam aborto, bem com a tipificação de novas condutas.
Por exemplo, o art. 23 do projeto estabelece o novo tipo penal de aborto culposo. Veja:
Art. 23 Causar culposamente a morte de nascituro.
Pena – detenção de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 1º A pena é aumentada de um terço se o crime resulta de
inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa
de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do
seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante.
§ 2º O Juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as
consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a
sanção penal se torne desnecessária.
Ainda, prevê um aumento na pena do crime previsto nos art. 125 e seguintes do Código Penal, os quais dispõem sobre aborto provocado por terceiro.
Justificação
Na justificação do projeto, os parlamentares ainda propõe que o assassinato intraulterino seja adicionado no rol de crimes hediondos, devido à sua natureza grave e repudiante. Ainda, apresentam legislações internacionais que, ao garantirem maior proteção jurídica aos nascituros, deve servir de exemplo ao Brasil.
Leia um trecho retirado da proposta legislativa:
“Não seria má ideia se o Brasil, seguindo esses bons exemplos, promulgasse uma lei que dispusesse exclusivamente sobre a proteção integral ao nascituro, conforme determinou o Pacto de São José de Costa Rica, assinado por nosso Pais. Eis uma proposta de “Estatuto do Nascituro”, que oferecemos aos Colegas Parlamentares. Se aprovada e sancionada, poderá tornar-se um marco histórico em nossa legislação [...]
O nobre deputado Givaldo Carimbão teve a idéia de incluir o aborto entre
os crimes hediondos. Tal sugestão é acolhida no presente Estatuto. É verdade
que as penas continuarão sendo suaves para um crime tão bárbaro, mas haverá
um avanço significativo em nossa legislação penal. O melhor de tudo é que,
reconhecido o aborto como crime hediondo, não será mais possível suspender o
processo, como hoje habitualmente se faz, submetendo o criminoso a restrições
simbólicas, tais como: proibição de frequentar determinados lugares, proibição de
ausentar-se da comarca onde reside sem autorização do juiz, comparecimento
pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar sua
atividades etc. (cf Lei 9.099/95, art. 89).”
ELE PODE BARRAR A LEGALIZAÇÃO MESMO SE O STF APROVAR A ADPF 442?
A fim de esclarecer quais seriam as consequências da aprovação do Estatuto do Nascituro, nós do BSM entramos em contato com o Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do RJ e professor de Direito e Filosofia, dr. Henrique Lima.
“O estatuto do nascituro é muito bom, muito bem-vindo e eu acho que, se aprovado, ele irá dificultar o trabalho do STF.”, afirmou o jurista.
Segundo ele, a decisão a fim de legalziar o aborto após a provação de um estatuto que protege os direitos dos nascituros representaria uma afronta da Corte em relação ao Legislativo. Por isso, a expectativa é que a aprovação freie os esforços do STF.
O efeito do Estatuto do Nascituro, porém, seria mais de natureza política do que realmente jurídica, conforme explica o dr. Lima.
“Juridicamente ele não tem relevância, porque a ADPF ela está no nível constitucional.”, aponta o Procurador-Geral .
“Eles estão debatendo ali supostos direitos constitucionais – se existem ou não existem. Então, como são direitos sediados na Constituição, eles estão acima de qualquer lei ordinária, complementar, de qualquer tratado supralegal de Direitos humanos e até mesmo acima do Pacto de São José da Costa Rica, que defende a vida desde a concepção, mas tem status supralegal.”, explica.
Sendo assim, o Estatuto do Nascituro, sendo uma lei infraconstitucional, não tem qualquer efeito na aprovação da ADPF e não pode, no sentido jurídico, impedir que a Corte julgue o caso e legalize o aborto até a 12ª semana da gestação.
“Contudo, o impacto apesar de não ser jurídico, ele pode ser político, porque a aprovação do estatuto é um sinal claro do Congresso de que o aborto é rejeitado pelo povo e por seus representantes.”, afirma o jurista.
Segundo o especialista, a aprovação do PL pode sim resultar em uma suspensão do debate e dos esforços da Corte no sentido da legalização do assassinato intraulterino. Ainda, servirá como um freio, pois caso queiram legalizar o aborto, deverão julgar uma nova ação a fim de declarar a inconstitucionalidade do Estatuto do Nascituro.
Por isso, o dr. Henrique Lima entende que a aprovação desse projeto é sim muito bem-vinda e deve ser feita o quanto antes.
Ainda, conforme aponta o jurista, seria de suma importância que o Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL), presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, respectivamente, fizessem um pronunciamento publico para dizer que o povo e o parlamento são contra o aborto e não estão contentes com essa atuação ativista do Supremo.
Para o dr. Lima, é necessário que os representantes eleitos deixem claro à Corte que o lugar de aprovar lei é no Congresso Nacional, eleito pelo povo, e não no Supremo Tribunal Federal.