ANTICRISTIANISMO

Os pastores lacradores e a religião mais pura que Deus

Braulia Ribeiro · 6 de Junho de 2023 às 17:24 ·

Braulia Ribeiro comenta o triste caso dos pastores que deixaram de acreditar em Deus para acreditar no mundo

Alguns pastores, antes medalhões do movimento evangélico brasileiro, resolveram se manifestar e trair a sua fé, posicionando-se contra a expressão cristã que antes representavam. Esses pastores preferem aderir ao terrorismo moral do wokismo a ser atacados por ele. Assim, traem o público que antes serviam e a fé que professavam, tudo em nome de uma suposta pureza moral.  Infelizmente não é um fenômeno incomum nos dias de hoje.

Ricardo Gondim, que foi pastor de uma mega igreja em São Paulo, no coração da capital, é um desses pastores que se arrependeram da fé.  Gondim veio do contexto tradicional das Assembleias de Deus de Fortaleza, e com coragem e inteligência cativou em São Paulo um público cult, jovens famílias e universitários. Harmonizou duas tendências aparentemente irreconciliáveis como o racionalismo protestante e o sentimentalismo pentecostal, conseguindo apresentar um evangelho capaz de produzir satisfação intelectual e libertação espiritual. Gondim era um superstar.  Alto, esbelto, corredor de maratonas, dono de um intelecto razoável e uma voz poderosa, o ex-pastor Gondim influenciou muito a cultura evangélica urbana. Suas pregações eram gravadas e ouvidas por fãs em todo o país. Apesar de manter um estilo pentecostal tradicional, trazia para suas mensagens um diálogo interessante com os desafios enfrentados pelos jovens das grande cidades. Gondim foi para São Paulo o que Timothy Keller (o pastor falecido recentemente da família de igrejas presbiterianas Redeemer) foi para a cidade de Nova York. O urbanoide, pós-moderno e cult também precisa de fé. O paulistano encontrava na Igreja Betesda de Gondim o que os nova-iorquinos encontraram na Redeemer, uma proposta religiosa na sua língua nativa.

Mas a trajetória de Gondim começa a embananar quando em algum ponto de suas crises de meia-idade e conflitos psicológicos, ou como subproduto de narcisismo, a sua consciência moral hipertrofia. Sim, você leu certo, ela não se encolhe, ela se agiganta: Gondim se torna o ser moral acima de todos os vis mortais.  Imbuiu-se de um quixotismo apaixonado e começou a combater os moinhos de vento e espantalhos que ele mesmo criou na paisagem evangélica. Apaixonou-se por Rubem Alves, rei das platitudes inócuas, que também abandonou a fé cristã para se reinventar como profeta de um grolado filosófico marxiano-heideggeriano. Gondim começa a seguir seu exemplo e se enxerga um vingador do evangelicalismo. O puro combatente solitário, um whistle-blower capaz de expor os podres das denominações evangélicas às quais dedicou sua vida.  Gondim é, segundo ele mesmo, um representante do verdadeiro evangelho do amor. Usa sua conta no Instagram reproduzindo incessantemente seu rosto, ora triste, ora triunfante.  Mas seus sentimentos, que antes serviram de inspiração e encorajamento para muitos, agora se tornaram tão idiossincráticos que dificilmente empolgam alguém.

Não há dúvidas de que Gondim ainda encontra público para suas fotos cult e seu lamentos imprecatórios. Junto com nomes antes reverenciados pelos evangélicos – como Caio Fábio, Ed René Kivitz, Antônio Carlos Costa, Paulo Cruz, Kleber Lucas –, Gondim hoje faz parte do grupo dos que se enxergam como dissidentes, e por que não, redentores da fé evangélica brasileira. Essa gente empolga aqueles que sempre foram inimigos da fé. É irônico, é melancólico: quem antes se esforçava em defesa da fé bíblica hoje se esfalfa para ganhar seguidores entre os que a odeiam.  Mas são mesmo dissidentes da fé, esses senhores tão nobres?

Quero propor ao leitor que eles não divergem da fé evangélica, mas sim de quimeras que eles mesmo constroem. São mestres em criar espantalhos a partir dos dogmas cristãos e atacá-los como se retratassem a verdade. O que na cultura evangélica irrita esses “heróis morais”? Gondim pontua assim sua discordância:

“Não sou parte do movimento evangélico. Por quê? O movimento evangélico pressupõe: Inerrância da Bíblia, Pecado original, Deus no controle de tudo, teologia sacrificial, teleologia – (a história caminha para um fim glorioso). Quem não subscreve a essas teologias, também não é”.[1]

O senhor está certíssimo, Sr. Gondim. Deus e a Bíblia são o centro da religião evangélica. Não são os meus sentimentos nem os seus. E os julgamentos e ideias de Deus que chegaram até nós, interpretados por 20 séculos de tradição cristã, são superiores a todas as sentiduras e neo-hermenêuticas que você e seus amigos tentam passar ao público como se fossem ortodoxia.

Gondim também se irrita com o “mal” que ele vê na cultura evangélica. Cada uma de suas acusações, no entanto, pode ser desmascarada com estatísticas e fatos. Para ele e muitos dos neo-pastores que adotaram o racialismo americano, os evangélicos são racistas. Sinto muito, mas o pentecostalismo é a expressão cristã mais negra do Brasil. Muito mais do que as religiões ditas afro que de afro só têm a origem longínqua. Mas não basta ter representatividade negra, pastores e líderes negros no Brasil inteiro: para serem justos e puros, os evangélicos também teriam que abraçar a política negrista, militar contra o “branquismo” (se é que algum brasileiro pode se chamar de branco). A religião evangélica também é, segundo Gondim e seus pares, misógina. E aqui também me faltariam páginas para documentar a imensa mentira factual que essa acusação representa. Para poupar o leitor do aborrecimento de ler estatísticas eu o convido a uma visita num domingo à noite a uma igreja evangélica. Mulheres pregam, despregam, cantam, encantam e desencantam, dançam, algumas até bem sensualmente, enfim, as congregações se esbaldam de mulheridade. Mulheres são líderes de igrejas e até de denominações.  Essa autora que vos escreve, que é devidamente uterizada desde o nascimento e que deu à luz três seres humanos brilhantes, já até pregou na igreja do próprio dito cujo. Existe, sim, uma discórdia interna: para algumas denominações mulheres podem pregar; para outras, não. Mas eu garanto, caro leitor, que em todas, pregando ou não, a mulher tem mais honra e espaço nas comunidades evangélicas do que na maioria das associações que se autoproclamam igualitárias.  Seriam as igrejas misóginas porque pregam que existe uma ordem doméstica, ou sugerem que talvez o casamento realize a mulher mais profundamente do que uma carreira de modelo no Instagram? De novo, a crítica aqui é política, não é questão de espaço social. Segundo os críticos, evangélicos são misóginos porque não aderiram à militância política das feministas radicais. Se você não trabalha para destruir os homens e tudo o que se relaciona com a masculinidade que agora é considerada intrinsecamente tóxica então você é misógino. Mas vale a ressalva: não estou de maneira alguma eximindo as igrejas evangélicas de problemas. Os problemas são muitos. Existe abuso e machismo dentro de igrejas como existe fora. A mesma cultura que colore o Brasil colore também muitos evangélicos que não a repensaram. Mas tudo isso é previsto também pela Bíblia. O livro sagrado dos cristãos não nos promete um paraíso na terra, nem uma santificação automática. Promete o contrário: teremos na terra luta, aflições, dores porque ainda estamos sujeitos a nossos pecados e aos dos outros.

Mais uma queixa política: homofobia. Aqui, é claro que tenho que conceder a Gondim e seus pares: os evangélicos que consideram a Bíblia a palavra revelada não se sentem no direito de atualizá-la nem de cortar pedaços dela.  A Bíblia sugere que uma família abençoada por Deus é constituída por um homem e uma mulher e eventualmente os filhos que eles produzirem e que terão o dever de cuidar e nutrir até que se tornem maduros para também constituírem suas próprias famílias. Assim tem sido, segundo a Bíblia, desde a fundação do mundo. Por mais que doa ao coração de muitos que se compadecem por filhos e filhas, amigos e uma geração inteira que acredita hoje que gênero e sexo não são traços relevantes da identidade humana, nem uma característica biológica (enquanto raça, que o projeto Genoma provou que não tem nada a ver com biologia, para os “certinhos” é, vai entender!?), os evangélicos que realmente respeitam a Bíblia não se sentem no direito de mudar esses princípios a seu bel-prazer. Então, eles se posicionam contrários à união homossexual. Mas espera aí. Isso é em si homofobia? Até onde eu saiba, não. Isso é uma posição moral, e não política, justificada em séculos de prática cristã em todo o mundo.

A opção por uma posição moral em detrimento da outra torna alguém um fóbico da posição que rejeitou? Até ontem, não. Manter uma posição moral não é o mesmo que rejeitar o transgressor. O cristão que pretende seguir a Bíblia a segue porque a crê divina e como tal, capaz de uma visão melhor sobre o ser humano do que ele mesmo. E primeira coisa que o cristão aprende é que ele tem que amar o próximo, porque todos somos criaturas de Deus. O que nos torna valiosos e dignos não é nossa sexualidade, ou a adesão a regras de comportamento, etc., mas o fato sermos criatura, amados por Deus apesar de nossas falhas humanas. Por isso, em tese não pode haver um espaço mais tolerante e inclusivo do que a igreja de Cristo.  Qualquer homossexual solitário vai achar uma comunidade que o abraça entre os evangélicos. Mas não vai encontrar quem o ache superior, ou glorioso por causa de sua sexualidade. Talvez seja aí na falta de adulação bajuladora que a igreja peca contra o gay. Uma comunidade evangélica tradicional vai receber com amor, mas vai também pedir ao devoto gay, como pede de qualquer outro, que siga suas regras em relação ao comportamento sexual. Toda comunidade tem regras. Não posso frequentar uma colônia nudista vestida. Eu não poderia impor a minha presença se quisesse ficar vestida numa colônia nudista sem ser percebida como insensível, arrogante e pretenciosa.

A perspectiva moral da igreja só é vista como rejeição social porque hoje a homossexualidade deixou de ser uma condição provocada por uma determinação moral para se tornar uma condição social que tem que receber privilégio social e político. Mais uma vez Sr. Gondim entendemos o que está por trás de seus argumentos. Você não é evangélico porque se tornou um militante político de uma ideologia que conflita diretamente com os valores que antes você aceitava e defendia. Você hoje é devoto da religião secular que compete diretamente com os valores cristãos que antes defendia.

Gondim e seus pares não são dissidentes, são difamadores do movimento que os construiu, que lhes deu o conforto material e o respeito do qual ainda desfrutam. Posam como heróis do antimoralismo tentando afirmar uma nova proposta cristã, mas na verdade não passam de pregadores de um moralismo muito pior, que não constrói nada, só se ocupa de destruir, cancelar, negar, difamar, diminuir, e matar o que gera vida. Assombra-me que do alto de sua intelectualidade superior esses pseudo-dissidentes oportunistas não percebam a armadilha na qual se deixaram apanhar. O movimento político ao qual se aliaram é êfemero como os valores que propagam. Seus afetos são levados pelo vento como sementes de paina. Hoje amam amanhã odeiam e cancelam. Será cancelado nosso irmão. Quem alimenta Cérbero no quintal acaba devorado por ele. Espero que Gondim recupere na solidão do abandono a lucidez moral que agora lhe falta.  

 

[1] https://twitter.com/gondimricardo/status/1283185939041456129?s=20

 


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