Golpe de Estado no Níger é parte do confronto geopolítico da Rússia com o Ocidente
África será um dos principais pontos da “guerra por procuração” de russos e chineses contra Estados Unidos e União Européia
No dia 26 de julho, membros da guarda presidencial do Níger, com apoio do chefe das forças armadas, detiveram o presidente Mohamed Bazoum e deram um golpe de estado. Bazoum assumiu o cargo há dois anos e agora é acusado de corrupção e de falhar em sua promessa de resolver o problema da segurança pública no país. Mas porque um golpe de estado num país africano, que há pouco era ignorado pela maioria, é tão importante no atual contexto geopolítico mundial?
O Níger está localizado exatamente na transição entre o Magrebe e a África Negra. Faz fronteira com a Nigéria, Benin, Burkina Faso, Mali e Chade – países subsaarianos – e também com a Argélia e Líbia, países islâmicos de população mediterrânica. O país não tem saída para o mar e é uma ex-colônia francesa que se tornou independente apenas em 1960.
Mas o principal nessa história toda é que o Níger é um importante aliado ocidental na região, abrigando bases francesas, americanas e alemãs. Entretanto, a tensão principal da região que culminou no atual golpe de estado não está diretamente ligada à questão islâmica de seus vizinhos de fronteira, principalmente ao norte, como se poderia pressupor, mas à crescente influência russa e chinesa na região.
No último artigo desta coluna há toda a contextualização da atual disputa entre o eixo russo-chinês e o bloco ocidental pelo controle da África como área de influência política e econômica. Embora já haja um esforço dos americanos e europeus para ampliar os investimentos numa zona entre Angola, Zâmbia, República do Congo e Tanzânia, ainda há uma presença gigantesca de financiamento chinês na área de transporte em todo o resto do continente, além dos investimentos russos na exploração de gás e petróleo africanos.
A Rússia não chegou à região apenas com gasodutos e refinarias, mas também com as tropas mercenárias do Grupo Wagner, uma organização privada militar russa que ganhou notoriedade por suas atrocidades durante a invasão da Ucrânia.
Obviamente não foi coincidência que o golpe no Níger ocorreu exatamente durante a segunda cúpula Rússia-África, em São Petersburgo. Durante seu discurso de abertura do evento, o presidente russo Vladimir Putin lembrou que, apenas em 2023, o volume de negócios entre seu país e a África já aumentou 35% e salientou o desenvolvimento de mais 30 novos projetos no setor de energia envolvendo entidades russas e africanas.
Na mesma semana Putin assinou dois acordos com a Somália para saldar as dívidas de Mogadíscio com Moscou, totalizando mais de US$ 690 milhões.
Voltando ao Níger, os líderes de um golpe militar recusaram- se a receber uma delegação da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental – CEDEAO – que se deslocou ao país para tentar aliviar as tensões. Os chefes de gabinete da CEDEAO, liderada pela Nigéria. se reuniram na semana seguinte ao golpe para discutir a possibilidade de outra intervenção militar – desta vez liderada pelos países do bloco africano – depois que Bola Tinubu, presidente da Nigéria, ameaçou interceder no país vizinho se o presidente deposto do Níger não fosse restaurado ao poder.
Como resposta às ameaças de intervenção internacional, a junta militar golpista solicitou então ajuda do Grupo Wagner da Rússia, e também de mercenários dos países vizinhos Mali e Burkina Faso, que também são ditaduras militares com fortes laços com a China e Rússia.
Os meios de comunicação franceses, notadamente a RFI e France24, foram proibidos de executar transmissão de TV, rádio no país e tiveram seus sites de notícias bloqueados também.
O CEDEAO já anunciou embargos ao Níger, mas o próprio bloco afirmou que tais medidas não afetaram em nada o trabalho em um grande oleoduto que liga o Níger ao Benin. O projeto é financiado pela PetroChina, e espera-se que atraia cerca de US$ 4 bilhões em investimentos, A linha ligará o campo de petróleo de Agadem, no Níger, ao porto de Cotonou, no Benin, quintuplicando a produção de petróleo do Níger.
Enquanto isso, na União Europeia, uma das principais aliadas do governo deposto do Níger, o ministro das Relações Exteriores da Itália, Antonio Tajani, limitou-se a dizer que a CEDEAO deveria estender os prazos de embargos. A França, antiga soberana do Níger e a principal ligação do país africano com Europa, disse através de um porta-voz do ministério das relações exteriores que está pronta para apoiar os esforços do CEDEAO para impedir os planos dos golpistas. Após esse pronunciamento um tanto quanto vago, a ministra das Relações Exteriores da França, Catherine Colonna, se reuniu em Paris com o primeiro-ministro do Níger, Ouhoumoudou Mahamadou, que também foi deposto do cargo junto com presidente Mohamed Bazoum.
França e a União Europeia suspenderam também a cooperação em segurança e a ajuda financeira ao Níger após o golpe, enquanto os Estados Unidos apenas alertaram que a ajuda financeira que também concede ao país “poderia estar em risco”.
Entre os embargos da CEDEAO, que atualmente é presidida pela Nigéria, chegou ser mencionado que se cortasse o fornecimento de energia ao país, o que ainda não aconteceu. Mesmo a intervenção militar anunciada pela CEDEAO ainda está apenas no campo da ameaça.
O governo da Rússia até fez um discurso morno condenando publicamente o golpe, mas bandeiras russas e cartazes pró-Rússia apareceram por todas as ruas da capital Niamey de acordo com imagens da EPA (European Pressphoto Agency) e da Agência Lusa. E em forma de ameaça velada, Putin alertou que a interferência estrangeira não ajudará o Níger. O Grupo Wagner, que já estava presente na região desde o início da construção do oleoduto, elogiou os golpistas e ofereceu seus serviços.
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