EUROPA

Será o fim o sonho polonês?

Pacelli Luckwü · 18 de Dezembro de 2023 às 15:53 ·

Pacelli Luckwü, colunista do BSM, analisa as consequências da mudança de poder na Polônia

Em agosto, publiquei um artigo aqui no BSM falando do sucesso polonês. Desde a década de 90, a economia do país do Leste Europeu tem sido tão bem-sucedida que almeja alcançar as principais potências do continente já nos próximos anos. Na última década, a Polônia tem se tornado ímã de investimentos em áreas inovadoras, como aviação, softwares e games.

Além do êxito econômico, os setores militar e educacional chamam atenção. A Polônia tem 4% do seu PIB investido em defesa - maior percentual entre os países da OTAN, e passa por uma profunda modernização de seus equipamentos. Enquanto isso, na esfera da educação, a Polônia ocupa os primeiros lugares no PISA, bem à frente de países europeus como Alemanha, França, Suécia e Holanda.

E todo esse sucesso digno de nota numa Europa estagnada ocorreu com o país fiel aos seus valores. A Polônia permanece majoritariamente católica e bem conservadora em relação à imigração e à aceitação de refugiados, por exemplo.

 

Mudança de poder

Mas nada disso impediu uma mudança de curso político nas eleições parlamentares de outubro.

Desde 2015, a Polônia vinha sendo governada pelo PiS (Lei e Justiça), partido com viés conservador e nacionalista. Tanto em 2015 quanto em 2019, o partido obteve mais de 231 das 460 cadeiras no Sejm, câmara baixa polonesa, e pôde governar sozinho. Porém, na eleição de outubro, apesar de se manter como o maior partido do país, o PiS conquistou 194 assentos, não conseguindo obter a maioria nem formar coalizão para se manter no poder.

Durante os anos que governou o país, a despeito dos bons resultados em muitas áreas, o PiS de envolveu em controvérsias e foi constantemente atacado pela União Europeia e pela oposição por supostamente atentar contra a democracia e contra o Estado de Direito.

As divergências da Polônia sob o PiS com a União Europeia giraram em torno das questões migratórias, ambientais e da polêmica reforma do Judiciário, vista como grande ameaça à democracia e à independência entre os poderes. Por mais que o país do Leste Europeu fosse um caso de sucesso sob diversos aspectos, na grande mídia europeia era tratado como um país ultrapassado em seus valores e que flertava com o autoritarismo.

Seja por erros do PiS ou pela forte propaganda e influência europeia, o fato é que o partido saiu do governo agora em dezembro.

 

A Polônia se iguala à esquerda europeia?

Em princípio, a mudança de poder na terra de São João Paulo II pode desanimar muitos conservadores. A esquerda europeia festeja a mudança, mas estará perdida a promessa de uma emergente potência católica no continente? Não parece ser o caso.

De fato, quem assumiu o cargo de chefe do executivo foi Donald Tusk. Tusk é um velho conhecido da política polonesa e também europeia. Entre 2007 e 2014, ele ocupou a cadeira de primeiro-ministro. Na União Europeia, assumiu o cargo de presidente do Conselho Europeu entre 2014 e 2019, posição estratégica de destaque. Durante a campanha, o PiS tentou colocar em Tusk a pecha de “homem de Bruxelas” ou “homem de Berlim”.

Tusk se elegeu pelo Plataforma Cívica (sigla PO em polonês), um partido considerado de centro ou mesmo conservador, mas que ao longo dos anos foi se voltando para a esquerda. É favorável ao aborto, algo que não defendia enquanto esteve no governo, muitos de seus membros são contrários ao casamento homossexual, porém favoráveis à união civil. O PO adota uma plataforma econômica de cunho liberal e se posiciona claramente ao lado da União Europeia.

 

Nem tudo serão flores para a União Europeia

Porém, por mais que o PO de Tusk tenha formado uma coalizão com partidos de uma esquerda mais radical, não será nada fácil para seu governo aprovar medidas de grande impacto no país. Isso porque o presidente Andrzej Duda é um político que tem o PiS como origem e se mantém muito alinhado ao partido.

Com Duda na presidência, qualquer lei mais polêmica, ou que provoque uma mudança maior no país, pode ser vetada. Por mais que o primeiro-ministro Tusk tenha a maioria do parlamento, não será o suficiente para derrubar um veto presidencial.

Tudo indica que o judiciário polonês também será um empecilho para uma guinada do país à esquerda. Nos oito anos em que esteve no poder, o PiS pôde indicar muitos juízes para cúpula dos tribunais. Os principais julgamentos recentes indicam a tendência das cortes de decidir em favor do PiS.

Em relação à guerra na Ucrânia, Tusk já prometeu apoio incondicional e provavelmente nada mudará. Na questão ambiental, por mais que Tusk possa ser influenciado pela política de Bruxelas e Berlim, o forte setor do carvão na Polônia e mesmo a rejeição polonesa a medidas ambientais mais radicais o impedirão de se enveredar por esse caminho.

Tusk não quer confirmar a pecha colocada por seus opositores de que é o “homem de Bruxelas” ou o “homem de Berlim”. Os poloneses parecem associar o que representam estas duas cidades a coisas ruins; e isso é o mais importante para vislumbrarmos o futuro do país.

 


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