DITADURA

MPF pede o fechamento da Jovem Pan por "incentivo a ações antidemocráticas"

João Pedro Magalhães · 27 de Junho de 2023 às 15:56 ·

Segundo o orgão, a emissora é a responsável por abalar "a confiança das pessoas na democracia".

O Ministério Público Federal ajuizou na noite desta segunda-feira (26) uma ação civil pública contra Jovem Pan para condená-la a veicular conteúdos enaltecendo o sistema eleitoral brasileiro 15 vezes por dia e ao pagamento de danos morais no valor de R$ 13.406.672,80 (treze milhões, quatrocentos e seis mil e seiscentos e setenta e dois reais e oitenta centavos). O órgão ainda pede que a emissora tenha suas outorgas de radiofusão canceladas.

Se não cumpridas as medidas, a emissora deverá pagar uma multa diária em "em valor não inferior a R$ 100.000,00".

Segundo apresentado na petição inicial, o objetivo da demanda é responsabilizar a Jovem Pan pela veiculação "sistemática e multifacetada", de conteúdos desinformativos a respeito do funcionamento de instituições públicas nacionais – em especial, o sistema eleitoral. A emissora teria ainda veiculado conteúdos "incitatórios à violência e à ruptura do regime democrático brasileiro".

Segundo o MPF, tais conteúdos veiculados caracterizam "abusos da liberdade de radiodifusão", e  "engendraram riscos concretos à ordem pública do país, caluniando membros dos Poderes Legislativo e Judiciário, incitando a desobediência da legislação e de decisões judiciais, incitando a rebeldia e a indisciplina das Forças Armadas e de forças de segurança pública, e fazendo propaganda de processos de subversão social.".

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Defesa da liberdade

Ao apresentar os fundamentos e fatos que motivaram a propositura da demanda, o MPF ainda busca justificar o ataque à emissora como defesa da liberdade de expressão. Na exposição dos argumentos, expôs na peça processual:

"Sociedades democráticas, sobretudo as organizadas como Estado de Direito, devem garantir amplas margens de discurso a suas cidadãs e seus cidadãos, e seus meios de comunicação em massa devem poder ser palco de visões de mundo diversas, sem ingerências estatais indevidas".

Ainda, os procuradores compararam a atual situação com as supostas desinformações veiculadas pela mídia a respeito do coronavírus. Veja:

"Basta lembrar, por exemplo, do que se viu na pandemia da COVID-19, quando conteúdos falsos sobre a origem do vírus SARS-COV-2, sobre a suposta eficácia de medicamentos para conter a doença, e mesmo sobre supostos efeitos colaterais de vacinas produzidos globalmente prejudicaram a eficácia de políticas sanitárias de defesa da população, e contribuíram para mortes evitáveis em todo o globo", continuou.

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Mais punições

Além da ação ajuizada, o MPF ainda expediu uma recomendação à Controladoria-Geral da União (CGU) para que instaure um processo administrativo a fim de impedir a Jovem Pan de celebrar contratos com a Adminsitração Pública Federal. Segundo o site oficial do órgão, "o pedido se baseia no parecer nº 00001/2023/CONSUNIAO/CGU/AGU, aprovado pela Advocacia-Geral da União logo após os ataques de 8 de janeiro e com força vinculante. A norma considera que empresas envolvidas em atos antidemocráticos devem ser consideradas inidôneas para contratar com o Poder Público." 

O MPF entende que os atos praticados pela emissora correspondem à mesma natureza, pois estimularam a desobediência de decisões judiciais, a intervenção das Forças Armadas e desordem pública. Por isso, recomenda que CGU abra o processo adminsitrativo e declare a inidioneidade da emissora.

Caso a CGU não acolha a recomendação, o tema poderá ser incluído como uma das pretensões da ação civil pública ajuizada. 

Demissões

Durante a peça processual, o MPF faz a citação de falas divulgadas nos programas da emissora, por muitos de seus jornalistas à época. A maioria das falas representam críticas à falta de transparência do sistema eleitoral e a atuação autoritária de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A maioria das citações foram de falas do Paulo Figueiredo, Augusto Nunes, Rodrigo Constantino, Adrilles Jorge, Ana Paula Henkel e Guilherme Fiuza.

Após a vitória do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a emissora demitiu todos os jornalistas supracitados, a fim de sinalizar uma possível proximidade com o novo governo. Contudo, o gesto deles apenas sinalizou uma fraqueza na defesa de suas ideias, e serviu como motivação ao ataque judicial proposto pelo MPF na segunda-feira.

 

Conclusão e requerimentos apresentados pelo MPF:

"Por todo o exposto, a presente ação se resume sobretudo nos seguintes postulados:

- a JOVEM PAN, por meio de vários de seus programas, ocupou, ao menos entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023, uma posição destacada na comunicação social que minou a confiança cidadãos e cidadãs do país em seus processos cívicos e na própria importância de preservação de nosso regime democrático (tópico 2 supra);

- a JOVEM PAN, na qualidade de detentora de outorgas de serviço público de radiodifusão sonora, está submetida a um regime jurídico marcado por limites estritos à liberdade de discurso, nos termos dos arts. 221 a 223 da Constituição Federal e do art. 53 da Lei nº 4.117/1962 (tópico 3 supra);

- a JOVEM PAN praticou, ao menos entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023, sistemáticos e multifacetados abusos à sua liberdade de radiodifusão tipificados em lei, veiculando conteúdos desinformativos sobre o funcionamento de instituições públicas nacionais, e conteúdos incitatórios à violência e à ruptura do regime democrático brasileiro (tópico 4 supra); - por conta disso, é impositivo que sejam canceladas as outorgas de rádio atualmente detidas pela JOVEM PAN, que ela seja obrigada a indenizar a sociedade brasileira pelos graves danos morais coletivos causados, e que ela seja obrigada a veicular, em sua estrutura, direito de resposta à população (tópico 5 supra);

E tendo eles em conta, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer:

9.1) em sede antecipação de tutela, com fundamento no art. 311, IV, do Código de Processo Civil, e nas razões expostas no tópico 5.1 supra, a imposição:

9.1.1) à UNIÃO, da obrigação de, no prazo máximo de 30 dias, reunir informações oficiais, junto ao Tribunal Superior Eleitoral, sobre a confiabilidade dos processos democráticos por ele organizados, e transformá-las, se necessário com o expertise da Secretaria de Comunicação Social – SECOM ou da Empresa Brasileira de Comunicação – EBC, em conteúdos de radiodifusão sonora, com duração entre dois a três minutos cada;

9.1.2) à JOVEM PAN, da obrigação de, tão logo recebidos os conteúdos a serem produzidos pela UNIÃO, veiculá-los ao menos 15 (quinze) vezes por dia, em período das 06h00 às 21h00, durante 04 meses, a título de direito de resposta à coletividade, e de modo a neutralizar e contrabalancear os efeitos causados pelos abusos expostos na presente ação;

9.1.3) ainda à UNIÃO, da obrigação de fiscalizar o cumprimento da obrigação a ser imposta à JOVEM PAN, apresentando relatórios mensais, nos autos, com os resultados do devido monitoramento;

9.1.4) a imposição, com fundamento no art. 537 do Código de Processo Civil, de multa cominatória diária em valor não inferior a R$ 100.000,00, para a hipótese de descumprimento das obrigações que se espera sejam impostas em sede de antecipação de tutela.

9.2.1) a condenação da JOVEM PAN, impondo-se o cancelamento judicial das três outorgas de radiodifusão sonora que atualmente detém249, forte no art. 223, § 4º, da Constituição da República e no art. 53 da Lei nº 4.117/1962, e nas razões expostas no tópico 5.2 supra.

9.2.2) a condenação da UNIÃO, à obrigação de fiscalizar de forma contínua, e de eventualmente punir outras detentoras de outorga de radiodifusão que, na qualidade formal de afiliadas ou não, venham a transmitir conteúdos produzidos pela JOVEM PAN, de modo a se garantir a plena eficácia da decisão judicial visada no item 9.2.1;

9.3) no mais, a condenação da JOVEM PAN, à obrigação de pagar, a título de indenização pelos danos morais coletivos causados, o valor de R$ 13.406.672,80 (treze milhões, quatrocentos e seis mil e seiscentos e setenta e dois reais e oitenta centavos), acrescidos de juros moratórios e de correção monetária a partir de sua citação, e destinados ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos do art. 20 da Lei nº 7.347/1985 e do Decreto nº 1.306/1994 e pelas razões expostas no tópico 5.3 supra.

9.4) a citação das demandadas, para, querendo, contestarem a presente ação civil pública, sob pena dos efeitos da revelia.

9.5) em específico quando da citação da UNIÃO, sua intimação para, também, nos termos do tópico 6 supra desta inicial e forte no art. 5º, § 2º, da Lei nº 7.347/1985, manifestar-se sobre o eventual interesse de migrar para o polo ativo da demanda, caso concorde com seus termos,hipótese esta em que deverá, de forma expressa, assumir formalmente todas as obrigações que podem ser impostas nesta sede.

9.6) em específico quando da citação da JOVEM PAN, sua intimação para que se abstenha – em cumprimento aos deveres previstos nos arts. 5º e 6º do Código de Processo Civil, e sob pena de incorrer em ato atentatório de que trata seu art. 77, VI e de seus representantes sofrerem repercussões criminais, nos termos do art. 10 da Lei nº 7.347/1985 – de excluir os videos, ou de restringir sua visibilidade, constantes dos canais de YouTube relacionados à Jovem Pan News250 , no período entre 01/01/2022 a 09/01/2023, enquanto tramitar a presente ação, tendo em conta a importância que eles podem ter para sua instrução251 .

9.7) desde logo, a intimação da GOOGLE BRASIL, responsável pela plataforma Youtube252, para que253:

9.7.1) preferencialmente, disponibilize link para repositório em nuvem (Google Drive ou solução análoga) dedicado a estes autos, e disponível até o término de sua tramitação, igualmente contendo na íntegra todos os vídeos publicados, no período entre 01/01/2022 e09/01/2023, nos canais controlados pela JOVEM PAN relacionados à Jovem Pan News254 , organizados em pastas segundo as respectivas datas de publicação (mas mantendo em um diretório separado, também organizados em pastas segundo as respectivas datas de publicação, os vídeos que, nesse período, foram apagados ou colocados em visibilidade restrita pela emissora demandada, conforme planilha apresentada ao Ministério Público Federal255, e informando qual o número de visualizações de cada um deles, se necessário em tabela), a fim de facilitar a busca e o acesso, em favor da instrução da presente ação;

9.7.2) subsidiariamente, entregue, na sede desse juízo, mídia física contendo na íntegra todos os vídeos publicados, no período entre 01/01/2022 e 09/01/2023, nos canais controlados pela JOVEM PAN relacionados à Jovem Pan News256, organizados em pastas segundo as respectivas datas de publicação (mas mantendo em um diretório separado, também organizados em pastas segundo as respectivas datas de publicação, os vídeos que, nesse período, foram apagados ou colocados em visibilidade restrita pela emissora demandada, conforme planilha apresentada ao Ministério Público Federal257, e informando qual o número de visualizações de cada um deles, se necessário em tabela), a fim de facilitar a busca e o acesso, em favor da instrução da presente ação;

9.8) por fim, a isenção dos pagamentos de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nos moldes da Lei nº 7.347/1985. 

Ainda que ciente do conjunto probatório robusto já apresentado ao se ajuizar esta ação, protesta-se, desde logo, provar os fatos expostos por todos os meios admitidos no Direito, notadamente pela juntada de documentos, pela oitiva de testemunhas e pela realização de perícias.

Por oportuno, este órgão ministerial consigna que, a princípio, não tem interesse em resolver a presente demanda por meio de conciliação ou de mediação, nos moldes do art. 334 do Código de Processo Civil. Pois qualquer solução consensual que viesse a ser entabulada no caso, até onde se consegue ver, teria efeitos meramente prospectivos e, por isso, se mostraria insuficiente como resposta estatal aos graves fatos apurados. A defesa do regime democrático, colocado em perigo por condutas como as praticadas pela JOVEM PAN, é uma tarefa irrenunciável, que não comporta negociações ordinárias. Por maiores que possam ser as promessas de conformidade e de melhoria para o futuro, o passado não se apaga e desafia providências legais severas, proporcionais ao ocorrido.

Dá-se à causa o valor de R$ 13.406.672,80."

 

Leia a íntegra dos fatos, fundamentos e pedidos apresentados pelo MPF:

 

 


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