DIÁRIO DE UM CRONISTA

A censura da ditamole e a censura da ditadura

Paulo Briguet · 1 de Agosto de 2023 às 15:50 ·

Recordações sobre o meu primeiro grande conflito com o Estado, há 45 anos

O filme Guerra nas Estrelas estreou no Brasil em janeiro de 1978, no último ano do governo Geisel. É difícil imaginar o impacto desse lançamento para um garoto de oito anos na época. Meses antes da estreia nos cinemas brasileiros, eu já conhecia praticamente toda a história do filme; sabia quem eram Luke Skywalker, Han Solo, Princesa Lea, Obi-Wan Kenobi, Chewbacca e o sinistro Darth Vader (pronunciávamos Darth Váder). Adquiri todo esse conhecimento graças às revistas que meu pai comprava para mim na banca da esquina da Rua Vitorino Carmilo com a Alameda Eduardo Prado, em frente ao Restaurante Du-Lar.

Naquela época, Guerra nas Estrelas era só Guerra nas Estrelas. Só muitos anos mais tarde eu viria saber que aquele filme era, na cronologia da história, o quarto capítulo da saga Star Wars, hoje conhecido pelo título de Uma Nova Esperança. Todos os dias, eu abria a programação de cinema do jornal de meu pai para saber quando o filme chegaria aos cinemas. Eis que um dia eu abro o jornal e vejo o anúncio tão esperado:

  


Mal posso descrever o meu desalento quando li a terrível mensagem, bem próxima ao pé esquerdo de Mark Hamill: PROIBIDO ATÉ 10 ANOS.

Não havia remédio. Eu não poderia assistir ao filme mais aguardado de todos os tempos. Esse foi meu primeiro e traumático conflito com o poder estatal. Assim como Chico Buarque e Amado Batista, eu também posso dizer que fui vítima da censura dos militares. Quase gritei:

– Abaixo a ditadura!

Quase.

Naquele tempo, não havia internet, nem Netflix, nem DVD, nem sequer um maldito VHS. Não havia cópias piratas, pelo simples fato de que não existiam cópias para piratear. O jeito era esperar completar dez anos – e só então ver o sonhado filme mais legal de todos os tempos.

Vocês, meus sete leitores, podem não acreditar, mas naquele a televisão tinha apenas CINCO canais: Globo, Tupi, Record, Bandeirantes e Cultura. Isso porque eu morava em São Paulo, a maior cidade do Brasil. Antes do programas, sempre aparecia um papel timbrado na tela:

     

Até a estreia de Guerra nas Estrelas, esse negócio de Censura Federal não havia constituído um problema para mim. Geralmente, os programas proibidos para minha idade passavam depois do meu horário de dormir. Até certa idade, meu pai me dizia que um anjo passava às 10 da noite anotando os nomes das crianças que estavam acordadas. Então eu costumava me deitar antes desse horário. De qualquer maneira, eu ainda não fazia de que censura era uma coisa ruim.

Poucos se lembram disso, mas 1979 foi o Ano Internacional da Criança. Em março daquele ano, tomou posse um novo presidente da República: o general João Batista Figueiredo. Meus pais não gostavam dos milicos; portanto, não ficaram entusiasmados. Mas o novo presidente – eu me lembro de um slogan de seu governo: Plante que o João garante – anunciou uma tal de abertura e uma tal de anistia. Nas ruas, havia outdoors com a frase: Anistia ampla, geral e irrestrita. Eu não fazia a mínima ideia do que fosse aquilo. Perguntei ao meu pai, ele explicou, mas eu não entendi direito.

O caso é que as coisas estavam mudando. Não sei se isso tinha algo a ver com o João, com a tal da anistia ou com o Ano Internacional da Criança, mas o fato é que quando completei 9 anos, em 10 de julho de 1979, meu pai resolveu me dar um presente especial. Ele descobriu que um cinema do Centro da Cidade – e nós paulistanos chamamos o Centro da Cidade apenas de Cidade – estava reprisando Guerra nas Estrelas. Fiquei contentíssimo, mas também preocupado.

– Pai, você sabe que o filme é proibido pra menores de 10 anos. E eu só tenho 9!

– Calma, que tudo vai dar certo, Paulão.

(Meu pai era a única pessoa que me chamava de Paulão.)

E não é que deu certo? O bilheteiro me deixou entrar. Foi a minha primeira vitória sobre a censura: aos 9 anos, assisti a um filme proibido para menores de 10. E foi sensacional.

Quatro anos depois, vi O Império Contra-Ataca, sequência de Guerra nas Estrelas. Nesse filme, ocorre um dos maiores plot twists da história do cinema (Aristóteles usaria o termo peripécia): Darth Vader – cujo nome eu já pronunciava corretamente – revela ser o pai de Luke Skywalker.

E hoje, quarenta anos depois de O Império Contra-Ataca, cá estou eu lutando contra a censura. Mas não é a censura da ditamole, é a censura da ditadura. Os vilões não são mais Darth Vader e Jabba The Hutt, mas o Egresso Etílico e o Censor Pança.

Sabíamos de nada, os inocentes.

Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM.

 


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