FOLHETIM LITERÁRIO

QUARENTENA (2)

Fábio Gonçalves · 1 de Abril de 2020 às 15:56 ·

Um conto inédito de Fábio Gonçalves sobre os dias que estamos vivendo e poderemos viver

Capítulo anterior: 
I Um pesadelo

Seu vizinho era um velho negro que vivia de fazer cover do Louis Armstrong. O velho já fora amado naquela cidade, um dos poucos negros amados por aquela gente. Chegara em B**** na juventude e fizera a vida ali, correndo de bar em bar, oferecendo shows nas barracas da praia, cantando nos clubes e nas boates. Ele fazia com qualidade o Armstrong, mas também desenrolava um bom Sinatra, um Elvis, mesmo uma Nina Simone. De brasileiros, seu Tim Maia emocionava e seu Roberto Carlos era, digamos, suficiente. Mas, conforme solicitado, dava ainda canjas de Djavan, mais tarde de Lulu Santos. Como fosse, era um Louis Armstrong perfeito. Quem o ouvisse de olhos fechados se acharia na presença mesma do astro do jazz.  

Quando tudo começou, Louis já estava meio parado. Questão de velhice, pois já beirava uns 80, e de uma certa casmurrice, coisa de ordem amorosa. Ele morava ali do lado, no 63, há uns bons anos. Fora para ali depois que se casou com uma alemã boníssima de grana, uma baronesa para aquele povo. Foi um escândalo. Todos ficaram embasbacados no dia em que ele chegou no clube, negro, franzino, com seu smoking preto e sua gravata borboleta dourada, com seu sorrisão arreganhado que imitava o do seu ídolo, acompanhado da loirona Schmitz, mulher alta, de ossatura larga, peitos fartíssimos, que estava metida numa seda azul, ataviada com as mais chamativas pedrarias. A Sra. Schmitz era herdeira de um grande agricultor de soja, mas nunca fora para os negócios da família. Depois de correr o mundo em mil aventuras, chegou em B***, já solteirona convicta, para viver de extravagâncias...

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