DIÁRIO DE UM CRONISTA

A humilhação dos inimigos e a delação torturada

Paulo Briguet · 23 de Maio de 2024 às 16:39 ·

Falas do Coronel Naime com elogios a seus algozes lembram as confissões das vítimas de Stálin

Um dos componentes essenciais dos Processos de Moscou, julgamentos farsescos realizados na União Soviética entre 1936 e 1938, era a humilhação dos réus. Todos aqueles que se sentavam no banco dos réus estavam previamente condenados, mas aos carrascos comunistas não bastava a confissão de crimes inexistentes. Era preciso, além disso, que as vítimas elogiassem e se ajoelhassem diante dos algozes, beijando as botas que estavam prestes a esmigalhar seus crânios. Um dos julgamentos mais humilhantes foi o de Grigory Zinoviev, um dos assessores mais próximos de Lênin, ex-presidente da Internacional Comunista. Selecionei aqui algumas das frases que ele pronunciou em juízo, aos olhos do mundo:

“Conspiramos contra o governo soviético.”

“Conduzimos um trabalho terrorista organizado, esperando derrubar o regime soviético.”

“Eu assumo a responsabilidade por tudo o que foi feito no centro, que eu liderava.”

“Eu percebo a plena profundidade da minha culpa.”

“Nosso objetivo era enfraquecer o estado soviético para tomar o poder.”

“Sou culpado de ter sido um dos líderes da clandestinidade anti-soviética.”

“Fui atraído para a conspiração e aceitei seus métodos terroristas.”

“Reconheço minha traição e os objetivos contrarrevolucionários do nosso grupo.”

“Buscávamos tomar o poder por qualquer meio, incluindo o terror.”

Em agosto de 1936, Zinoviev foi executado com um tiro na nuca juntamente com seu camarada Lev Kamenev, nos porões da Lubianka, a famigerada prisão comunista em Moscou.

Poucos se lembram, no entanto, das sucessivas humilhações pelas quais Zinoviev e seus correligionários tiveram que passar antes da sentença final. Durante anos, Zinoviev, antes um líder poderoso e aclamado no Partido, pronunciou autocríticas constrangedoras e derramou-se em elogios ao seu ex-camarada transformado em algoz, o ditador Josef Stálin. No chamado Congresso dos Vitoriosos do Partido Comunista da URSS, em 1934 portanto, dois anos antes de sua morte , Zinoviev disse:

“Cometi graves erros e fui responsável por atitudes que prejudicaram a unidade e a força do nosso partido. Estou profundamente arrependido por minhas falhas.”

“Sob a liderança de Stálin, alcançamos vitórias significativas que solidificaram a posição do nosso partido e fortaleceram a União Soviética. Sua visão e determinação são um farol para todos nós.”

“Renovo meu compromisso com o partido e com Stálin. Estou decidido a dedicar todos os meus esforços para o fortalecimento do nosso movimento e para a implementação das políticas decididas pelo nosso líder.”

Para que essas humilhações viessem à tona, os algozes do sistema não hesitavam em utilizar os piores expedientes: chantagem, ameaça e tortura. Zinoviev foi apenas uma pontinha visível da imensa montanha de corpos e almas humilhados, torturados e por fim aniquilados por Stálin. Milhões de pessoas pereceram no mar vermelho do regime soviético. Não apenas Zinoviev foi torturado, como todos os seus parentes e amigos foram perseguidos e mortos. Pessoas que jamais tiveram qualquer contato com ele foram acusadas de cumplicidade em atos terroristas inexistentes.

Depois de tomar conhecimento das falas do Coronel Naime, com elogios aos seus algozes, eu não consegui deixar de pensar em Zinoviev — e em todos aqueles que morreram depois dele. Por isso, nada neste mundo me fará acreditar em uma só vírgula proveniente das delações torturadas do regime PT-STF.

Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM.

 


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