FÉ E CIÊNCIA

A catástrofe gaúcha e a desesperança moderna

Lucas de Oliveira Fófano · 11 de Maio de 2024 às 09:44 ·

Nós perdemos algo. Nós perdemos a capacidade de enxergar sobrenaturalmente. Nós estamos vendo tudo pelo ponto oposto da realidade

Você já notou como nossa visão da realidade é alterada pelo pano de fundo que domina nossa cultura?

Não interessa, por exemplo, se você é progressista ou conservador, ou se você tem um viés de pensamento que é científico e empírico. Se for católico, por exemplo, ficará incomodado ao ler o Gênesis e ver que as plantas foram criadas antes do Sol e que o próprio Sol não tocou a superfície da terra até depois do dilúvio, pois isso seria “cientificamente” improvável.

O instinto natural, nesse caso, seria tentar desmitologizar a Bíblia alegando, para defesa da sua religião, que talvez os escritores e editoras do texto não sabiam nada sobre fotossíntese e por isso cometeram essa gafe. Mas nesse exato momento você terá reduzido o sentido de todo o texto a uma visão extremamente superficial (pois é esse o objeto da ciência, apenas a superfície).

Mas, calma. Esse ainda não é o único problema. Os católicos estão, de fato, impedidos de retirar qualquer caráter histórico, e mesmo mitológico, dos primeiros livros da Bíblia, especialmente os três primeiros capítulos do Gênesis. E isso não por uma questão de perda de sentido cosmológico, mas por uma proibição da Comissão Bíblica publicada em 1909, a qual impede que possamos apoiar qualquer interpretação “científica” dos três primeiros capítulos do Gênesis. (Sim, a Igreja realmente é sábia.)

Voltando agora ao miolo da coisa, a questão é que nós nos acostumamos (vou evitar a expressão “fomos forçados por falta de opção”) com um tipo de pensamento empírico. Por isso tanta gente falando de “1 hora” de vida espiritual por dia, de fazer “isso” todos os dias, fazer “aquilo” outro, se vestir assim, assado etc., etc., etc., como se a vida cristã fosse um tipo de recipiente onde nós jogamos determinados elementos e, por uma reação química planejada, Deus cria a metamorfose da santidade. Ou você vai me dizer que nunca pensou que Deus te deve alguma coisa simplesmente porque Ele é bom e você reza ali alguns minutos por dia?

(Isso não parece realmente um pensamento de causa e efeito?)

Nós compreendemos apenas um cristianismo de quantidade, mas não de qualidade, e é essa visão que deu origem ao cristianismo da meia hora semanal, de conveniência e de vida dupla. Um tipo de vida que se esquece (ou suplanta) o cristianismo qualitativo, das virtudes e dos atos sobrenaturais. Afinal, ninguém fica mais virtuoso fazendo MAIS atos de caridade. Você fica mais virtuoso quando faz atos de caridade MAIORES e aqui reside uma enorme de uma diferença se é que seja possível a comparação.

Já falei em outro artigo que nós perdemos algo. Grave isso, leitor, enquanto dou mais um exemplo.

Não é fato de domínio comum, então direi uma novidade: as leis físicas (ou da natureza) que conhecemos hoje não existiam até o momento da Queda; quando a ciência fala da origem do cosmos ela só o pode fazer de maneira fictícia ou mitológica. Mas, por quê? Porque antes da queda não havia um universo físico, esse das partículas fundamentais. Havia apenas o universo corpóreo, este que observamos no nosso cotidiano. Complexo? Vou explicar em miúdos.

Por que, após a Queda, um outro mundo surgiu? Voltemos ao Gênesis. No princípio Deus criou todas as coisas e viu que eram boas. Isso inclui serem incorruptíveis, como de fato eram Adão e Eva, incluindo aqui até mesmo a ausência da morte. Mas, após a Queda, não é apenas o homem quem sofre uma mudança, mas todo o cosmos. Toda a criação é mudada drasticamente, a partir de um decreto divino, dito pelo próprio Deus em Gênesis 3, 17-19.

E é esse o decreto que se tornou a lei natural como conhecemos. E é aqui que nasce um novo cosmos, transitório, corruptível. Em outras palavras, um cosmos que está em constante atualização física, um ciclo de desabrochar constante. E para que essa atualização constante possa acontecer é preciso que exista alguma matéria que não tenha forma, ou, para que novas casas possam ser construídas, substituindo as antigas, é preciso que exista algum material que não seja casa e que possa ser ou casa, ou vaso, ou telha, ou prato, ou cumbuca, ou filtro de barro ou seja, algo que transite entre a existência e a possibilidade, e no caso físico, entre a matéria e a não-matéria. E, eis, o mundo físico nasceu. Estranho, não? Pois é, para nós, modernos, sim! Pois isso era domínio comum até alguns séculos atrás.

É só em nosso tão avançado, tecnológico, livre de amarras tempo moderno que os cientistas se surpreendem quando os cacos de um vaso chinês são remontados e colados e se tornam novamente pasmem! um vaso. E eles se surpreendem porque acham que os cacos existem antes de o vaso existir e, portanto, que cacos possam ser colados e formem um vaso é uma impossibilidade gigantesca que beira o milagre, tal como o evolucionismo cósmico chamado Big Bang.

Que eu caminhe quilômetros aleatoriamente coletando pedras, me sente em minha cadeira de madeira de lei, ajunte tudo com cola e veja que esse murundum forme a Vênus de Milo é uma impossibilidade, tal como o Big Bang. Mas se eu quebrar a Vênus de Milo e a remontar, bom... que impossibilidade matemática haveria nisso, uma vez que a estátua existiu antes de os cacos que vieram dela?

Esse é o nosso pano de fundo! Foi aqui que a ciência e nossa crença nela nos trouxe. E é aqui que eu quero retomar a informação que dei anteriormente: nós perdemos algo. Nós perdemos a capacidade de enxergar sobrenaturalmente. Nós estamos vendo tudo pelo ponto oposto da realidade.

Que Deus acolha em sua infinita misericórdia cada alma que foi separada do corpo na tragédia gaúcha, mas eu quero deixar aqui uma pergunta: um evento cataclísmico que ceifou dezenas de almas e que ocorreu na mesma semana de um show satânico nos revela apenas uma catástrofe climática?

Lucas Fófano é professor e editor literário.

 


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