DITADURA COMUNISTA

Cidadãos de Hong Kong são presos por publicar mensagens sobre o Massacre da Praça da Paz Celestial

Paulo Briguet · 28 de Maio de 2024 às 15:06 ·

Polícia do regime chinês prende seis pessoas acusadas de publicar posts no Facebook sobre o sangrento episódio ocorrido há 35 anos. Autoridades alegam “crime de ódio” e “ameaça à segurança nacional”

A Polícia de Hong Kong prendeu nesta terça-feira (28) seis pessoas por publicarem supostas “mensagens de ódio” nas redes sociais. Entre os detidos, está o ex-organizador da vigília anual em memória do Massacre da Praça da Paz Celestial, ocorrido em 1989. Na próxima terça-feira (4), o trágico episódio completará 35 anos. Essas foram as primeiras prisões publicamente conhecidas em decorrência na nova lei de segurança nacional decretada pelo regime comunista em março.

O secretário de Segurança de Hong Kong, Chris Tang, afirmou que Chow Hang-tung e mais cinco pessoas utilizaram desde abril o Facebook para publicar anonimamente postagens sobre “uma data delicada”. Embora as autoridades comunistas não tenham entrado em detalhes sobre o conteúdo das postagens, ficou claro que as publicações se referem ao episódio de 1989.

Tang disse que as postagens incitavam ódio contra o governo central chinês, o governo de Hong Kong e o Judiciário do país. O secretário também declarou que as publicações na rede social encorajavam os cidadãos a participar de atos que “põem em risco a segurança nacional”.

— Embora Hong Kong tenha embarcado recentemente em uma jornada de estabilidade para a prosperidade, não podemos baixar a guarda — declarou Tang, em coletiva de imprensa.

A nova lei de segurança de Hong Kong, conhecida como Artigo 23, aumentou o poder do regime para combater dissidentes e oposicionista, punindo “traição” e “insurreição” contra o Estado com penas duríssimas, inclusive prisão perpétua.

O problema, segundo o secretário Chris Tang, não é mencionar “datas sensíveis” como o 4 de junho de 1989, mas “incitar o ódio”.

Quando a Grã-Bretanha devolveu Hong Kong à China, em 1997, o governo de Pequim prometeu manter as liberdades de estilo ocidental no antigo protetorado britânico. No entanto, desde 2020, as autoridades locais, fiéis ao Partido Comunista Chinês, quebraram a promessa e passaram a reprimir severamente a liberdade de expressão e de reunião sob o pretexto de manter a “segurança nacional”.


Massacre de Tian’anmen

O Massacre da Praça da Paz Celestial, também conhecido como o Massacre de Tian’anmen, ocorreu em 4 de junho de 1989, em Pequim, China, e permanece um dos eventos mais significativos e trágicos da história moderna do país. Este episódio, que resultou em um banho de sangue — as estimativas de mortos variam entre mil e 10 mil pessoas — marcou profundamente a luta pela liberdade na China, além de ter repercussões internacionais duradouras.

Os protestos começaram em abril de 1989, quando milhares de estudantes universitários se reuniram na Praça Tian’anmen para lamentar a morte de Hu Yaobang, um ex-líder do Partido Comunista Chinês, que havia sido visto como um reformista. Os estudantes rapidamente ampliaram suas demandas, clamando por reformas políticas, liberdade de expressão, transparência governamental e o fim da corrupção endêmica.

À medida que os protestos cresciam, outras camadas da sociedade, incluindo trabalhadores e intelectuais, juntaram-se ao movimento. A Praça Tiananmen transformou-se em um símbolo de resistência, com manifestantes acampados ali por semanas, desafiando o governo autoritário. O clima de tensão aumentava, enquanto a liderança chinesa debatia internamente sobre como lidar com a crescente desobediência civil.

Em 20 de maio de 1989, o governo declarou lei marcial e enviou tropas para Pequim. No entanto, os manifestantes continuaram a resistir, acreditando que seu movimento pacífico poderia trazer mudanças. Essa esperança foi brutalmente esmagada na noite de 3 para 4 de junho, quando o Partido Comunista Chinês ordenou que o Exército Popular Libertação desocupasse a Praça da Paz Celestial (Tian’anmen), em Pequim, onde milhares de estudantes estavam acampados desde 14 de abril para exigir reformas democráticas no país. O movimento pró-democracia foi literalmente esmagado por centenas de tanques Type-59, cada um deles com pesando 36 toneladas e equipado com canhão de 100 mm e três metralhadoras. Até hoje não se sabe o número exato de mortos naquela noite fatídica. O regime admitiu 300; o número mais aceito entre os historiadores é de 1.000; a Cruz Vermelha chegou a falar em 10 mil. O certo é que começou a morrer ali a esperança de que a ditadura instituída por Mao Tsé-tung em 1949 pudesse permitir alguma forma de democracia e liberdade política.

Quando Mao morreu, em 1976, algumas árvores nas praças de Pequim apareceram com pequenas garrafas penduradas, como se fossem frutos. Naquele momento, o nome de Deng Xiaoping, rival de Mao dentro do PCC, era visto pelos chineses como uma esperança de abertura no regime ― o nome Xiaoping quer dizer “garrafinha”. De fato, Deng assumiria o poder e promoveria reformas ― porém econômicas, não políticas. Sob Deng, o monopólio do Partido Comunista Chinês continuou indiscutível. Treze anos depois da morte de Mao, as esperanças de democracia na China seriam destruídas como garrafinhas que se quebram no chão.

No “Livro Negro do Comunismo”, Jean-Louis Margolin escreve:

“Quanto à ocupação da Praça Tian’anmen, durante um mês, na primavera de 1989, sua repressão foi à medida dos temores de Deng, que mandou disparar, quando os dirigentes maoístas de 1976 tinham se recusado a fazê-lo: mil mortos aproximadamente, talvez dez mil feridos em Pequim, centenas de execuções na província, muitas vezes mantidas em segredo ou disfarçadas sob a capa de delitos comuns; cerca de 10 mil prisões em Pequim, 30 mil em toda a China. As condenações a penas de prisão contaram-se por milhares, e os dirigentes do movimento que não ‘se arrependeram’ receberam sentenças de até 13 anos de cárcere. As pressões e as represálias contra as famílias, prática que se julgava abandonada [depois da morte de Mao], recomeçaram em grande escala, tal como a postura de cabeça baixa em público, as brutalidades e a sentença condicionada pela extensão do arrependimento e das denúncias do acusado”.

Na manhã do dia 5 de junho, quando o movimento dos estudantes já estava esmagado, surgiu um personagem que entraria para a história do nosso tempo. Era um jovem magro, que vestia camisa branca e calças pretas; levava duas sacolas nas mãos. O jovem cruzou a Avenida da Paz Longa, que corta a Cidade Proibida de Pequim, e postou-se em frente a uma coluna de 25 tanques Type-59.  O primeiro tanque da fila parou diante do jovem, que sinalizava com as duas sacolas. Após alguns segundos, o piloto do tanque tentou fazer um desvio pela direita, mas o jovem impediu a manobra, colocando-se outra vez à frente do veículo. Em seguida, para espanto geral, o anônimo subiu no tanque e aproximou-se da escotilha para conversar com o piloto. Quando o homem voltou ao solo, vieram três pessoas: um ciclista e uma dupla em trajes civis, que conduziram o manifestante pelos braços rumo a um destino ignorado.

Até hoje não sabe a identidade daquele jovem fotografado e filmado há 32 anos. A seu respeito, correram muitas histórias: a de que teria sido fuzilado; a de que teria sido preso; a de que estaria vivendo incógnito no interior da China; e até a de que teria imigrado para o Brasil. O fato é que o rebelde desconhecido de Tian’anmen se tornou um símbolo da coragem e da liberdade individual diante do poder opressor do Estado. O historiador britânico Simon Sebag Montefiore incluiu-o no livro “Titãs da História — Os gigantes que mudaram nosso mundo”, entre os 190 personagens históricos mais influentes de todos os tempos.

Desde 1989, o regime chinês tenta apagar da história os acontecimentos daqueles dias. Para o Partido Comunista de Xi Jinping ― por muitos considerado o segundo Mao ―, é como se o massacre de Tian’anmen nunca tivesse existido. Semelhante ocultamento se tenta fazer em relação a outros episódios tenebrosos da história do comunismo chinês, como o Grande Salto para a Frente (entre 1958 e 1962, quando ao menos 40 milhões pereceram de fome), a Revolução Cultural dos anos 60), a famigerada Política do Filho Único (com milhões de abortos e esterilizações forçadas a partir de 1979) e a Campanha Contra a Poluição Espiritual (1983), a repressão no Tibet, as contínuas perseguições aos cristãos e os atuais campos de concentração da minoria uigur. Esse processo de apagamento da história tem um nome técnico: negacionismo. É como se os atuais governantes alemães tentassem dizer que Auschwitz, Dachau, Büchenwald e Treblinka nunca existiram.

E esse mesmo partido que governa a China ― um partido negacionista, cujo fundador é o maior genocida de todos os tempos ― tem sido exaltado por políticos e formadores de opinião brasileiros como uma instituição intocável, que jamais pode ser criticada sob nenhum aspecto. Para essas categorias falantes, é proibido falar sobre o passado da China, seja ele o remoto ou o recente.

Apesar dos esforços do regime comunista chinês ― e de seus aliados em todo o mundo ― para silenciar a memória do Massacre de Pequim, o evento continua a ser um símbolo poderoso da luta por liberdade e direitos humanos.

Mas, em Hong Kong, relembrar esse dia virou crime de ódio.

 


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