Putin comprou a Bielorrússia
No início da semana, o velho ditador Lukashenko voou até a Rússia para beijar a mão do senhor do Kremlin e receber um empréstimo de US$ 1,5 bi. O que isso significa para o futuro da região?
Publicamos, no dia 19 de agosto, aqui no Brasil Sem Medo, nesta coluna, uma síntese sobre a crise política na Bielorrússia e o interesse da Rússia na situação. Ao fim do artigo foi dito: “É possível Lukashenko abrir mão do status quo e tornar-se um protetorado russo de facto. (…) Putin, a cada dia que passa, tal qual os antigos Czares, fica mais próximo de se autodeclarar Senhor de todas as Rússias – a Grande, a Pequena e a Branca.” – O que houve desde então, parece confirmar nossa análise.
Durante o fim de agosto e início de setembro, boa parte da imprensa europeia especulou a ideia de uma ruptura entre Vladimir Putin e o presidente da Bielorrússia, Aleksandr Lukashenko, que, até então, eram aliados, mesmo que não demonstrassem isso publicamente.
Ao início de setembro, houve algumas declarações fortes vindas do presidente russo, sugerindo ameaçar a Bielorrússia com uma invasão – Putin usou o termo “normatizar” a Bielorrússia, palavra que coincidentemente era um jargão soviético para “invadir e anexar”. Lukashenko havia acusado Putin de sabotar as eleições de seu país com o envio de mercenários, e mandou prender 32 pessoas de cidadania russa sob esta acusação. Ele mantinha um discurso raivoso tanto contra a Rússia quanto contra a União Europeia.
De acordo com fontes russas deste colunista, Lukashenko estava certo quanto aos mercenários – falam em agentes da organização paramilitar russa Grupa Vagnera, uma entidade da qual não se sabe muito, porém especula-se ser uma companhia militar privada que trabalha para o governo russo em situações em que o próprio governo precisa negar sua participação. A função destes mercenários, além de tumultuar o processo eleitoral, seria inflar os protestos. Funcionou.
Em meio ao caos em Minsk, com vandalismo e greves crescentes, Putin colocou tropas na fronteira e engrossou o seu discurso mais ainda; Lukashenko ficou acuado e foi obrigado a baixar a cabeça – ele sabe que para se manter firme no governo precisava ficar fora do radar da União Europeia, da OTAN e contar com um certo apoio, mesmo que secreto, do Kremlin – e nesta segunda-feira o líder bielorrusso apanhou um voo até a Rússia para beijar a mão de Putin.
Após a reunião, seguida de uma coletiva de imprensa onde Lukashenko disse estar “muito grato” pelo apoio de Moscou e que havia aprendido “uma lição muito séria” com os eventos recentes, Putin voltou a fazer discursos ameaçadores, mas desta vez contra os manifestantes. Ele afirmou que forças policiais russas poderiam ir à Bielorrússia para apoiar o governo local se os protestos não cessarem.
Mas o saldo positivo foi mais que um mero apoio contra os manifestantes. O governo russo prometeu apoiar qualquer reforma administrativa ou constitucional que Lukashenko pretenda fazer e, de lambuja, concedeu um empréstimo de 1,5 bilhão de dólares ao governo bielorrusso. Dinheiro mais que necessário para pagar despesas básicas que já estavam por um fio nos últimos anos – a economia da Bielorrússia caminha para uma venezuelização – e, possivelmente, para comprar apoio interno para legitimar sua muito questionável reeleição.
Obviamente, nada disso saiu de graça. Aleksandr Lukashenko, que suava muito durante a coletiva de imprensa na Rússia, teve de ceder, e muito: as forças armadas russas a partir de agora estarão oficialmente dentro da Bielorrússia sobre o pretexto de um exercício militar planejado, iniciado na mesma segunda-feira em que Putin e Lukashenko se encontraram. A operação/exercício recebeu o nome de "Irmandade Eslava".
De acordo com Putin, a Irmandade Eslava durará um ano e depois disso as tropas retornariam à Rússia, entretanto outros exercícios conjuntos entre os militares dos dois países deveriam ocorrer na maioria dos meses subsequentes.
Sobre os mercenários russos presos por Lukashenko, simplesmente não foi dita uma palavra. A versão oficial agora, acordada entre Moscou e Minsk, é que os protestos foram fomentados pelos Estados Unidos – exatamente como foi dito por Putin sobre os protestos na Ucrânia que culminaram com a anexação da Crimeia, em que, novamente, havia suspeitas de ação de mercenários russos infiltrados para iniciar ou coordenar as ações dos manifestantes.
Na fronteira ocidental da Bielorrússia, a Polônia está preocupada, e com razão (vide artigo anterior, citado no link no início deste texto) e chegou a solicitar uma reunião com o Conselho de Segurança da União Europeia.
De acordo com a jornalista polonesa Katarzyna Szymanska, que é correspondente internacional em Bruxelas, os apelos de Varsóvia na sede da UE suscitaram comentários irônicos de membros do Parlamento Europeu. Um dos entrevistados de Katarzyna, que pediu sigilo quanto à identidade, disse: “A Polônia persegue brutalmente LGBTs, e em Bruxelas diz querer a defesa de manifestantes bielorrussos”, afirmando ainda que quando o Primeiro-Ministro polonês entrou em contato com Bruxelas pedindo a reunião, alguns funcionários “ferviam de indignação”. O Conselho de Segurança negou o pedido de reunião extraordinária com a Polônia.
Até o momento, por parte dos “cabeças” da UE, Merkel disse na segunda-feira que espera que as sanções da União Europeia contra a Bielorrússia sejam finalizadas na próxima semana, depois que os ministros das Relações Exteriores dos Estados membros do bloco se reunirem em Bruxelas.
Os Estados Unidos, um dos maiores aliados da Polônia, comunicaram que estão se preparando para impor sanções específicas contra “funcionários bielorrussos considerados responsáveis pela fraude eleitoral e pela violência”. Vale lembrar que há um contingente militar americano de mais de 10 mil soldados na Polônia, que originalmente estavam em Berlim, mas durante a administração Trump foram removidos gradualmente para Varsóvia. Ao que parece, Trump, confiando na vitória do conservador Andrzej Duda, já antevia a tensão geopolítica no Leste Europeu.
De fato, a Bielorrússia e Rússia já mantinha um acordo de cooperação mútua desde o início do ano 2000, o chamado “Estado de União”. O acordo fala inclusive em moeda única e Banco Central único, entretanto, não há datas ou prazos, e certos detalhes sempre foram tratados em público como meras aspirações. Putin, entretanto, muito provavelmente se aproveitou da crise da gripe chinesa na Europa para acelerar sua agenda pautada pela ideologia eurasiana de Alexander Duguin, filósofo russo que já debateu com Olavo de Carvalho.
Lukashenko será mantido no poder dessa vez, porque ele é útil a Putin e porque o presidente russo não permitirá que a União Europeia derrube seu antigo aliado. Futuramente, pode ser que substituam o velho ditador bielorrusso por um modelo mais novo, mais econômico e menos problemático, mas até lá, o que interessa é que Putin colocou preço e comprou a Bielorrússia, colocando uma peça importante do antigo sistema de países-amortecedores no seu devido lugar. Putin e Lukashenko falam em “resolvermos as coisas internamente” e que “influências do Ocidente não serão aceitas”, mas fique tranquilo, caro leitor, os analistas sofisticados e prudentes que negociam milhões antes do primeiro intervalo do Manhattan Conection garantem-nos que o comunismo acabou e que agora todo mundo é pragmático.
― Brás Oscar é colunista e correspondente internacional em Portugal para o BSM e para o PHVox.
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