MATERNIDADE

Pode uma mulher dedicar a vida aos filhos? Parece que não

Especial para o BSM · 2 de Agosto de 2024 às 14:41 ·

Análise de Isabela Tacaki sobre a polêmica reportagem do jornal The Times sobre Hannah Neeleman, conhecida nas redes pelo perfil Ballerina Farm. Sou jornalista, mãe de quatro crianças e pertenço à mesma religião

Por Isabela Tacaki*

Pode uma mulher escolher ser domesticada?”

Esse é o título da reportagem da revista Marie Claire, do Grupo Globo, referindo-se à vida de uma jovem americana que trocou a vida de bailarina para morar em uma fazenda em Utah, nos Estados Unidos, com o marido e os oito filhos. Hannah Neeleman acumula mais de 18 milhões de seguidores nas redes sociais ao publicar diariamente sua rotina de dona de casa na fazenda. Esse enredo despertou a curiosidade da repórter Megan Agnew do jornal The Times, que foi até Utah ver de perto a família que vive no campo. A visita se transformou numa reportagem tendenciosa e mal interpretada pelos leitores,gerando muita discussão nas redes sociais. 

Após a publicação do jornal britânico, mídias de vários países repercutiram a matéria, inclusive aqui no Brasil. Ao digitar Ballerina Farm no Google a primeira referência que aparece é a matéria da Marie Claire com o título que eu trouxe aqui no início: “Pode uma mulher escolher ser domesticada?”. No subtítulo, a repórter da Globo ainda continua: “É possível mesmo uma mulher lúcida escolher ser domesticada ou seriaHannah mais uma vitima do patriarcado?”. 

Eu parei de trabalhar todos os dias — faço apenas alguns “extras” —para conseguir ficar mais em casa. Também eu seria vítima do patriarcado? Nem precisei refletir depois que descobri que a pessoa que escreveu é repórter de gênero e sociedade. Nem me pergunte o que seria exatamente esse segmento no jornalismo. Enfim, a verdade é que a reportagem distorcida escrita pelo Times é ruim e a da Globo é péssima, cheia de mentiras. Sem novidades até aí.
Ao discorrer sobre quem é Hannah, a repórter diz que ela vende uma vida perfeita que gira em torno das alegrias e realizações do dia a dia como uma mulher do lar. Eu acompanho as redes sociais deHannah, nas quais ela mostra uma vida simples de campo, com tarefas dividias entre os filhos como pegar ovos da galinha, fazer ordenha, enquanto a Hannah faz receitas com os ingredientes cultivados por eles próprios. Que parte dessa história é vender uma vida perfeita?. Se ela for entrevistar uma influenciadora fitness vai reclamar por ela vender o corpo perfeito? A questão não é a ação, e sim quem faz a ação.

Hannah tem as características perfeitas para o repúdio do moderno padrão da sociedade. Uma mulher branca, loira, magra, rica, mãe e esposa. Isso parece aterrorizá-los. Cadê a sororidade feminina no discurso de que a mulher pode ser o que quiser?

Me soa tão familiar essa narrativa — deve ser porque passo por uma situação semelhante. Sou casada, mãe de quatro filhos e pertenço à mesmareligião de Hannah — a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.

Tenho amigos que frequentam a fazenda da família Neeleman e garantem que eles vivem de forma simples e há muita harmonia no lar. Ao contrário do que disse a repórter do Times, reforçado pela Globo, afirmando que o marido seria autoritário por interromper algumas respostas de sua mulher na entrevista.

As repórteres, tanto a britânica quanto a brasileira, insistem durante toda a matéria em criar a imagem do marido como uma figura machista, opressora e egoísta. Principalmente pelo fato de Hannah contar que as vezes que tomou anestesia no trabalho de parto foi quando o marido não estava presente. Era tudo o que as jornalistas precisavam para tirar a conclusão que ela tem medo do marido. Gente! 

Eu passei por quatro partos, a presença do meu marido foi essencial naquele momento. Entendo perfeitamente o que ela quis dizer.

A reportagem da Marie Claire diz ainda que Hannah não pode usar métodos contraceptivos, dar à luz em hospitais ou anestesia para “parir”, por imposição da nossa religião. Mentira. De onde tiraram essa informação? Não tiveram a capacidade de pesquisar sobre a religião. 

Por fim, a repórter brasileira tenta associar a vida de dona de casa de Hannah com discussões ideológicas. “As reações intensas destes dois extremos acontecem num momento em que movimentos conservadores buscam tomar a narrativa nas redes sociais para brecar avanços de discussões — e, por que não, de direitos — de mulheres e outras minorias, como pessoas LGBTQIA+ e negras, por exemplo. Além das trad wives, outro exemplo é a trend ‘Mulher com M minúsculo”, em que homens definem como ‘menos mulher’ as que optaram, por exemplo, em postar vídeos dançando funk ou que só seguem homem nas redes sociais.”

Não sei por que ainda me surpreendo com essasnarrativas que apresentam brancos, ricos e religiosos como fascistas. Falam de tolerância, mas não a usam em relação a quem pensa diferente. Erguem a bandeira do feminismo só para defender o assassinato de bebês e desqualificar o homem. A mulher do lar não tem vez para elas. Nunca terá. Cuidar do marido e dos filhos vai contra agenda.

Hannah se manifestou nesta quarta-feira em suas redes sociais pela primeira vez após a grande repercussão de sua história:

— Eu e Daniel somos um. Eu o amo mais do que há 13 anos. Estou fazendo o que mais amo sendo mãe, esposa e empresária fazendeira.

Vale a pena conferir.

Para encerrar, faltou à repórter perguntar a Hannah se ela se arrepende de tudo isso.

Com certeza, ela diria que não. Mas já não tenho certeza se a resposta seria publicada.

— Isabela Tacaki é jornalista, casada e mãe de quatro lindas crianças.

 


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