QUARENTENA (1)
Um conto inédito de Fábio Gonçalves sobre os dias que estamos vivendo e poderemos viver
PELA DÉCIMA VEZ NAQUELA MANHÃ, o alto-falante da Guarda Civil Metropolitana passou anunciando, para toda a cidade ouvir:
“Atenção, moradores: não saiam de casa. Repetindo: não saiam de casa. É muito perigoso. A quarentena continua. Repetindo: não saiam de casa. É perigoso. O vírus está se espalhando rapidamente. Não saiam de casa. O governador disse: a quarentena vai durar mais quinze dias. É pelo bem-geral. Não saiam de casa”.
Tragando seu Derby na varanda do apartamento, no sexto andar, o Professor Joaquim M. Haussmann, atrás da persiana semiaberta, entreolhava sisudo para tudo aquilo, franzindo a testa, juntando a sobrancelha grisalha por cima dos olhos azuis, fazendo careta de reprovação.
“Repetindo: não saiam de casa...”
De um nada, escarrou, cuspiu e torceu o rosto, como quem estivesse com um asco incontrolável.
— Filhos da puta... – sussurrou, meneando a cabeça.
B****** estava num vazio desolador, numa solidão de cidade abandonada. Pouquíssimos carros cruzavam a avenida principal, na orla da praia. O caminho era todo para o carro da polícia...