RELATO

A solidariedade anônima que salva vidas

Especial para o BSM · 15 de Maio de 2024 às 16:19 ·

Igor Pavan Tres, em tratamento de câncer, fala sobre os últimos dias: “Como poderia eu, em minha angústia, focalizar exclusivamente em minha própria condição, quando tantos estão sofrendo no Rio Grande?”

Por Igor Pavan Tres

Nos últimos dias, experimentei algo singular: o esquecimento temporário do câncer. Embora meu tratamento tenha sofrido um atraso de algumas semanas, a preocupação que ocasionalmente emergia rapidamente se dissipava.

Como poderia eu permitir-me preocupar excessivamente com minha própria situação, quando testemunhei uma senhora octogenária sendo transportada por vários braços até um bote inflável, destinado a levá-la a uma cidade vizinha para receber tratamento de radioterapia, em virtude de sua insuportável dor? Como poderia eu, em minha angústia, focalizar exclusivamente em minha própria condição, quando outros afligidos pelo flagelo do câncer agora enfrentam a dor adicional de desabrigamento e a necessidade de se contentar com roupas e alimentos doados?

Não, os últimos dias não foram comuns para nenhum morador do Rio Grande do Sul. Aqueles que não se sentiram comovidos diante do que presenciamos e ouvimos estão, de fato, vazios por dentro.

E quanto à morte, a lamentamos. Lamentamos mais de uma centena delas. Talvez até centenas, pois quem sabe o que os rios levaram ou os morros encobriram? Foram implacáveis. Não escolheram suas vítimas, mergulhando famílias inteiras em um luto avassalador.

Nesses dias, testemunhei o que há de mais vil na natureza humana, quando alguns desejaram a morte de seus próprios irmãos e aproveitaram-se do desespero alheio para inflacionar os preços de produtos básicos. Nenhuma surpresa para aqueles familiarizados com o pecado original.

Contudo, nesse mesmo período, também testemunhei o que há de mais nobre no ser humano. Vi estranhos se abrindo em atos de generosidade uns para com os outros. Aliás, já experimentei pessoalmente esse tipo de solidariedade anônima em minha própria vida. E afirmo, com a convicção de quem já a recebeu, que isso, verdadeiramente, salva vidas.

Embora em circunstâncias diversas, compartilhamos todos a habilidade de encontrar, na dor, o paradoxo de coexistir com o sofrimento e a alegria, especialmente aquela que nasce da esperança por dias melhores.

Vai passar!

Igor Pavan Tres é católico, brasileiro e gaúcho. Graduado e pós-graduado em História.

 


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