ALEMANHA

Mar de tratores: Agricultores alemães se revoltam contra governo esquerdista

Pacelli Luckwü · 26 de Dezembro de 2023 às 09:46 ·

Na rua em em que o regime comunista massacrou os alemães em 1953, os homens do campo fazem protesto contra o corte de subsídios, que afeta principalmente os mais pobres. Agenda ambientalista é o principal fator que levou aos cortes

Em Berlim, a Avenida 17 de junho, que antes fora invadida por tanques soviéticos, foi ocupada na semana que precedeu o Natal por outras centenas de monstros verdes mecânicos: desta vez, tratores da agricultura alemã.

Quem começou a semana na capital alemã e precisou chegar no trabalho de carro ou de ônibus teve dor de cabeça. Foram cenas impressionantes, um mar de tratores tomando as ruas ao redor do Tiergarten, o parque considerado pulmão da cidade. Um caminhão que participou da manifestação descarregou uma caçamba de esterco ao lado da Coluna da Vitória, monumento que comemora as vitórias nas guerras que unificaram o país.

A origem da revolta está na nova medida do governo alemão de corte de custos. A economia alemã não vai nada bem como já escrevi (já escrevi sobre a crise econômica alemã e as consequências para a Europa neste artigo). O governo precisou apresentar um duro corte de custos, e um dos critérios usados para decidir de onde cortar foi a questão ambiental.

Isso significa que as atividades tidas como poluidoras serão prejudicadas, como a agricultura, vista como vilã por Berlim e Bruxelas. Convém mencionar que, nos protestos dos grupos ambientalistas mais radicais, aqueles que se colam na rua e vandalizam obras de arte em museus, uma das principais reivindicações é exatamente o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis.

Em termos práticos, o pacote de medidas de redução de custos prevê, entre outras coisas, o corte nos subsídios do diesel para agricultura. A associação dos agricultores calculou um aumento de custos médio de seis mil euros (cerca de 32.200 reais) por ano para cada produtor, o que seria fatal para os pequenos, já que a maioria deles só tem a si e a família como mão-de-obra.

Todos os anos, bilhões de euros são enviados em subsídios para os agricultores europeus para que as metas climáticas sejam alcançadas. Em contrapartida, as fazendas precisam manter grande quantidade de sua superfície ociosa. Os produtores recebem montanhas de dinheiro para não produzir absolutamente nada. Diante de uma agroindústria global competitiva, destaque para o caso brasileiro, a agricultura europeia clama pelos subsídios para sobreviver.

Outra crítica dos manifestantes era a de que as obrigações burocráticas e regulamentações ficam cada vez mais custosas. Esses custos criados em Berlim e em Bruxelas se tornam insuportáveis para os pequenos agricultores e faz com que apenas os grandes sobrevivam, gerando concentração de mercado. Outro problema levantado pelos participantes do protesto foi que a eliminação de milhares de agricultores de sua atividade ao longo da última década apresenta um risco para a capacidade do país de produzir ao menos parte de seu próprio alimento.

Essa não é a primeira vez que verdadeiras invasões de tratores nas cidades estamparam os noticiários europeus. No ano passado e no começo deste ano, agricultores holandeses tomaram as ruas das cidades em protesto pelas metas de seu governo em reduzir 50% a emissão de nitrogênio e de amônia até 2030. Os produtores que não cumprissem a meta poderiam até ter suas fazendas desapropriadas.

No caso da Alemanha, a pressão foi tanta que Cem Özdemir (Partido Verde), o Ministro da Agricultura, teve que subir no palanque para ouvir as demandas dos manifestantes. E parece que surgiu algum efeito, as discussões na coalizão governante para rever o corte de subsídios já foram iniciadas.

Na última quinta-feira, dia 21 de dezembro, mais um protesto ocorreu, desta vez em Stuttgart. Os produtores rurais deram um ultimato ao governo: caso as medidas não sejam canceladas até o dia 8 de janeiro, novas manifestações de grandes proporções tomarão as ruas novamente.

É mais um duro golpe no governo de Olaf Scholz, que já está enfraquecido e é considerado o governo do pós-guerra mais impopular – e também o mais esquerdista.

A avenida que foi o foco dos protestos em Berlim carrega um forte simbolismo. Chama-se Avenida 17 de Junho, em homenagem ao massacre cometido pelo governo comunista em 1953 contra a própria população. A cerca de 100 metros do Portão de Brandemburgo, também na rua do 17 de Junho, maior cartão postal do país, encontra-se a escultura de bronze de 3 metros chamada Der Rufer. A escultura mostra uma pessoa de pés descalços gritando por liberdade em direção ao antigo lado comunista. A estátua foi colocada naquele local em 19 de maio de 1989. Meses depois, o muro de Berlim caiu.

Que o grito dos agricultores seja igualmente poderoso.

 


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