DIÁRIO DE UM CRONISTA

Cartas do Cárcere: Os últimos momentos de Clezão

Paulo Briguet · 30 de Novembro de 2023 às 15:35 ·

Preso político narra a morte de Cleriston Pereira da Cunha no Gulag brasileiro e clama por ajuda: “Não queremos ser mártires”

Oziel Lara dos Santos, brasileiro, casado, pai de três filhas, está preso há 11 meses no presídio da Papuda. Como pregador evangélico e companheiro de infortúnio, ele presenciou os últimos momentos de Cleriston Pereira da Cunha, o Clezão, que morreu aos 46 anos durante o banho de sol na cadeia. Utilizando o papel caixas de suco consumidas pelos presos, Oziel está escrevendo um livro sobre a sua experiência no primeiro gulag do atual regime brasileiro. O BSM obteve acesso a dois escritos de Oziel, um deles com exclusividade. A primeira carta é endereçada à ativista Samia Sittel-Faraj, administradora da página Liga Conservadora Brasil Alemanha. A segunda carta é uma declaração pública em que Oziel denuncia as injustiças cometidas no Reichstag brasileiro.

Leia a seguir as duas cartas de Oziel. São registros históricos do tenebroso momento político pelo qual estamos passando.


Carta 1: Adeus, Clezão

Bom dia, querida Samia.

Faz tempo que não nos comunicamos. Já estava com saudades, espero que estas letras a encontrem bem. Amiga patriota, hoje para nós é o pior dia da prisão. Já são mais de 300 dias em que esta injustiça prevalece sobre nós. Foram muitos, incontáveis sofrimentos. 2023 foi o ano das lágrimas.

É quase impossível ir para o pátio quando tem banho de sol e olhar para os rostos dos pais, de família, de olhar cansado, olhar que carrega uma vida toda honrada e digna. Porém, no dia 8 e até O Presente momento estamos enjaulados, como animais.

O sentimento é de muita dor por todo esse descaso, toda esse esquecimento, toda essa injustiça.

Hoje segurei a mão do nosso irmão Clezão até os seus últimos suspiros. Estamos de luto. Estamos arrasados, pois ele não era para ele estar aqui. Juridicamente, conforme nossa Constituição Federal de 88, ninguém era para estar aqui.

Samia, nosso irmão Clezão era uma pessoa maravilhosa. Ele não queria ver ninguém triste ou de cabeça baixa. Ele falava todos os dias, sorrindo: “Meu irmão, levanta a cabeça, hoje vai ter chuva de alvarás e nós vamos todos para casa. Vou matar um boi, vamos fazer um churrasco e comer todos juntos”.

Todos os dias, pela manhã, para tentar animar o pessoal, nós fazíamos um “programa de rádio”, como se estivéssemos em um estúdio. Eu fazia de conta que ligava para ele e dizia: “Bom dia, Clezão!”

De imediato, ele emendava:

“Bom dia com alegria!”

Respondia rápido e firme e, de fato, com muita alegria, contagiava todo o ambiente. Aí ele já trazia uma palavra de incentivo:

“Meus irmãos, eu estou muito feliz por estar aqui com vocês e aqui eu aprendi que o chefe do sistema é o diabo, ele é o mal. Mas o nosso senhor Jesus Cristo é maior e nós vamos vencer”.

As últimas palavras dele para mim, foram as seguintes:

“Obrigado, Pastor Oziel, pois Deus te usou para tirar um peso enorme de mim. Você tirou 50% e depois veio o irmão Max e tirou o restante. Agora eu sou um novo homem. Estou bem agora, eu sou o Clezão leve, leve.”

Ele me abraçou e eu louvei a Deus pela alegria dele.

Ele estava um pouco triste nos últimos dias. Na verdade, é difícil com essa situação estar feliz. Então, ao perceber que ele andava triste fui falar com ele, oramos juntos no pátio, choramos juntos. Eu trouxe uma palavra de conforto. Alguns minutos depois, ele veio me abraçar e agradecer. Isso foi dois dias antes da sua morte.

Amiga, na hora de irmos para o pátio, após uns 20 minutos, vi os patriotas segurando o Clezão. Corria para perto. E ele no chão, passando muito mal. Segurei a sua mão direita enquanto meus irmãos patriotas socorriam com massagem cardíaca e insuflação. Ele teve mais de 15 paradas, ia e voltava. E, quando voltava, todos nós vibrávamos juntos pela vida dele.

Mas eu senti sua mão começar a gelar. Em lágrimas, nós, a seu lado, lutávamos juntos pela vida dele.

Quando chegaram os bombeiros, eles insistiram mais um pouco, mas infelizmente, nosso irmão não respirou mais.

Ele acreditava em Deus, pátria, família e liberdade. Era um verdadeiro patriota.

A pergunta é: Quantos mais de nós vão morrer para que a justiça seja feita?

Aqui, mentalmente, estamos todos doentes. Nossos filhos estão doentes. Tem filhos de patriotas com pensamento de suicídio. Aqui tem alguns presos com pensamento suicida também. Outros estão com dificuldade financeira, pois eram os únicos provedores do lar.

Imagina como fica a cabeça de um pai saber que a sua filha pode morrer por causa dele?

O nosso clamor é: Não nos deixem nos tornarmos mártires.

Forte abraço, querida Samia. Cremos no nosso Deus e na sua justiça.

“Justiça e juízo são a base do teu trono; misericórdia e verdade irão adiante do teu rosto.” (Salmo 89, 14)

“Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti; porque ele confia em ti.”  (Isaías 26, 3)


Oziel Lara dos Santos, preso político

 

Carta 2: Declaração pública

Distrito Federal, novembro de 2023.

Venho através desta descrever os fatos absurdos que vêm ocorrendo em nosso país através da nossa corte.

É um pedido de socorro urgente, pois não sabemos quanto mais conseguiremos suportar.

Eu me chamo Oziel Lara dos Santos, brasileiro nato, casado, pai de 3 filhas menores, uma com 4 aninhos, outra com 7 aninhos, outra com 11 aninhos. Sou o único provedor do lar.

Desde o dia 8 de janeiro, minhas filhas estão desamparadas. Agora, para agravar mais, soube o que estão tendo problemas psicológicos por minha ausência.

Iguais a mim, aqui estão dezenas de pais de família na mesma situação.

Sabemos que nosso país é signatário dos principais tratados internacionais dos direitos humanos, os quais têm positivado os valores fundamentais da dignidade humana, os quais foram rasgados: o direito à manifestação, o direito à presunção de inocência, o direito ao devido processo legal, entre outros.

Dói no coração ver idosos inocentes tirando pedaços de vidro, arame, pedra, dente e até rato nas suas marmitas. Corremos risco de vida, pois aqui já veio a óbito um preso por leptospirose. Nas celas já foram encontrados vários escorpiões e o nível de estresse, desequilíbrio psicológico e depressão é grande.

Por que ver tanta injustiças contra pessoas idosas ou com comorbidades, tanto avisamos, gritamos por socorro, falamos que pessoas poderiam morrer. Não fomos ouvidos.

Tanto avisamos, gritamos por Socorro. Falamos que pessoas poderiam morrer. Não fomos ouvidos.

Clezão morreu agonizando em nossos braços. Não teve oportunidade de usufruir de seu direito básico e fundamental ao tratamento médico. Ele poderia estar vivo.

E por qual motivo ele perdeu a vida? Perseguição política.

Ele simplesmente foi se manifestar com a sua Bandeira do Brasil e, para proteger a sua vida, entrou em um prédio público. Sem oferecer nenhuma resistência, foi preso e assim como todos os pacíficos brasileiros conduzidos para a prisão.

A mídia mostra os vídeos da quebradeira, os vândalos. Mas venho denunciar: aqui não tem um vândalo preso. Nem um sequer.

“Golpe de estado?” Como pessoas comuns e desorganizadas fariam isso? “Associação armada?” Parece piada! Estávamos com a garrafas de água mineral...

No meio de uma multidão, uma pessoa é encontrada com um canivete e todos são declarados criminosos por “associação armada”?,

Fora dos prédios, helicópteros a uma altura de 100 metros aproximadamente jogavam bombas de efeito moral no meio das famílias e do povo. As cápsulas antes de chegar ao chão, chegavam na cabeça. Do corpo dos manifestantes, o sangue jorrava instantaneamente. Soubemos depois que a ordem era para usar munição letal contra o povo desarmado. O comandante desobedeceu essa ordem absurda, porém, hoje se encontra preso também.

Sabemos o quanto o nosso amado Brasil já contribuiu para a paz e a dignidade humana. Porém, hoje somos nós, 47 presos políticos, que estamos precisando urgente de proteção.

Aquele que sabe fazer o bem e não faz, peca.

Que Deus abençoe a humanidade.

Que Deus abençoe o Brasil.

Que Deus abençoe aqueles que socorrem os cativos.

Oziel Lara dos Santos, preso político

 


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