Que direita venceu as eleições em Portugal?
Brás Oscar analisa o resultado das eleições legislativas portuguesas, comenta a performance do Chega e aponta os possíveis cenários a partir de agora
As eleições legislativas de Portugal ocorreram neste domingo (10) e ganharam o holofote da imprensa e das redes sociais por conta do resultado surpreendente do Chega, um partido que, apesar do nome ruim, é realmente a única alternativa à velha política nas terras lusas. A notícia já foi o suficiente para gerar uma comemoração eufórica no Brasil entre os simpatizantes da direita, com ares de que a esquerda teria sido mesmo destronada no Parlamento português.
É inegável que a performance política do Chega é avassaladora. O partido, liderado por André Ventura, contava com apenas 1 deputado em 2019, ano em que foi fundado, e já as eleições seguintes, de 2022, obteve 12 cadeiras no parlamento; um feito e tanto para um partido recém criado, porém algo que já se podia prever, dada a insatisfação de boa parte do eleitorado com a gestão financeira do governo durante a pandemia.
Agora, o Chega, histericamente taxado de “extrema-direita” pela velha mídia, cresceu 400% e levou 48 assentos no Parlamento Português.
A Aliança Democrática (AD), uma coligação liderada pelas velhas raposas do Partido Social-Democrata (PSD), que se apresenta como “centro-direita”, foi quem ficou com a maioria das vagas, fazendo 79 deputados.
O Partido Socialista (PS), arquirrivais históricos do PSD — ao menos na narrativa para o povão — ficou em segundo lugar, com 77 deputados. Um segundo lugar que equivale a uma derrota moral, já que contavam até então com 120 parlamentares; uma perda de quase 36% de seus assentos no parlamento.
Da esquerda para a direita, quem é quem
Recorrer a uma analogia com a velha política brasileira, da dicotomia PT x PSDB, é muito útil para compreendermos as siglas e ideologias em Portugal, já que durante anos a disputa a sério pelos votos do eleitor lusitano foram restritas, na prática, a um bipartidarismo entre o Partido Socialista (PS) e o Partido Social-Democrata (PSD).
Ao PS coube o papel de identificar-se como a esquerda moderada, limpa dos radicalismos do Partido Comunista, preocupada com a pauta trabalhista e com o bem-estar social dos pobres e menos favorecidos, defendendo uma política econômica — em tese — voltada mais aos trabalhadores que aos patrões.
O PSD, por sua vez, interpretava o primo rico que fez faculdade, que fala sobre austeridade fiscal, desenvolvimento econômico, neoliberalismo e mais qualquer discurso que comece citando os países nórdicos como exemplo até de como se deve limpar o traseiro, para a alegria dos empresários e economistas e para o consolo dos anticomunistas, que terão uma direita para chamarem de sua sem serem chamados de fascistas.
O arranjo funcionou bem (para os políticos, claro) por cerca de trinta e tantos anos.
Assim como no Brasil, Portugal saía de um período político negro, marcado por um regime ditatorial que a academia, a imprensa e a elite cultural determinaram, sem qualquer debate sério, que se tratava de um regime de direita, associado ao nazismo e ao fascismo e que, por tanto, tudo que cheirasse a nacionalismo e valores tradicionais era coisa má, ao ponto que até mesmo gostar demais de fado já te faria parte “dessa malta de direita”.
Assim como no Brasil, o regime ditatorial antigo foi deposto por grupos ligados inicialmente a uma esquerda radical, que paulatinamente foi tomando banho, fazendo a barba e vestindo um terno, tornando-se palatável e entrando para os anais da história como os heróis que salvaram o povo dos monstros conservadores.
Assim como no Brasil, parte do estamento, da elite que existia no regime antigo, foi reabsorvida no novo arranjo. Obviamente que isso só foi possível, lá e cá, porque nem a nossa ditadura militar nem a ditadura salazarista deles era algo que um conservador ou um liberal chamaria exatamente de direita.
Os nossos milicos e o Salazar fizeram, na verdade, algo mais próximos de uma ditadura positivista, com doses cavalares de autoritarismo.
Não foi difícil para os positivistas, tecnicistas e pragmáticos se realocarem no novo arranjo político de uma direita permitida e aceitarem um acordo com os socialistas assumidos — afinal, a tal da social-democracia abraçada por essa direita permitida é nada mais nada menos que o socialismo fabiano britânico que, como o nome diz, também é socialista.
Se você, brasileiro, já acompanhou todo o desenrolar da estratégia das tesouras performada pelo PSDB e PT com maestria de 1994 a 2018, você já entendeu o que se passa em Portugal.
A diferença é que Portugal não teve um Olavo de Carvalho para dar ao cidadão um choque de realidade e um vocabulário político que permitisse uma compreensão da ficção política encenada há décadas em um cantinho iluminado pela mídia num gigantesco palco escuro.
Não é por acaso que a inspiração para boa parte do discurso da nova direita que surgiu recentemente no além-mar é a nova direita que surgiu por aqui primeiro.
Obviamente que a nova direita brasileira só surgiu por causa do ambiente cultural criado pelo trabalho de Olavo. E por mais vexaminosos que sejam as estultices e pendrives dos Eduardos e Zambellis que povoam essa nova direita, já existe no Brasil uma percepção entre alguns grupos relevantes de que uma ação política séria não pode se basear apenas em refutar a (falta de) gestão econômica da esquerda e a corrupção de todo o sistema fisiológico de Brasília.
O Chega português ainda tem um discurso imaturo, com platitudes tal qual “combate à corrupção” e “meritocracia”, mas são justamente essas platitudes que o elegeram, porque o debate político português — e europeu de maneira geral — ainda é semelhante ao nosso debate político de 10 ou 15 anos. Mas apesar do atraso, uma porcentagem grande o suficiente para incomodar os poderosos já percebeu que há algo que não funciona bem no arranjo que insiste em vender sociais-democratas como os únicos adversários à esquerda permitidos.
Existem diferenças essenciais entre os cenários políticos de Portugal e Brasil. Nós não temos que lidar com uma pauta complicada como a questão da imigração, por exemplo.
Na teoria é fácil apelar a um discurso que brade contra imigrantes ilegais, mas, na prática, criar ações políticas contra a imigração ilegal e explicar como serão essas ações em detalhes é um problema com que o Chega ainda não sabe como lidar, porque boa parte de sua claque que aplaude as falas de Ventura sobre imigrantes costuma colocar os brasileiros que vivem em Portugal no mesmo balaio que muçulmanos e africanos, enquanto Ventura não ousa falar contra imigrantes brasileiros.
Ventura se inspira em Bolsonaro e é amplamente apoiado por brasileiros que possuem cidadania portuguesa e, portanto, direitos eleitorais nesse país, contando inclusive com um brasileiro eleito entre seus novos parlamentares. Mas dizer que entre os eleitores do Chega não há racistas e xenófobos que odeiam a presença brasileira em Portugal é tapar o sol com peneira.
Como única opção realmente fora da velha política, é natural que o Chega passe agregar todos os descontentes. De liberais a velhotes racistas viuvinhos do Salazar. Algo, aliás, muito semelhante ao fenômeno do bolsonarismo.
O que não se sabe é se haverá tempo para uma depuração e maturidade para a nova direita portuguesa. Assim como no Brasil, há um esforço coletivo na União Europeia para sufocar a criança ainda no berço, e eu não estou falando sobre a tara abortista da esquerda.
A nova direita está incomodando também na Espanha, com o Vox e na Alemanha com o AfD, por exemplo. As eleições para o parlamento europeu na metade do ano ameaçam ter uma bancada imensa formada por essa fenômeno que cunharam de extrema-direita, e há um esforço na Alemanha, comandado pelo Ministério do Interior, para transformar em política de estado a criminalização de toda a direita não-permitida. Algo de fazer inveja ao nosso STF.
No fim das contas, quem ainda manda na política portuguesa é a dobradinha PS/PSD, e o PSD, com essa fantasia de Aliança Democrática (AD) fez muito bem o papel quem sempre lhe coube, liderar um fake split, uma estratégia da falsa divisão, unindo-se a outras siglas irrisórias de direita, como Partido Monarquista, para ganhar ares convincentes e se vender como uma alternativa não extremista ao Chega.
Hoje, pela manhã, Luís Montenegro, líder do PSD, já avisou que sua coligação não fará uma coalizão com o Chega. O problema é que o PSD/AD não governará com 79 cadeiras. O que lhes restará é:
Cenário 1
Dar uma banana para sua base eleitoral — que votou no AD por nojinho ou medo do Chega e rejeição ao PS — e fazer uma coalizão com o PS.
O PS já declarou publicamente que será oposição e não fara coalisão com o PSD/AD, mas, em política profissional, há uma diferença imensa entre o que se fala em público e o que se faz atrás das cortinas.
Se um acordo de bastidores for feito, PS e PSD voltam a encenar rivalidade naquilo que menos importa: detalhes de política tributária, assistencialismo social, gestão de estatais etc.
Por outro lado, continuarão concordando no que importa e ninguém presta atenção, como políticas ambientais, ideologia de gênero, aborto, política de tolerância às drogas, eutanásia, imigração islâmica, cerceamento da liberdade de expressão e a dissolução da soberania nacional em troca da vassalagem a Bruxelas.
Cenário 2
Não fazer mesmo a colisão com ninguém e tornar impossível a votação do orçamento nacional.
Com um impasse deste tamanho, o primeiro-ministro alega a impossibilidade de governança e pede novas eleições em seis meses, com a expectativa do Chega ter atingido seu teto de votos e angariar para si mais votos do PS.
Existe a possibilidade de, nos próximos meses, haver um temor generalizado de apoiar o Chega por parte dos eleitores mais inseguros que votaram na legenda de Ventura como protesto. A Alemanha, com o apoio de toda a mídia e de líderes europeus, irá iniciar uma caçada à “extrema-direita” com direito a demissões, declaração de inelegibilidade, congelamento de contas e prisão, tanto para políticos, influenciadores e financiadores.
Nenhum cenário se parece com o que estão pintando nas redes sociais, eu sei. Mas o papel do analista político é mostrar os cenários possíveis, não os desejáveis.
— Brás Oscar é colunista e apresentador do BSM. Autor do livro O Mínimo sobre a Queda da Europa.
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