RIO GRANDE DO SUL

A prioridade do Estado diante da morte

Especial para o BSM · 2 de Junho de 2024 às 10:53 ·

Diante da morte que lhe sorriu largamente neste angustioso maio que finalmente acabou, o Estado escolheu a si mesmo

Por Renan Rovaris

Esta semana, regurgitando sobre o que fiz nos últimos anos, lembrei que já envelheci mais dez desde 2014. Dez anos que senti como poucos meses. E o que espanta é que os próximos dez também serão assim. Nesse ritmo, eu, que tenho trinta e quatro e alguma barba branca, morro com oitenta daqui a cinco. A vida passa muito rápido, e eu tenho muito medo de morrer.

Há quem diga que se vive melhor sabendo que se vai morrer. É o que nos diferencia dos cachorros. As coisas com algum significado são aquelas que permanecem diante da morte, que logo chega. Viver sabendo que vou morrer me dá uma pista de como eu deveria gastar meu tempo, meus recursos, e de quais coisas me arrependerei de não ter feito durante esta vida tão ligeira.

Um amigo meu, encontrando-se diante de um médico num domingo pela manhã, com suspeita de estar sofrendo um acidente vascular cerebral, pensou de si para si que não queria morrer sem publicar seus livros ainda não escritos. Um famoso atleta de fisiculturismo, que se viu em apuros após injetar alguma substância tóxica que o ajudaria a aumentar os músculos, falou em pensamento que não queria morrer sem “ficar grande”.

No Rio Grande do Sul, o evidente caráter emergencial da situação levou as instituições democráticas a priorizarem aquilo que realmente importa... para elas. A esta altura, o leitor já deve estar sabendo que a Prefeitura de Canoas firmou, por meio de seu “Escritório de Resiliência Climática”, um contrato de R$ 217,2 mil para comprar camisetas que identificarão os voluntários atuando nas enchentes. E, vejam vocês, quem fala em caráter emergencial da contratação do serviço não sou eu, é um comunicado da própria prefeitura, que, ainda em 17 de maio, já havia fechado um outro contrato de R$ 91,8 mil para comprar coletes de identificação para os servidores municipais.

Diante da morte que lhe sorriu largamente neste angustioso maio que finalmente acaba, o Estado escolheu a si. Escolheu se identificar, manter o protocolo, a burocracia, a indecência. Os rabicós de cabelo para as meninas, os chinelinhos do Homem-Aranha para os meninos não poderiam ter sido imaginados por uma entidade estruturalmente desapiedada. Apenas gente pensa em gente, e o Estado não tem medo de morrer.

PS: O titular do Escritório de Resiliência Climática da Prefeitura de Canoas é José Fortunati, petista por 22 anos, ex-prefeito de Porto Alegre (pelo PDT) e atualmente filiado ao PV.

 


 

 

 


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